14 Março 2017
"Acontece que há profetas entre os papas. Movidos pelo Espírito, eles alertam, em nome de Deus e por causa do Evangelho de Jesus Cristo morto e ressuscitado, que a salvação está perto, enquanto temos a sensação que o mundo está implodindo. Presságios que assumem múltiplas formas e são primeiramente endereçados ao povo cristão, mas, sem dúvida, também a todas as pessoas de boa vontade".
A afirmação de Ghislain Lafont aplica-se a diferentes pontificados (de João XXIII a Paulo VI e João Paulo II), ligados ao florescimento dentro e mediante a Igreja do amor misericordioso de Deus que cria, acompanha, cura e desenvolve. Aplica-se, em especial, para essa etapa do pontificado de Francisco que, em 13 de março, completou os primeiros quatro anos, fascinantes e carregados de energia evangélica.
O comentário é do teólogo italiano e padre dehoniano Lorenzo Prezzi, publicado por Settimana News, 12-03-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
O conteúdo de seu magistério foi ilustrado por Piero Coda e pelos documentos e provas ao longo dos últimos anos (ver a avaliação dos primeiros três anos: Francesco 2013-2016). Para este comentário, uso como referência as suas entrevistas. Elas não aparecem entre as muitas vozes de portal vatican.va (como Angelus, constituições apostólicas, encíclicas, discursos, exortações, cartas, viagens, mensagens, orações, audiências, etc.), mas, junto com as meditações diárias em Santa Marta, constituem uma meio de comunicação bem próprio e usual de seu ministério.
Apesar da preocupação para contê-las por parte da Secretaria de Comunicação, gravei mais de 30. Elas são publicadas por revistas (como La Civiltà Cattolica), por jornais (Corriere della Sera, Die Zeit, La Nación, Paris Match, Asia Times, Avvenire, El País, etc.), rádio e TV (mexicana, portuguesa, estadunidense), agências de notícias, etc. Chegam por revistas prestigiosas, como o mensal alternativo (Scarp de'tennis), por publicações locais ou por amigos pessoais.
Gravei as coletivas de imprensa que pontuam suas viagens, mas não considerei livros- entrevista (como o de A. Tornielli) ou os relatórios de entrevistas (como os artigos de E. Scalfari no jornal Repubblica).
São textos diretos que não têm a integridade dos discursos e dos escritos mais elaborados, como as encíclicas e as exortações apostólicas, mas têm a vantagem da síntese, do imediatismo, da anedota, da irritação. Depois de alguma resistência inicial (o Papa admitiu que as respostas certas só aparecem depois que ele já falou), tornou-se mais solto e atento ao mesmo tempo. Começando com a história de si mesmo e das suas emoções.
“Eu tenho a sensação de que meu pontificado será breve. Quatro ou cinco anos. Eu não sei, ou dois ou três. Bem, dois já se passaram. É como uma sensação um pouco vaga. Eu vou lhe contar, talvez não... eu não sei o que é. Mas tenho a sensação que Deus me colocou aqui para algo breve, nada mais. Mas é uma sensação. Para isso deixo sempre aberta a possibilidade". "Vou fazer o que o Senhor me dirá para fazer. Rezar, buscar a vontade de Deus. Mas acredito que Bento XVI não é um caso único... Eu acredito que devemos olhar para ele como um precursor. Ele abriu uma porta, a porta dos papas aposentados. Haverá outros, ou não? Deus sabe. Mas essa porta está aberta: eu acredito que um bispo de Roma, um papa que sente que suas forças estão faltando - porque agora se vive muito mais - deve se questionar da mesma forma que o fez o Papa Bento".
Sua própria eleição foi feita na insígnia do inesperado. "Eu tinha deixado a homilia (para o Domingo de Ramos) na minha escrivaninha e tinha vindo com o mínimo necessário para alguns dias, pensando que poderia ser um conclave muito rápido. De qualquer modo, mesmo que fosse longo, eu tinha preparado tudo. Eu tinha a passagem de volta: poderia mudá-la e antecipá-la. Pelo menos, isso era certo. Além disso, eu não estava em nenhuma lista de papáveis, graças a Deus, e absolutamente não me passava pela cabeça. Nisso quero ser bem honesto para evitar boatos ou coisas assim. Nas casas de apostas de Londres, eu acho que estava no quadragésimo ou no quadragésimo sexto lugar. Um conhecido meu, por simpatia, apostou em mim e se saiu muito bem!". "A primeira votação começou na terça-feira à noite, a segunda, na quarta-feira de manhã, a terceira, na quarta-feira antes do jantar.
O fenômeno da votação é sempre interessante, não só no conclave. Existem candidatos fortes. Mas, também, pessoas que não sabem em quem depositar seu voto. E então, escolhem seis ou sete pessoas que são os ‘votos de reserva’... Sim, eu tinha alguns votos, mas como reserva... Mas nada, na verdade, nada até aquele meio-dia. E então algo aconteceu, eu não sei. No almoço eu percebi alguns sinais estranhos. Faziam perguntas sobre minha saúde, coisas assim. E quando voltamos, no período da tarde, tudo já tinha sido resolvido. Com duas votações encerrou-se tudo. Ou seja, mesmo para mim foi uma surpresa. O que aconteceu comigo?”. O Cardeal Hummes, que estava ao seu lado, após a votação final sugere que ele não esqueça os pobres. Daí o nome de Francisco. "Eu tinha muita paz, eu diria mesmo inconsciência... Eu não perdi, até hoje, a paz. É algo interno, como um presente".
Quem sou eu? "Eu sou um pecador. Esta é a melhor definição... Sim, eu posso dizer que sou um pouco esperto, sei me locomover, mas na verdade sou também um pouco ingênuo. Sim, mas a melhor síntese, a que vem de dentro e que sinto como mais verdadeira, é a seguinte: eu sou um pecador a quem o Senhor dirigiu seu olhar". "Pecador e falível".
A percepção de ser objeto de misericórdia é clara, desde o dia 21 de setembro de 1953, quando ele sentiu a necessidade de confessar-se com aquele que se tornaria seu primeiro pai espiritual, Dom Carlos Benito Duarte Ibarra. Naquele dia, o breviário trazia a leitura de Beda, o Venerável, sobre a conversão de Mateus e o olhar de Jesus, miserando ataque eligendo, que se tornou o seu lema: "o Senhor tinha me modelado artesanalmente com sua misericórdia." "Quando cheguei aqui, tive que começar tudo de novo.
E uma coisa que eu me disse desde o primeiro momento: ‘Jorge não mude, continue a ser você mesmo, porque mudar na sua idade significa ser ridículo'." "Eu não mudei de espiritualidade, não. Francisco, franciscano: não. Eu me sinto um jesuíta e penso como um jesuíta".
E o ponto principal de ajuda da bagagem jesuíta é o discernimento. Esse "leva tempo. Muitos, por exemplo, pensam que mudanças e reformas podem acontecer de forma rápida. Eu acredito que sempre é preciso tempo para lançar as bases de uma verdadeira mudança, eficaz. E este é o tempo do discernimento", ou seja, "procurar realizar todas as tarefas da vida cotidiana, mesmo as menores, com o coração aberto a Deus e aos outros."
"O Papa é bispo, o bispo de Roma, e por ser o bispo de Roma é o sucessor de Pedro, Vigário de Cristo. Existem outros títulos, mas o primeiro título é ‘Bispo de Roma’, é isso que vale". "Se amanhã o Papa quiser ser o bispo da cidade de Tivoli, é claro que serei mandado embora". "O Papa é o fiador, está aqui para isso".
A abertura ao ecumenismo e ao cuidado pastoral da Igreja local não tira a consciência do ministério petrino, como salientou em seu discurso à Cúria, em 22 de dezembro de 2016. Falando aos seus colaboradores, não parece incongruente o apelo à função testemunhal do papado, mesmo na sua declinação jurídica de "poder singular, pleno, supremo, imediato e universal". Nas notas é feita uma referência à dupla tarefa do papa: "preservar todos os fiéis no vínculo de uma única fé e na caridade"; operar "para que o episcopado (seja) uno e indivisível".
A cúria, órgão "de adesão imediata e obediência absoluta", ajuda o Papa nisso, sempre em nome e com a autoridade do pontífice romano. Foi dito em uma entrevista, em março de 2014, que o papa "seria um homem sozinho se decidisse sem sentir ou fingindo sentir. Mas há um momento, quando se trata de tomar a decisão, de colocar uma assinatura, na qual ele está sozinho com seu senso de responsabilidade".
"O poder verdadeiro é servir, fazer os serviços, fazer os serviços mais humildes. E eu ainda tenho que continuar nesse caminho de serviço, porque sinto que não faço tudo o que poderia fazer. Esse é o sentido que eu tenho do poder". Por isso se confessa, "a cada quinze ou vinte dias. Confesso-me com um padre franciscano, Pe. Blanco, que é tão gentil que vem até aqui para me confessar. Sim, eu nunca tive que chamar uma ambulância para levá-lo de volta, assustado com os meus pecados".
Por que foi eleito papa? "Pergunte ao Espírito Santo". Quem é Jesus para o senhor? “Ele é aquele que me olhou com misericórdia e me salvou. Meu relacionamento com ele tem sempre esse princípio e fundamento. Jesus deu sentido à minha vida aqui na terra, e esperança para a vida futura... ele me deu uma grande graça, a graça de vergonha. Minha vida espiritual está toda escrita no capítulo 16 de Ezequiel. Especialmente nos versículos finais, quando o Senhor revela que ele iria confirmar o seu pacto com Israel, dizendo: ‘Então compreenderás que eu sou o Senhor Deus. Então, quando eu fizer propiciação em seu favor por tudo o que você tem feito, você se lembrará e se envergonhará e jamais voltará a abrir a boca por causa da sua humilhação’. A vergonha é positiva: ele faz você agir, mas faz você perceber qual é o seu lugar, quem você é, impedindo todo o orgulho e vaidade”.
"Há momentos sombrios em que digo: ‘Senhor, eu não entendo’. E não são apenas momentos de escuridão interior, mas aflições que eu mesmo provoco com o meu pecado". "Uma fé que não conhece crise... permanece infantil."
Há muitas outras declarações que deveriam ser contextualizadas de forma melhor, mas que transmitem sentimentos e imagens do seu ministério. "Eu gosto de ser bispo, sinto-me muito feliz! Eu fui feliz, é verdade. Tive o apoio do Senhor para isso. Mas eu fui feliz como padre e fui feliz como bispo”. E como papa? "Assim, também! Quando o Senhor coloca você ali, se você faz o que o Senhor quer, você sente-se feliz. Este é o meu sentimento, o que eu sinto". Ser o Papa "não me desagrada... a única coisa que eu gostaria é sair um dia sem que ninguém me reconheça, e ir para uma pizzaria para comer uma pizza".
"Deus é bom para mim, dando-me uma boa dose de inconsciência. Eu estou fazendo o que tenho que fazer". "Eu tenho um defeito: uma boa dose de inconsciência". "Eu não perdi a paz". "Eu durmo como uma pedra". Seus sonhos são em italiano ou espanhol? "Sim, vou responder que sonho em esperanto... Eu não sei como responder isto, realmente".
A um entrevistador que confessa ter um irmão jesuíta responde: "Eu estava prestes a perguntar-lhe se era católico". Para outro que admite sentir-se, por vezes, manipulado pela política vigente (Argentina), acrescenta "nós, argentinos não somos humildes, somos presunçosos... Você sabe como um argentino comete suicídio?". Não. "Ele sobre em cima seu ego e se joga lá de cima".
