28 Abril 2022
"A moral para os dois Vladimir então talvez seja: parem enquanto ambos têm algo no bolso. Poderia ser pior do que agora. Não será o fim dos problemas, mas pelo menos vocês e todos podem recuperar o fôlego", escreve o sinólogo italiano Francesco Sisci, em artigo publicado por Settimana News, 26-04-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
É sempre difícil entender algo no nevoeiro, na fumaça da guerra. Na Ucrânia, parece ainda mais difícil do que o habitual em meio a declarações conflitantes, confusão de propaganda e mudanças constantes de objetivos e intenções.
Mas nem tudo é fumaça, há algo claro e aqui, como repórter, uma lista banal.
A grande ofensiva do Donbass foi anunciada há tempo, mas não se registram combates e movimentos significativos de tropas russas há cerca de quinze dias. Um quarto das tropas russas está fora de ação, mortos, feridos, prisioneiros ou desaparecidos. Talvez 40-50.000 homens dos 190.000 iniciais. Há relatos de seis ou sete generais mortos e uma dúzia de demitidos, removidos, afastados pelas autoridades de Moscou.
Para ter um termo de comparação, cerca de 15.000 soldados soviéticos morreram em nove anos de guerra no Afeganistão, de uma população que era então de quase 300 milhões e uma força mobilizada de cerca de 620.000 homens. Hoje, talvez cerca de 20.000 morreram em um mês, de uma população de 140 milhões e uma força de 200.000.
Portanto, pareceria que o exército de ocupação russo na Ucrânia esteja em estado de confusão.
Para ocupar a área do Donbass de forma consolidada, talvez fossem necessários pelo menos 100.000/200.000 homens a mais, além dos cerca de 150.000 da área atualmente. Hoje, a Rússia não os tem prontamente disponíveis sem desguarnecer áreas estratégicas, como o Cáucaso, onde outros conflitos com a Geórgia ou o Azerbaijão poderiam eclodir.
Talvez daqui a algum tempo novos soldados possam chegar. Mas, na realidade, para que um programa coloque centenas de milhares de novos homens, é necessária uma campanha massiva de motivação/propaganda que não está pronta no momento e normalmente leva tempo (meses, anos) para ser preparada. Tampouco há um alarme vital na Rússia, no momento, para defender a pátria, que poderia mobilizar recursos em etapas forçadas. Trata-se de enviar forças para o exterior, o que é sempre mais complicado do que se defender em casa.
O alistamento de tropas forçadas no Donbass resolve pouco. São soldados pouco confiáveis, sem treinamento e sem motivação, que poderiam passar com armas e bagagens para o lado inimigo na primeira oportunidade. Parece também que os russos tenham pouco para comer no front. Notícias de saques, envio de rações de campo da China ou de outros países indicam essa situação. Além disso, se o plano era "desnazificar" a Ucrânia em poucas semanas e agora a guerra já dura dois meses, é fácil pensar que a logística esteja agora com problemas.
Não há uma única grande cidade tomada, nem mesmo Mariupol, onde a resistência continua. Os russos declararam vitória e pareciam convencidos de que estavam estrangulando a resistência com um cerco. Em vez disso, nas últimas horas os confrontos foram retomados, não se sabe por quê. Diante de tais dificuldades russas, os ucranianos parecem determinados e nem um pouco dispostos a desistir.
Nestas condições, parece difícil completar o cerco às tropas ucranianas, anunciado em Moscou há dias. E se isso fosse tentado e fracassasse, poderia acontecer de as operações russas na Ucrânia descambarem para um curso caótico. Ou que ocorram fenômenos de insubordinação, estes últimos, aliás, já relatados. Ou seja, o cerco russo não é apenas difícil, mas também perigoso, porque hoje a Rússia pode declarar que tem o controle do campo de batalha, mas no caso de um cerco fracassado, poderia haver uma estratégia e uma derrota militar flagrante.
Por outro lado, uma contraofensiva ucraniana não é fácil. Os ucranianos têm tropas, armas, mas coordenar um avanço em uma frente ampla significa ter estruturas sofisticadas de comando e controle que provavelmente não existem em número suficiente. Além disso, usar com eficiência um canhão ou um batalhão de tanque não é como disparar um rifle ou uma bazuca. Leva algumas semanas, talvez alguns meses de treinamento.
Então, se os ucranianos enfrentassem os russos em uma grande batalha campal, eles poderiam ser claramente derrotados e Moscou registraria uma vitória clara. No entanto, quanto mais o tempo passa, quanto mais os ucranianos se fortalecem no terreno, mais os russos, com homens desmoralizados, desmotivados, talvez malnutridos e mal equipados, enfraquecem. Os russos podem continuar disparando mísseis contra cidades, colocar vilarejos a ferro e fogo. Mas são atos para aterrorizar o inimigo e manter viva a propaganda interna, não têm valor estratégico. Na realidade, eles galvanizam os ucranianos que querem vingança.
O presidente russo Vladimir Putin tem uma arma secreta em sua gaveta para virar a sorte do conflito? Ele ameaçou querer ser pago em rublos e depois silêncio; ameaçou cortar o gás e depois silêncio; ele ameaçou usar a arma atômica e depois silêncio. Eram todas ameaças impraticáveis, por uma razão ou outra. Agora o que pode ou quer fazer? Talvez ele esteja procurando uma via de saída e seja útil para todos tentar dar uma a ele.
Se os russos não conseguirem vencer, os ucranianos estão pagando e pagarão um preço muito alto pela vitória. É conveniente? Quando a paz chegar, poderia minar as chances de reconstrução do país. Depois de um "cessar-fogo" começarão os acertos de contas políticos; aqui os dois, Vladimir Putin na Rússia e Zelensky na Ucrânia, têm destinos cruzados. Zelensky poderia querer a expulsão total dos russos do território ucraniano e a deposição de seu inimigo Putin, que poderia querer uma reação que lhe garanta um futuro talvez incerto hoje.
Mas aqui vale a lição da história. Há um século, após o fim da Primeira Guerra Mundial, os poloneses se encontraram independentes, armados e com a Rússia em ruínas. Eles avançaram em direção a Moscou convencidos de que poderiam derrubar a recém-formada República Soviética. Em vez disso, eles encontraram em seu caminho Michail Tukhachevsky, o Napoleão Vermelho, que os rechaçou. Exceto que até Tukachevsky se iludiu e perseguiu os poloneses até sua casa e foi derrotado nos portões de Varsóvia.
A moral para os dois Vladimir então talvez seja: parem enquanto ambos têm algo no bolso. Poderia ser pior do que agora. Não será o fim dos problemas, mas pelo menos vocês e todos podem recuperar o fôlego.
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Putin-Zelensky: a lição da história. Artigo de Francesco Sisci - Instituto Humanitas Unisinos - IHU