09 Março 2022
"Mas não haverá verdadeira paz e justiça até não mudar a mentalidade de nós homens. Tentar, constatando o desaparecimento de uma antiga forma viril de conceber a força e o equívoco das guerras 'justas', poderia ser a ocasião desse dramático momento histórico", escreve Alberto Leiss, jornalista italiano, em sua coluna do Il Manifesto, 08-03-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Assim como os verdadeiros violentadores, o estupro assinala a impotência do agressor”. O filósofo Slavoj Zizek, citando uma fala de Putin (dirigida ao governo ucraniano acusado de não querer respeitar os acordos de Minsk, havia dito: "Goste ou não, é seu dever, minha linda!"), evocou nos últimos dias no “Fatto” a imagem do estupro. A violência brutal que o líder da Rússia exerce contra a Ucrânia, e cada vez mais também contra seu povo, quando ousa proferir palavras verdadeiras ("guerra, invasão...") falaria de sua fraqueza.
Slavoj Zizek une - isso certamente será menos compartilhado por muitos - também os EUA e seu atual chefe Joe Biden no papel de um personagem masculino que perdeu o vigor do passado, como demonstrou a desastrosa retirada do Afeganistão, e como dizem os graves riscos que corre a democracia estadunidense, insidiada por uma ideologia inquietante como o trumpismo, à qual corre o risco de reagir uma posição "democrática" tradicionalmente inclinada às aventuras bélicas.
“Grandes impotências”, é a manchete deste jornal. Mas isso não significa que os perigos para o mundo sejam menores. Justamente "tigres de papel" com medo de sê-lo, podem ser os mais agressivos. Muitas vezes discordo das opiniões de Zizek. Mas esta metáfora não me parece arbitrária. Em torno da invasão da Ucrânia cresce uma generalizada "necessidade do inimigo": já surgiu de forma levemente paranoica no caso do vírus da Covid-19 (aliás, que fim levou?), agora explode se prendendo no corpo monstrificado do russo ditador, novo czar e novo Hitler, e sobre todos aqueles que o seguem ou não se opõem abertamente a ele. Fossem um simples regente de orquestra, ou quem - como o secretário da CGIL Landini, e dezenas de milhares de pessoas que se manifestaram com ele, inclusive eu - ousa discordar da decisão de enviar armas para a Ucrânia.
Ou seja, responder à guerra com a guerra, ainda que não lidando com elas diretamente. Chegamos a falsificações grosseiras do que foi dito no sábado na Piazza San Giovanni. Da acusação de "terceirização" àquela de inteligência com o inimigo, o passo é curto.
Não posso deixar de relacionar essa paixão perigosa com aquela que, não de agora, me parece uma crise generalizada de autoridade masculina. Vamos chamar isso de crise do patriarcado. Será que finalmente enfrentar um inimigo "verdadeiro" é uma maneira de recuperar a força perdida?
A guerra expõe imediatamente os corpos e os sexos. Hoje pensamos (e brigamos) muito sobre as novas liberdades - e possibilidades químico-cirúrgicas, psicológicas e legais - de decidir sobre o próprio sexo, se opta pelo "gender fluid". As fotos que vêm da Ucrânia falam outra língua.
Li que Zelensky, em certo ponto, convocou homens e mulheres a se alistar em massa, com mínimas exceções para mulheres grávidas ou que recém tiveram filhos. Houve resistência feminina e o governo ucraniano teve que desistir. Vimos depois os trens lotados de mulheres, crianças e homens idosos em fuga. Os homens não idosos tiveram que ficar e combater. Quer eles quisessem ou não.
Hoje é 8 de março e as manifestações e os encontros realizados em muitas cidades pela Non una di meno e por muitos outros grupos de mulheres e feministas trazem uma mensagem de paz.
Mas não haverá verdadeira paz e justiça até não mudar a mentalidade de nós homens. Tentar, constatando o desaparecimento de uma antiga forma viril de conceber a força e o equívoco das guerras "justas", poderia ser a ocasião desse dramático momento histórico. (Não foi um homem adorado - com que sinceridade? - em nosso Ocidente a dizer: "amem vossos inimigos"?).
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Os sexos expostos na guerra - Instituto Humanitas Unisinos - IHU