12 Agosto 2022
No início desta semana, o cardeal jesuíta canadense Michael Czerny, chefe do Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral, esteve em Auschwitz para a celebração do 80º aniversário da morte de Edith Stein, a filósofa alemã judia que se tornou irmã carmelita e pereceu no campo de concentração nazista em 1942.
Na ocasião, Czerny fez algo que ele raramente faz em público – falou sobre si.
O artigo é do jornalista estadunidense John L. Allen Jr., publicado por Crux, 11-08-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Nascido na antiga Tchecoslováquia em 1946, Czerny é filho de uma mãe que nasceu e cresceu católica, mas veio de uma família judia. Ele contou a história de como durante a Segunda Guerra Mundial ela foi presa e depois enviada para um campo de concentração, assim como o pai católico de Czerny por se recusar a se divorciar dela. Seu avô morreu em um campo de concentração, sua avó morreu de tifo logo após a libertação e dois tios foram assassinados em campos de trabalhos forçados.
A partir desses detalhes, ficou claro que Czerny sente uma sensibilidade especial ao legado do Holocausto, o que sem dúvida ajuda a explicar a paixão que ele sente há muito tempo pelos povos que sofrem, incluindo, em vários pontos de sua carreira, a defesa de vítimas de abusos de direitos humanos, vítimas da AIDS e migrantes e refugiados.
Em termos de política eclesial, o nome de Czerny figura em muitas listas de apostas para o papado, o que significa ser um candidato a se tornar o próximo papa. Ele domina os idiomas, falando inglês, francês, alemão, italiano e espanhol; ele tem a perspectiva global, tendo servido na América Latina e na África antes de vir para Roma em 2010; e ele é o favorito do Papa Francisco, o que significa que ele seria um atraente voto de “continuidade”.
Para aqueles com longa memória, a ascensão de Czerny é uma reminiscência de outro cardeal luminar com raízes judaicas cuja estrela brilhou durante os anos do Papa João Paulo II: o falecido Jean-Marie Lustiger de Paris, que também foi considerado um favorito pessoal do papa que serviu e um candidato líder para o cargo principal.
Ao contrário de Czerny, não foram os ancestrais de Lustiger que se converteram do judaísmo ao cristianismo, mas o próprio jovem. Nascido de judeus Ashkenazi da Polônia que imigraram para a França, Lustiger se converteu ao catolicismo aos 13 anos. Sua mãe foi enviada para Auschwitz em 1942, onde morreu no ano seguinte, enquanto o resto da família se refugiou no sul da França desocupado.
Intelectual ativo, Lustiger passou grande parte de sua carreira nos círculos acadêmicos até ser nomeado bispo de Orleans por João Paulo II em 1979 e arcebispo de Paris em 1981, tornando-se cardeal dois anos depois.
Como Czerny sob Francisco, Lustiger era visto como um protegido fiel de seu pontífice – um forte conservador, um evangelista ardente e um pastor com uma preocupação especial com a juventude e as vocações. João Paulo teve a visão de despertar as raízes cristãs da Europa, nomeando lideranças carismáticas para suas principais cidades, apresentando cardeais que pudessem envolver os mundos da cultura e do pensamento, incluindo Christoph Schönborn em Viena, Miroslav Vlk em Praga e Carlo Maria Martini em Milão.
Naquele firmamento, nenhuma estrela brilhava mais que Lustiger. No entanto, ele também não estava sem seus críticos.
Como administrador, ele foi apelidado de “o trator” por causa de sua reputação de passar por cima de oponentes ou pessoas que não compartilhavam de sua agenda. Ele foi visto como o flagelo do clero liberal na França, entre outras coisas, preparando o terreno para a remoção do bispo Jacques Gaillot por João Paulo II em 1995, devido às visões progressistas de Gaillot sobre padres casados, uso de preservativos, relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo e uma série de outras questões contestadas.
Em um sinal das tensões que cercaram Lustiger, ele nunca foi eleito presidente da Conferência Episcopal Francesa, embora tenha se vingado em 1995, quando foi eleito membro da Académie Française (cujos membros, para constar, são conhecidos como “os imortais”).
Lustiger também foi uma figura controversa nas relações judaico-católicas. Por um lado, suas raízes e conhecimento íntimo da fé, e o fato de ter perdido um dos pais no Holocausto, fizeram dele um interlocutor natural. No entanto, porque ele era um convertido, alguns judeus também o viam como um símbolo dos esforços cristãos para fazer proselitismo dos judeus ao longo dos séculos.
O ex-rabino-chefe Ashkenazi de Israel Yisrael Meir Lau certa vez acusou Lustiger de trair o povo judeu por sua conversão, e quando ele recebeu um prêmio por promover as relações judaico-católicas em 1998 pela Universidade do Sagrado Coração em Connecticut, a Liga Antidifamação se opôs, dizendo “ele se converteu, o que o torna um mau exemplo”.
No final, as águas nunca foram realmente testadas em Lustiger como candidato papal. Quando João Paulo II morreu em abril de 2005, Lustiger já havia renunciado e era conhecido por estar com a saúde debilitada, e morreria de câncer nos ossos e no pulmão dois anos depois.
No entanto, por quase duas décadas, esse “cardeal judeu” e fiel aliado do papa ajudou a marcar os termos do debate na Igreja Católica. Se isso soa familiar, deveria. Czerny não é um convertido, mas vem de uma família de convertidos e compartilha o mesmo perfil de aliado determinado e implementador da visão de Francisco.
Se as possibilidades papais de Czerny serão diferentes das de Lustiger ainda se verá.
Czerny completou 76 anos recentemente – coincidentemente, a mesma idade de quando Francisco foi eleito – e, pelas declarações, aparenta estar com uma boa saúde. Uma potencial desvantagem é que diferente de Lustiger, que governou uma das mais complexas arquidioceses por quase 25 anos, Czerny tem relativamente pouca experiência de administração pastoral. É claro, a mesma coisa era dita sobre o Papa Bento XVI em 2005, e isso não impediu os cardeais de o elegerem.
Seja o que for que o futuro esteja reservando, agora Czerny parece com um novo Lustiger, em que ele é um cardeal com uma história pessoal comovente envolvendo o judaísmo, uma mão-direita para o atual papa, e um movimentador dentro da Igreja... tudo isso faz dele, desnecessário dizer, de alguém para se manter o olho.
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O jesuíta Michael Czerny como o novo Lustiger, o “cardeal judeu” e candidato papal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU