29 Junho 2022
Em conversa com o veterano da diplomacia mundial e da realpolitik sobre a guerra, os seus encontros com Vladimir Putin, o problema da OTAN em Kiev e por que uma "Rússia europeia é sempre melhor que uma asiática".
A reportagem é de Antonello Guerrera, publicada por Repubblica, 28-06-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Henry Kissinger, 99, divindade da diplomacia estadunidense e internacional com quem conversamos por mais de uma hora em uma videochamada de seu estúdio cheio de livros e fotos na Nova Inglaterra, ele acredita ter sido mal interpretado por muitos jornalistas nas últimas semanas sobre os acontecimentos na Ucrânia, sobre o presidente Volodymyr Zelensky e sobretudo sobre Vladimir Putin, "um homem muito inteligente, mas com quem não acredito ter uma relação especial".
No entanto, o presidente russo considera Kissinger, ex-soldado da Segunda Guerra Mundial, ex-secretário de Estado estadunidense, Prêmio Nobel da Paz em 1973 e hoje o diplomata ocidental mais experiente do mundo, um dos poucos estadunidenses com quem consegue conversar. Kissinger, pai da realpolitik, que agora publicou seu último livro, Leadership, sobre os seis líderes que mais o inspiraram na história contemporânea (Thatcher, De Gaulle, Nixon, Lee Kwan Yew, Sadat e Adenauer), foi criticado especialmente depois de alguns de suas frases na última cúpula de Davos. Naquela ocasião, ele deu a entender que com Putin se deve negociar e que parte da Ucrânia poderia ser sacrificada em troca de uma nova estabilidade global.
Kissinger se chateia. “Aquelas frases foram mal interpretadas”, explica ele durante a videochamada com correspondentes estrangeiros em Londres organizada pela Foreign Press Association (Fpa), “e eu nunca pronunciei a palavra realpolitik. Em relação à guerra na Ucrânia, disse simplesmente que o seu fim deve ser contemplado não apenas por meios militares, mas também por meios políticos. Não se pode continuar a combater sem um verdadeiro objetivo compartilhado por vários países. Por fim, em uma entrevista ao Financial Times, o presidente ucraniano Zelensky disse o que também eu defendo: a questão de 7% do território ocupado pelos russos pode ser objeto de outras negociações futuras. Isso eu disse. E não que a Ucrânia tenha que ceder parte de sua soberania à Rússia para alcançar a paz”.
No entanto, Kissinger não tem dúvidas. “O Ocidente teve pouca sensibilidade ao ventilar a ideia de que a Ucrânia em breve se juntaria à OTAN, preenchendo todo aquele território com a Aliança Atlântica. Isso, nas minhas conversas que tive com ele, é uma das coisas que mais preocupava Putin. Pelo que eu o conheço, embora não o veja há 3 anos, o presidente russo é um homem muito inteligente e um calculista preciso. Devo dizer que também por isso fiquei surpreso com a magnitude da agressão russa na Ucrânia, que não pode ser justificada de forma alguma pelos temores de Putin.”
No entanto, para Kissinger, é crucial que nós, ocidentais, nos esforcemos para entender "o ponto de vista russo, inclusive quando a guerra na Ucrânia chegar a uma trégua". Expulsar a Rússia de todos os fóruns não faz sentido, segundo o diplomata estadunidense, porque uma Rússia europeia é melhor que uma “asiática: no final da guerra, o papel de Moscou terá que ser reconsiderado. A Rússia faz parte da Europa há 500 anos, envolvida em todas as maiores crises e até mesmo em alguns triunfos da história continental. Agora, como ocidentais, devemos refletir: melhor uma Rússia que, com todos os problemas que criou, seja uma extensão da Europa ou uma extensão da Ásia até as fronteiras da Europa? Acredito que a primeira opção é melhor”.
Finalmente, segundo Kissinger, é preciso ter muita realpolitik também em relação à China. “Até algumas décadas atrás”, conta o especialista estadunidense, “Pequim ainda era um país subdesenvolvido segundo os Estados Unidos. Seu incrível crescimento surpreendeu a todos, seus sucessos econômicos até agora são extraordinários”. Agora, no entanto, a tensão é cada vez maior também no Indo-Pacífico, onde os EUA e o Reino Unido estão intensificando seus esforços de dissuasão militar, após as leis liberticidas em Hong Kong e as ameaças de Pequim que pairam sobre Taiwan. No entanto, de acordo com Kissinger, é vital “manter a China firmemente no sistema internacional. Uma guerra ou conflito entre Washington e Pequim seria catastrófica sob todos os pontos de vista”. Porque, como para a Rússia, “é impossível suprimir a China. Por isso, é preciso um diálogo constante. Não se deve concordar com Pequim em tudo, mas certamente em um ponto: evitar a guerra”.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Ucrânia, fala Kissinger: “Por que o Ocidente deve evitar uma guerra contra a Rússia e a China” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU