22 Dezembro 2021
"Se os carismas são coessenciais para os ministérios na Igreja, uma coessencialidade entre carisma e ministério também está ativa dentro de todas as experiências eclesiais. Uma oportunidade para o amadurecimento para quem souber acolhê-la", escreve Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano, em artigo publicado por Settimana News, 18-12-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Existe um critério essencial para o reconhecimento de um carisma: “a capacidade de uma comunidade, de um instituto de se integrar na vida do povo santo de Deus para o bem de todos". Ao falar na plenária do dicastério dos religiosos, o Papa Francisco (11 de dezembro) endossou o trabalho realizado de acordo com o tema: sobre novas comunidades ou formas de vida consagrada.
Na tarefa da Congregação de discernir e acompanhar os institutos tradicionais e novos, o Papa sugere algumas indicações. “A atenção aos fundadores que, por vezes, tendem a ser autorreferenciais, a se sentirem os únicos depositários ou intérpretes do carisma, como se estivessem acima da Igreja. A atenção à pastoral vocacional e à formação dos candidatos. A atenção à forma como se exerce o serviço da autoridade, com especial referência à separação entre os foros interno e externo - tema que tanto me preocupa -, à duração dos mandatos e à acumulação de poderes. E a atenção aos abusos de autoridade e poder”.
O fenômeno das novas fundações, particularmente prolífero no período pós-conciliar, é certamente um fato positivo, um sinal de vitalidade espiritual e um dom do Espírito à Igreja, mas sua recepção na Igreja é uma tarefa delicada que interessa muito aos bispos e a Santa Sé. Há uma circularidade positiva entre institutos, bispos e o Vaticano que deve ser reconhecida e alimentada.
A pesquisa do dicastério dos religiosos diz respeito a uma nova figura jurídica de "famílias religiosas" que garante a presença de padres, religiosos e leigos em um único instituto. Como, por exemplo, as Bem-aventuranças, Das Werke, Schönstatt, Foyers de charité etc. Por outro lado, pertencem à competência do dicastério dos leigos as novas fundações compostas prevalentemente por leigos, como os movimentos mais conhecidos: Focolares, Comunhão e Libertação, Cursillos, Neocatecumenais, Comunidade de Santo Egídio, Renovação no Espírito, etc.
O dos âmbitos são hoje confrontadas com a necessidade de refletir sobre a governança, sobre a sucessão ao fundador, sobre a oportunidade de passar de um sistema hereditário (o fundador designa o sucessor e assim por diante) para um sistema colegiado ou sinodal em que os membros, que guardam o carisma como um todo, reconhecem a figura apical que o interpreta.
O dicastério dos leigos publicou no dia 11 de junho um decreto geral que prevê uma disciplina comum quanto à escolha do moderador ou presidente e seu conselho (que pode ter várias denominações). Prevê:
1. a participação de cada membro, direta ou indireta, na eleição dos cargos centrais;
2. um mandato de cinco anos (máximo dez) para moderador e conselheiros;
3. a permanência do fundador na função de moderador, sujeita porém à confirmação do dicastério.
A Congregação para os Religiosos, onde as regras dos institutos e o sistema de governo são regulados pelo direito canônico, encontrou um complemento na carta apostólica Authenticum charismatis que impõe aos bispos, além da liberdade de reconhecer novos institutos religiosos, também a tarefa de discernir seu carisma, não sem a permissão por escrito do dicastério (1 ° de novembro de 2020).
A recepção das indicações tanto nas associações de fiéis leigos como nas fundações religiosas não foi isenta de resistências. Unidos pelo medo da normalização, centralização e ingerência indevidas. Temores legítimos, mas também superáveis.
Nesse contexto se coloca a história da intervenção na Comunhão e Libertação e, dentro dela, da associação dos Memores Domini (forma de vida comum com promessas-votos).
No dia 24 de setembro, um comunicado da Santa Sé nomeou como delegado especial para eles o bispo Filippo Santoro e assistente pontifício pe. Gianfranco Ghirlanda.
Há tempo circulavam rumores de desentendimentos crescentes entre os Memores e os dirigentes da CL por intrusões consideradas indevidas e penalizando a autonomia da associação. O empenho na revisão dos estatutos essencialmente não foi atendido.
Poucos dias antes (em 16 de setembro), foi notada a ausência do presidente J. Carrón e de Antonella Froncillo (Memores) no encontro com o papa, que havia explicado o sentido e o valor do decreto do dicastério. No entanto, o vice-presidente da CL, Davide Prosperi, estava presente.
No dia 15 de novembro, Julián Carrón apresentou sua renúncia, motivando-a com base em dois valores: permitir que todos assumam a responsabilidade pelo carisma e favorecer o crescimento da autoconsciência eclesial do movimento.
Em 25 de novembro, o dicastério nomeou Davide Prosperi como presidente interino de Comunhão e Libertação com a tarefa de redigir novos estatutos, de prever a renovação da diaconia central para chegar à nomeação do sucessor. Prevê-se pelo menos um ano de trabalho.
Na videocomunicação às Fraternidades de Comunhão e Libertação (29 de novembro), Prosperi delineia o trabalho a ser realizado: “o que nos espera é uma experiência amplamente nova para nós”. Depois de agradecer a J. Carrón ("Atravessamos juntos as fases mais críticas de nossa história recente") por sua incansável chamada ao evento de Cristo, formaliza o sentido de uma chamada à responsabilidade para todos. Significa, principalmente, fidelidade ao dom recebido com a própria contribuição para a vida da comunidade de pertencimento; uma responsabilidade renovada de cada um para com a unidade do movimento na forma de amizade; uma apropriação do carisma em uma "atitude de confiança para com a Igreja e sua autoridade", assim como pregada por dom Luigi Giussani.
Um desafio que une a todos, inclusive as realidades que reportam ao carisma de Giussani: os Memores Domini, a Fraternidade de São José, as Irmãs da Caridade da Assunção, os monges beneditinos de Cascinazza, a fraternidade e as missionárias de São Carlos Borromeu, as religiosas de Vitorchiano, os sacerdotes diocesanos e religiosos pertencentes a fraternidades, as organizações sem fins lucrativos e de serviço, os centros culturais e as associações profissionais. É o "povo de CL".
Em toda a comunicação interna existe a preocupação de evitar desvios, de ler os desafios de forma positiva, de evitar abandonos precipitados. “Talvez alguém viva com temor e alguma desorientação as mudanças que estão ocorrendo. Não devemos ficar escandalizados com esses sentimentos. Ajudemo-nos a responder às circunstâncias, isto é, a aproveitar bem o tempo que nos é dado, dia a dia, para fazer bom uso da graça com que Deus salvou as nossas vidas, na alegria e na gratidão por tudo o que recebemos nestes anos ... Não fazemos com que o carisma que nos uniu se torne um pretexto para nos dividir ... Não devemos ter medo de que no confronto com a autoridade da Igreja, a originalidade do nosso rosto possa ser diminuída”.
A comunicação pública, embora rara e desatenta, atribuiu tudo a um processo de normalização. Poder-se-ia fazer referência à dificuldade de compor a euforia do statu nascenti com o arranjo institucional, o debate interno sobre a experiência política, a relação entre as gerações, a tensão entre a alma religiosa e aquela mais exposta nas obras.
A perspectiva da passagem fundacional me parece mais apropriada: a sucessão como transmissão do carisma. J. Carrón foi escolhido por Giussani e acompanhou os últimos anos do fundador. De fato, sua sucessão foi percebida como uma designação do fundador.
É difícil imaginar que os últimos anos da vida de Giussani não tenham sido conduzidos em grande parte por Carrón. Designado herdeiro em 2005, foi confirmado na mesma onda da memória em 2008, 2014 e 2020. É dele a assinatura de uma famosa carta em que desvalorizou a pastoral de Milão depois do card. Colombo, portanto o ministério de Martini e Tettamanzi, a favor da candidatura de Scola como bispo de Milão. Ele teve que administrar o difícil caso dos escândalos políticos de Formigoni e outros CLs em cargos de responsabilidade pública. Teve também a coragem de favorecer e acompanhar o consenso do movimento à nova temporada do Papa Francisco, após a decepção do movimento pela não nomeação a papa do card. Scola.
Agora, foi pedido a ele para se retirar para permitir a passagem de uma nomeação hereditária para uma eleição compartilhada, de um carisma vivido como um dom a um carisma que é também uma tarefa compartilhada, de uma situação em que a autoridade do fundador cede à autoridade moldada por regras. Passagem delicada, comum a todas as fundações eclesiais. Se os carismas são coessenciais para os ministérios na Igreja, uma coessencialidade entre carisma e ministério também está ativa dentro de todas as experiências eclesiais. Uma oportunidade para o amadurecimento para quem souber acolhê-la.
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Carisma: reconhecê-lo e transmiti-lo. O caso Comunhão e Libertação - Instituto Humanitas Unisinos - IHU