11 Abril 2022
"A linguagem do autor é clara e sua capacidade de se expressar de maneira compreensível diante da dificuldade natural de alguns pontos – sem cair em uma apologética acrítica ou em uma espécie de biografia devota de Jesus", escreve Eliseu Wisniewski, presbítero da Congregação da Missão (padres vicentinos) Província do Sul e mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), ao comentar o livro de Juan José Hernández Alonso, Jesus de Nazaré, suas palavras e as nossas. O que é possível afirmar sobre sua vida e mensagem (Vozes, 2022, 464 p.).
Apresentar Jesus de Nazaré com a linguagem mais transparente e acessível possível, mostrar os conteúdos mais essenciais de sua mensagem e, ao mesmo tempo, pôr em relevo a simplicidade e a espontaneidade de suas palavras diante da complexidade e, algumas vezes, a artificialidade das nossas – é o objetivo da obra: Jesus de Nazaré, suas palavras e as nossas. O que é possível afirmar sobre sua vida e mensagem (Vozes, 2022, 464 p.), de autoria de Juan José Hernández Alonso, licenciado em Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma, doutor em Teologia pela Universidade Pontifícia Salamanca e doutor em Filologia Germânica pela Universidade de Salamanca.
Jesus de Nazaré, suas palavras e as nossas. O que é possível afirmar sobre sua vida e mensagem
Hernández Alonso estruturou seu estudo em quatorze (14) capítulos, esclarecendo que “os temas de investigação pretendem oferecer uma visão bastante ampla da figura de Jesus, tanto em sua face histórica como do ponto de vista da fé. Para isso, detalhando os pressupostos de estudo e as questões metodológicas, analiso o contexto judeu para chegar aos pontos essenciais da cristologia: o Jesus histórico, a aparência e o contexto de sua vida, o anúncio do Reino de Deus, suas atitudes e milagres, os títulos messiânicos reivindicados por Jesus, o conflito final e sua vida, a celebração da última ceia e, finalmente, a fé da Igreja em seu salvador” (p. 20).
Mais especificamente:
O primeiro capítulo trata das investigações históricas (interminável busca) sobre Jesus de Nazaré e a elaborada fé da Igreja em Cristo, o Senhor (p. 23-51).
O segundo capítulo enumera os critérios que podem ajudar-nos na busca do Jesus histórico. O autor esclarece que a fé cristológica da comunidade eclesial deve fundar-se no Jesus da história, visto a partir da perspectiva da tradição religiosa de Israel, e cujo estudo deve ser abordado em conformidade como os métodos aprovados pela Igreja Católica, preservando desta forma a absoluta identificação entre o Jesus terreno e o Cristo proclamado pela comunidade eclesial. Por sua vez, o contexto para a interpretação cristológica deve ser a fé da Igreja, expressa em seu credo e sua liturgia, quer dizer, em sua fé e em sua vida; de outra forma, o conhecimento de Jesus resultaria incompleto e desfigurado (p. 52-82).
O terceiro capítulo aborda a esperança messiânica no Antigo Testamento – esperança messiânica que se simboliza, embora com tonalidade e intensidade diferentes, na vocação de Abraão, no seguimento dos patriarcas, na promessa de terra de Canaã, na proteção do povo judeu contra os abusos dos faraós egípcios, na iluminadora e ao mesmo tempo penosa peregrinação pelo deserto e na ajuda divina para a conquista da terra prometida. Também os juízes de Israel foram libertadores e salvadores e a instituição monárquica marcou a linha da qual surgiria o futuro Messias; nela se enquadram também as grandes reformas religiosas, a purificação do templo e a celebração de importantes ritos sagrados. Os grandes profetas, com sua voz autorizada e seu exemplo inconteste, sempre infundem esperança e vislumbram bens futuros não só para Israel, mas para toda a humanidade. Algo distinto da esperança são os seus conteúdos e o tempo e forma de sua realização. Nesse campo o “messianismo” de Israel oferece múltiplas interpretações. Em todo caso, na história e Israel cabe sempre a figura de um Messias, que estabeleceria um reino espiritual, cujos valores transformariam os ideais do povo judeu e constituiria ademais, ainda que isto se afirme com menor intensidade, a salvação para todos os povos da terra (p. 83-114).
O quarto capítulo considerando a dimensão humana de Jesus situada no tempo e no espaço, traz uma breve biografia de Jesus de Nazaré (p. 115-120), informações sobre a geografia, aspectos políticos, econômicos, culturais e religiosos da terra de Jesus ( p. 120-133), um estudo sobre a família de Jesus (p. 133-134), a relação de Jesus com João Batista (p. 135-141), aspectos do ministério de Jesus (p. 141-145), o alargamento da família de Jesus (p. 145-147), seus discípulos (p. 147-151), os doze apóstolos (p. 151-155), a relação de Jesus com os grupos sociais de seu tempo (p. 155-158).
O quinto capítulo aborda o tema central da pregação de Jesus: o anúncio do Reino de Deus: em toda a exposição sobe o anúncio do reino de deus transparece a novidade da mensagem de Jesus, impregnada de valores que devem perdurar na vida de seus discípulos ao serviço de toda a humanidade. Frente a isso, se esclarece o que esta expressão designa (p. 159-160), como ela aparece expressa no Antigo Testamento (p. 160-164), como Jesus entendeu o reino de Deus/o significado do Reino de Deus na pregação de Jesus (p. 164-166), a diferença da pregação de Jesus e de João Batista (p. 166-168). O autor elucida como o Reino de Deus se expressa em termos de presente e de futuro, bem como, sua destinação aos pobres e excluídos (p. 168-189). Por fim, apresenta-se a reinterpretação do Reino de Deus na opinião de exegetas e teólogos (p. 189-195), e os valores permanentes deste reinado (p. 195-197).
O sexto capítulo entra no estudo dos milagres de Jesus – milagres estes que se inserem em seu projeto de vida, na pregação do Reino, que anuncia a aniquilação do poder de satanás, assume a bondade inicial da criação e antecipa a vitória definitiva sobre a morte. Hernández Alonso considerando as crenças e práticas religiosas do povo judeu no século I (p. 198-201) traz observações sobre as ações de Jesus narradas nos evangelhos (p. 202-203), esclarece o conceito de milagres recolhidos nos escritos dos evangelhos (p. 203-206), mostra porque o contexto em que se deve interpretar os milagres de Jesus, exorcismos, terapias é a realidade libertadora do reino de Deus (p. 206-209), e de que forma as suas refeições com os publicanos e pecadores estavam intimidante relacionados com suas missão de cura e libertação (p. 209-215). O último item deste capítulo mostra o significado teológico dos milagres de Jesus: enquadram-se na fortíssima e viva tradição bíblica, que fala da intervenção de Deus na história da humanidade e, mais concretamente, do povo de Israel (p. 215-216).
O sétimo capítulo traz esclarecimentos sobre os títulos de Jesus (p. 217-219), observando que “a fé em Jesus de Nazaré tem-se expressado de múltiplas e variadas maneiras ao longo da história, evidenciando, por um lado, a riqueza da revelação de Deus em Jesus Cristo e, por outra, a capacidade do homem para aprofundar a compreensão da mensagem de Jesus e sua correspondente adaptação às novas formas de pensamento das diferentes culturas da humanidade. É o que demonstra a abundância de títulos sobre Jesus mencionados nos escritos do Antigo Testamento e a adoção e transformação, por parte da primitiva comunidade cristã, de figuras pertencentes ao mundo judeu e helenístico para expressar o acontecimento singular de Cristo – que a todas transcende e supera – representando sempre em categorias de salvação e libertação do ser humano” (p. 217).
O capítulo oitavo aprofunda a expressão “O Filho do Homem” (p. 220-231), elucidando sua origem (p. 221-224), as palavras de Jesus que evocam o Filho do homem (p. 224-227), bem como, as opiniões dos biblistas e teólogos acerca desta expressão (p. 227-230), por fim, explica-se o seu significado teológico (p. 230-231).
O nono capítulo aborda o título “O Messias” (p. 232-247). O autor inicialmente que “o título de 'Messias', aplicado a Jesus de Nazaré, é talvez, o que melhor representa e esperança da comunidade eclesial em seu Senhor e, juntamente, o que oculta maior grau de desorientação entre os cristãos. Nele estão incluídas as promessas salvíficas de Deus ao povo de Israel –e a toda humanidade – que têm sido anunciadas no Antigo Testamento, assim como o cumprimento das mesmas durante todo o processo da salvação e onde se apresenta o autêntico sentido e a dimensão do amor de Deus por todos” (p. 232). Assim, busca-se explicitar o significado do termo “Messias” (p. 232-233), seu significado no Antigo Testamento (p. 233-240), no Novo Testamento (p. 240-245), suas implicações teológicas (p. 245-247).
O décimo capítulo analisa o título o “Filho de Deus” (p. 248), “afirmar Jesus como Filho de Deus é confessar a realidade, mais bíblica e sublime de sua pessoa. Negá-la é distorcer a missão salvadora de sua mensagem de salvação” (p. 248). O autor traz incialmente algumas observações prévias, que contribui para centrar sua perspectiva e conteúdo (p. 248-250), o mundo dos deuses pagãos e o conceito de “Filho de Deus” (p. 250), o “Filho de Deus” no Antigo Testamento e no judaísmo (p. 252-253), nos escritos dos evangelhos (p. 253-264).
O décimo primeiro capítulo expõe o conflito final de Jesus (p. 266-300). Inicialmente o autor esclarece como os conflitos estiveram de maneira constate presentes na vida de Jesus (p. 266-273). Em seguida mostra-se como Jesus enfrenta a morte e deixa entrever seu alcance (p. 273-274), tendo-se como pano de fundo as figuras bíblicas da tradição religiosa de Israel – estas nos ajudam a encontrar a perspectiva da morte de Jesus: a morte do profeta (p. 274-275), a morte do justo (p. 275-277), a morte do servo sofredor (p. 277-281). Hernández Alonso oferece referências evangélicas ao sofrimento de Jesus (p. 281-283), sobre os anúncios dos sofrimentos e da paixão de Jesus (p. 283-284) e dos relatos da paixão de Jesus (p. 285-300).
O décimo segundo capítulo aprofunda a última ceia de Jesus (p. 301-322). O autor esclarece porque a última ceia deve ser interpretada necessariamente no contexto das refeições de Jesus de Nazaré e o simbolismo profético que nela se verifica (p. 302-313), fazendo em seguida distinções entre a ceia pascal e a ceia de Jesus (p. 313-315) e a última ceia e a Eucaristia (p. 316-322).
O décimo terceiro capítulo discorre sobre a ressurreição de Jesus (p. 323-353). Examinando as expressões da experiência pascal dos discípulos de Jesus (p. 325-330), e esclarecendo que a memória e das vivências de Jesus – histórico e ressuscitado – apresenta-se as tradições distintas que reproduziram suas palavras e obras, ao mesmo tempo em que proclamaram sua presença entre os vivos: a tradição do sepulcro vazio, ao qual se dirigem as mulheres no primeiro dia da semana e recebem a noticia que Jesus ressuscitou (p. 330-334), as tradições sobre as aparições de Jesus a alguns de seus seguidores (p. 335-346), a tradição sobre a fé pascal (p. 347-350). Conclui-se mostrando como a linguagem do Novo Testamento contemplou a realidade sobre a nova vida de Jesus (p. 350-353).
O décimo quarto capítulo destaca o credo eclesial ou a fé da Igreja em Jesus de Nazaré (p. 354-410), trilhando este caminho: principais traços cristológicos dos evangelhos (p. 355-365), a fé em Jesus e o diálogo com o mundo da cultura (p. 365-372), o pensamento cristológico no período pré-niceno (p. 372-381), erros sobre Jesus no cristianismo nascente (p. 381-385), o caminho até o Concílio de Niceia (p. 385-390), o Concílio I de Niceia no ano de 325 (p. 391-398), o Concílio de Constantinopla I no ano de 381 (p. 398-401), entre Constantinopla e Calcedônia (p. 401-406), o Concílio de Calcedônia no ano de 451 (p. 406-409). Conclui-se dizendo que “Calcedônia constitui o ápice da reflexão teológica da Igreja primitiva sobre Jesus de Nazaré. Porém não solucionou todas as questões cristológicas, nem propôs discussões futuras. As tradições primitivas e escritos sobre Jesus de Nazaré e, mais tarde, os grandes Concílios dos séculos IV e V plasmaram a esma realidade que defende a dimensão divina de Jesus Cristo (como afirma Niceia) e a de sua integridade humana (como confessa Calcedônia), (p. 409).
Um substancioso glossário (p. 417-436) seguido de indicações bibliográficas (p. 437-460), concluem esta obra.
Esta obra de Juan José Hernández Alonso com suas investigações acadêmicas é um excelente instrumento que possibilita ao leitor um passeio pelas temáticas cristológicas. A linguagem do autor é clara e sua capacidade de se expressar de maneira compreensível diante da dificuldade natural de alguns pontos – sem cair em uma apologética acrítica ou em uma espécie de biografia devota de Jesus, o autor mantém permanentemente na obra o rigor do investigador bem-informado e o acertado discernimento naquilo que está sujeito à opinião.
A leitura e reflexão desta substanciosa obra será enriquecedora e entraremos em acordo com o autor quando diz “que a pessoa de Jesus está aberta aos homens e mulheres de todos os tempos, nunca fechada ou esgotada. Sobre ela se projetam inúmeras questões relacionadas não só ao tempo em que transcorreu sua existência terrena, como também à influência que possa ter exercido entre os seus seguidores ao longo dos séculos. As questões abertas sobre Jesus de Nazaré têm, portanto, vigência em todas as épocas e sempre contribuem para retocar e iluminar a informação sobre a inesgotável riqueza de sua pessoa” (p. 411).
Por isso, este é um livro “adequado com uma atualização sobre o estado da questão sobre Jesus que, de uma certa forma ou de outra, vem sendo colocada há vários séculos, porém, sobretudo a partir do século XIX. Por outro lado, este livro pode ser oferecido como alimento espiritual ao leitor crente em Jesus Cristo. A leitura da obra suscita a admiração pela pessoa de Jesus, fortalece a fé do leitor e lhe oferece meios e recursos para ser seu mensageiro e sua testemunha” (p. 16). Neste sentido a leitura desta obra será de grande ajuda.
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Jesus de Nazaré, suas palavras e as nossas. O que é possível afirmar sobre sua vida e mensagem - Instituto Humanitas Unisinos - IHU