O senhor falou em problema psíquico quando escolheu a residência de Santa Marta para estar com os outros, e em neurose para sua alergia a viagens e seu apego ao lugar onde mora. Qual é a sua droga? "O mate me ajuda, mas eu não provei a cocaína".
Quando está com dificuldades, ele recorre a Santa Teresa de Lisieux, "muitas vezes, peço-lhe para tomar nas suas próprias mãos um problema que preciso resolver, uma questão que eu não sei como irá acabar, uma viagem que eu tenho que enfrentar. E eu lhe pergunto se podia tomá-la em suas mãos e cuidá-la, e enviar-me uma rosa como um sinal. Muitas vezes acontece de receber uma". Ou coloca um recado sob a estátua de São José adormecido em seu quarto. "E agora ele dorme sob um colchão bilhetes."
O retrato pessoal de Francisco, que emerge das entrevistas é apenas uma pequena parte dos temas que pontilham o curso do cuidado pastoral do Bispo de Roma: da teologia à opção pelos pobres, da doutrina social da ação diplomática, da urgência guerra-paz à pastoral ordinária, das viagens ao ecumenismo, dos religiosos às reformas eclesiais, das iniciativas (jubileu, sínodos, normas) à reforma da Cúria, etc. Limito-me apenas a concluir estas notas com uma referência às resistências que surgem com respeito ao seu magistério e às suas escolhas.
"Há aqueles que dizem: ‘Ah, que bom, que bom, que bom’, e em seguida falam o contrário por trás... Eu ainda não notei. Sim, talvez existam alguns, mas eu não notei. A resistência: em quatro meses, não se pode encontrar muita". "Esses grupos conservadores... devemos ser respeitosos sem nos cansarmos de explicar, catequizar, dialogar, sem insultar, sem os denegrir nem criticar. Porque você não pode anular uma pessoa". "Eu posso entender que a minha maneira de ser não agrade a alguém, isso é perfeitamente certo. Cada um pode ter a sua opinião".
Os ultraconservadores? "Eles fazem o trabalho deles, eu faço o meu. Eu quero uma Igreja aberta, de inclusão, que acompanhe as famílias feridas. Eles dizem não a tudo. Eu continuo meu caminho... Rejeito o conflito".
O senhor ‘barateia’ a doutrina? "Eu continuo no caminho daqueles que me precederam, sigo o concílio. Quanto às opiniões, sempre devemos distinguir o espírito com o qual são ditas. Quando não há má intenção, também ajudam na caminhada. Outras vezes logo se vê que as críticas são feitas aqui e ali para justificar uma posição já assumida. Logo se vê que determinados rigorismos nascem de uma falta, de querer esconder dentro de armaduras a própria triste insatisfação".
E o cardeal Burke (um dos quatro signatários do "dubia" contra a exortação pós-sinodal sobre a família, Amoris laetitia)? "Não é um adversário". "É bom ser criticado, eu gosto disso, sempre. A vida também é feita de incompreensões e tensões. E quando são críticas que levam ao crescimento, aceito-as, respondo".
É bom não idealizar ninguém, nem mesmo o papa Francisco: "A idealização de uma pessoa é uma forma de agressão. Quando eu sou idealizado, sinto-me agredido".
Encerro recorrendo novamente a G. Lafont: "O papado sob a aura imponente que assumiu progressivamente no Ocidente depois dos grandes papas da Idade Média até Pio XII, foi um pouco o sinal, o estandarte, o símbolo de um cristianismo que olha mais para trás para manter, defender ou lamentar. Os papas sucessivos, especialmente João XXIII e agora Francisco, deixam-nos uma mensagem diferente através de gestos e palavras inesperadas, que deve ser entendida e não rejeitada. Isto, creio eu, é o quadro geral em que precisa ser colocado o evento Francisco, que é um desenvolvimento do evento Vaticano II: a passagem para uma inteligência e uma prática renovadas pelo Evangelho".
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Apresento-me: sou Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU