21 Setembro 2013
O pontífice e Scalfari nos mostraram que o campo autêntico do diálogo não é o confronto dialético, mas sim o encontro de duas experiências humanas.
A opinião é do sacerdote espanhol e presidente da Fraternidade de Comunhão e Libertação, Julián Carrón, em artigo publicado no jornal La Repubblica, 18-09-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Caro diretor, com um gesto incomum - uma carta enviada ao La Repubblica – o Papa Francisco respondeu às perguntas que Eugenio Scalfari tinha levantado nos últimos meses a propósito da encíclica Lumen fidei. O que moveu o pontífice? O desejo de "fazer um trecho de estrada juntos", mostrando com isso mesmo até que ponto ele pretende praticar por primeiro a "cultura do encontro".
E o que lhe permite percorrer um trecho de caminho com quem pensa de maneira diferente, no caso específico com o fundador do La Repubblica? A necessidade que ambos têm, como pessoas, daquela luz que permite viver o melhor possível como homens. "Eu também gostaria que a luz conseguisse penetrar e dissipar as trevas", respondeu Scalfari à oferta do Papa Francisco.
É esse desejo de uma luz para não perder o caminho que constitui o critério para o diálogo entre nós, homens. Toda experiência de vida, no fim, é julgada por essa exigência que encontramos sobre nós e que constitui o fundo mais profundo de nós mesmos. A lealdade a esse desejo é o que estimula os homens ao verdadeiro diálogo, tanto quanto se importam com a própria vida.
O homem moderno buscou responder a essa exigência com as "luzes" da racionalidade. É possível a um homem moderno, tão orgulhoso da sua autonomia, da sua razão, e um sucessor de Pedro pôr-se em diálogo leal, não fictício? O Papa Francisco e Eugenio Scalfari demonstraram isso. Mas também nos mostraram qual é o campo de um autêntico diálogo: não o confronto dialético, mas sim o encontro de duas experiências humanas. O diálogo é possível, mas apenas se cada um esteja disponível a pôr em jogo a própria experiência do viver.
É nesse campo que o Papa Francisco aceitou jogar a partida, sem pôr em campo outra "autoridade" a não ser a sua experiência pessoal de homem desejoso da luz: "A fé, para mim, nasceu do encontro com Jesus. Um encontro pessoal, que tocou o meu coração e deu uma direção e um sentido novo à minha existência. Mas, ao mesmo tempo, um encontro que se tornou possível pela comunidade de fé em que eu vivia e graças à qual eu encontrei o acesso à inteligência da Sagrada Escritura, à vida nova que, como água que jorra, brota de Jesus através dos Sacramentos, à fraternidade com todos e ao serviço dos pobres, imagem verdadeira do Senhor. Sem a Igreja – acredite-me –, eu não teria podido encontrar Jesus", confessa a Scalfari, "embora na consciência de que aquele imenso dom que é a fé é custodiado nos frágeis vasos de barro da nossa humanidade".
O Papa Francisco descreve, Evangelho em mãos, como foi possível, desde o início do cristianismo, a fé como uma adesão razoável. Essa adesão se apoia totalmente no reconhecimento daquela "autoridade" de Jesus, "emana de dentro e que se impõe por si só", que lhe havia sido dada por Deus "ele a gaste em favor dos homens".
"A originalidade da fé cristã se articula na encarnação do Filho de Deus", que "não é revelada para marcar uma separação intransponível entre Jesus e todos os outros". Ao contrário, continua o papa, "a singularidade de Jesus é pela comunicação, não pela exclusão". Isso significa que só é possível captar a verdade da fé – a luz que dissipa as trevas – dentro de uma relação.
Como observou claramente Salvatore Veca, "o pontífice expõe uma ideia da verdade fundamentada em uma relação que consiste em se confiar a Deus através do encontro com Jesus Cristo. Quando ele escreve que não é uma verdade absoluta, isso significa que não pode ser desvinculada ou incondicional, pois pressupõe uma forte relação com o Outro. Certamente não é uma verdade mutável, mas é impossível isolá-la, imunizá-la de contatos externos, esculpi-la na rocha, porque ela só vive na relação e é, portanto, por sua natureza, aberta" (Corriere della Sera, 12 de setembro de 2013). Pode a luz da fé interessar a um homem que não quer renunciar a nada da sua razão e da sua liberdade? Ele não a sentiria como uma mortificação constante da sua própria humanidade? Nas palavras de Dostoiévski, "um homem culto, um europeu dos nossos dias pode crer, crer justamente, na divindade do filho de Deus, Jesus Cristo?"
Nietzsche acusou a fé cristã, escreve o papa na Lumen fidei, de ter "diminuído o alcance da existência humana, espoliando a vida de novidade e aventura. Neste caso, a fé seria uma espécie de ilusão de luz, que impede o nosso caminho de homens livres rumo ao amanhã" (n. 2). A encíclica não se subtrai a esse desafio, até o relança: "Quando falta a luz, tudo se torna confuso: é impossível distinguir o bem do mal, diferenciar a estrada que conduz à meta daquela que nos faz girar repetidamente em círculo, sem direção" (n. 3).
A luz da fé, ao invés, só vai interessar a quem não reduz a própria humanidade e o próprio desejo. Nesse sentido, para mim foi comovente ver duas pessoas como Francisco e Scalfari confrontarem-se como homens sobre a própria estrada do viver. Nisso está o valor do diálogo instaurado pelo papa, como indicação à Igreja de qual é a estrada a se percorrer para um verdadeiro e autêntico confronto. Talvez não seria essa a tarefa dos cristãos e da Igreja? Testemunhar que tipo de luz a fé introduz na vida para enfrentar as vicissitudes de todos. Àqueles que os encontram cabe verificar se essa luz realmente pode ser útil para iluminar a sua vida. É o risco que Deus correu tornando-se um entre os homens.
O diálogo entre o pontífice e o jornalista – tão fora dos esquemas costumeiros, mas tão fascinante – é uma grande ajuda para o caminho que todos devemos percorrer: cada um, de fato, deve comparar a própria experiência do viver com aquele desejo de luz – de verdade, de beleza, de justiça, de felicidade, diria o Pe. Giussani – que nos constitui. Podemos retraçar na nossa experiência os sinais de uma resposta a esse desejo tão inextirpável, que resiste e aflora mesmo sob acúmulos de escombros?
Jean Guitton dizia que o termo "razoável designa aquele que submete a própria razão à experiência". Com a carta ao La Repubblica, o Bispo de Roma ofereceu a todos o testemunho dessa submissão que lança luz sobre as coisas. Onde uma humanidade está disponível para fazer um trecho de estrada juntos, o que se pode desejar a mais do que se deparar com companheiros de caminho desse tipo?
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A pessoa moderna em busca da luz. Artigo de Julián Carron - Instituto Humanitas Unisinos - IHU