24 Janeiro 2022
"Um aspecto abordado pelos representantes do escritório de advocacia encarregado do Relatório de avaliação é que, em caso de abusos sexuais na Igreja, não é mais suficiente trabalhar apenas nos documentos pessoais e na documentos de arquivo: o envolvimento dos sobreviventes é imprescindível para a reconstrução dos fatos e a determinação da verdade dos acontecimentos", escreve o teólogo e padre italiano Marcello Neri, professor da Universidade de Flensburg, na Alemanha, em artigo publicado por Settimana News, 21-01-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Pouco menos de 1.900 páginas reunidas em vários volumes, este é o tamanho do Relatório apresentado ontem em Munique sobre os abusos sexuais e sua gestão dentro da diocese da Baviera (redigido pelo escritório de advocacia WSW por encomenda da Igreja local). A expectativa midiática é grande, pois Joseph Ratzinger também esteve à frente daquela diocese no período considerado pelo Relatório de 1945 a 2019. Quatro casos de comportamento errôneo são atribuídos ao papa emérito.
Por sua vez, Bento XVI havia respondido às perguntas do escritório de advocacia encarregado da investigação com um volumoso texto de 92 páginas que, com seu consenso, foi divulgada junto com o próprio Relatório. Em pelo menos um caso, resulta uma marcada incongruência entre a contestação de Ratzinger e os documentos disponíveis.
Além dos comportamentos errôneos dos bispos que se alternaram no comando da diocese de Munique nos mais de 70 anos levados em consideração pelo Relatório, emerge a dimensão sistêmica de uma estrutura eclesial culpadamente inadequada a lidar devidamente com as violências sofridas pelas pessoas por clérigos ou pessoal leigo.
Mas também emerge um clericalismo maligno: enquanto em relação aos leigos se tomavam as medidas adequadas, tanto no plano administrativo como no da relação de trabalho com a diocese, os clérigos eram constantemente protegidos em nome da salvaguarda do bom nome da instituição e em virtude de um espírito corporativo clerical imune à determinação da veracidade dos fatos.
Como disse o ex-vigário geral de Munique Beer, o Relatório é um retrato dramático da situação. Só a partir de 2010 nota-se uma certa tomada de consciência da necessária atenção aos sobreviventes e ao seu relato. Grande parte do material de arquivo necessário para uma reconstrução dos fatos foi destruído, com a clara intenção de esconder o que estava acontecendo não apenas no momento, mas também para qualquer memória futura.
Levará tempo para ler o texto do Relatório, identificar as consequências implícitas nele, encontrar os procedimentos necessários para que a verdade venha à luz também no sistema da Igreja Católica. E avaliar que peso dar às indicações apresentadas pelo escritório de advocacia ao final do Relatório. A primeira reação do Card. Marx, bispo da diocese da Baviera, foi aquela de pedir desculpas às vítimas por tudo o que sofreram por culpa da Igreja local. Enquanto isso, a diocese convocou uma entrevista coletiva para quinta-feira da próxima semana.
Um aspecto abordado pelos representantes do escritório de advocacia encarregado do Relatório de avaliação é que, em caso de abusos sexuais na Igreja, não é mais suficiente trabalhar apenas nos documentos pessoais e na documentos de arquivo: o envolvimento dos sobreviventes é imprescindível para a reconstrução dos fatos e a determinação da verdade dos acontecimentos.
A síntese mais adequada talvez possa ser encontrada nas palavras de um dos três diretores do escritório de advocacia a quem foi confiada a tarefa de realizar as investigações e elaborar o relatório final: por ocasião da confissão para a primeira comunhão, pede-se às crianças um exame de consciência, arrependimento sincero e conversão – nada menos deve-se pedir à Igreja como sistema e como instituição. A Igreja que sai do Relatório de Munique é uma Igreja que não pode ter acesso à comunhão sacramental.
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Munique-abusos: não apenas Ratzinger. Artigo de Marcello Neri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU