14 Janeiro 2019
"Lembro-me a impressão de tive com a notícia de um imigrante paquistanês: chegando exausto em um centro de acolhimento italiano, encontrou um voluntário que o chamou e perguntou-lhe se ele queria massa com ou sem molho, carne ou peixe. O homem desabou em lágrimas, ninguém jamais o chamara pelo nome. Um simples gesto de humanidade fez com que ele mudasse de ideia sobre aqueles que antes para ele eram apenas ‘infiéis'”. Dom Julián Carron, escolhido pelo fundador Dom Luigi Giussani como seu sucessor, dirige Comunhão e Libertação desde 2005.
A entrevista é de Gian Guido Vecchi, publicada por Corriere della Sera, 10-01-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Foram necessários dezenove dias para que fossem ajudadas 49 pessoas deixadas em alto-mar. O que está acontecendo na Europa, se precisou intervir Francisco durante o Angelus para sacudir os líderes?
É o sinal de uma crise que não é primeiramente política ou econômica, mas antropológica, porque diz respeito aos fundamentos da vida pessoal e social. Um estranho escurecimento do pensamento obriga o Papa a colocar diante de todos a realidade, antes que as ideias e os alinhamentos. Já Bento XVI recordava que a experiência da migração torna as pessoas vulneráveis: exploração, abusos, violência.
Por isso, o atual pontífice convoca todos a respeitar o imperativo moral de garantir aos migrantes a proteção dos direitos fundamentais e respeitar a sua dignidade. O cristão reconhece que os migrantes precisam de leis e programas de desenvolvimento, bem como ‘de serem olhados nos olhos’, dizia Francisco, ‘Eles precisam de Deus, encontrado no amor gratuito’. Então tudo pode mudar.
Talvez o problema é que se fala de números, de "clandestinos" em abstrato ...
É isso mesmo. Faz parte de nossa redução do olhar que impede de identificar o ser humano. Os imigrantes, antes que números, são pessoas concretas, rostos, nomes, histórias, havia dito o Papa em Lesbos em 2016. Deveria ser óbvio, mas não é mais, sinal de que entrou em crise a nossa relação com a realidade: por isso as suas palavras soam ‘revolucionárias’. Tudo é olhado através de filtros que não atingem mais a pessoa real. O Papa nos mostra o caminho: ‘Só se vê bem com a proximidade que nos oferece a misericórdia'.
Francisco denunciou o ressurgimento de populismos e nacionalismos que "enfraquecem" o "sistema multilateral". Por que isso acontece?
Com o tempo prevaleceu a dimensão universal, uma tentativa que tem suas raízes no Iluminismo: salvaguardar os valores - pessoa, vida, família, sociedade – desvinculando-os do pertencimento à história particular que os haviam gerado. À globalização, expressão última da tentativa iluminista, opõe-se uma concepção nacionalista de pertencimento. Mas essa reação não resolve o problema, só o empurra para frente adiando a sua solução: um equilíbrio correto entre pertencimento a uma história particular e abertura ao universal.
Como se poderia remediar a estratégia do medo?
Só pode ser remediada se uma resposta verdadeira ao medo for encontrada. O medo não se vence com a violência, o fechamento, os muros, as expressões de uma derrota. O medo é derrotado só por uma presença. O que vence o medo do escuro em uma criança é a presença única da mãe. Cada um terá que descobrir em sua vida, quais presenças respondem aos seus medos.
O desafio soberanista, de Bannon a Salvini, provoca os "valores cristãos". O que a Igreja pode fazer?
Ela é chamada para a sua missão única. Ela abriga o ‘segredo’ da vitória sobre o medo, a única Presença que vence sem necessidade da violência. Esta é uma ótima oportunidade para a Igreja redescobrir a sua função: anunciar esta Presença, torná-la testemunho. Apenas deixando-se investir pela presença de Cristo, poderá testemunhar a todos uma modalidade para vencer o medo adequada aos desafios da atualidade. É a contribuição que nós cristãos somos chamados a dar: criar homens e mulheres não dominadas pelo medo, aptos a criar espaços que acolhem e integram aqueles que são diferentes de nós. As vias de saída de pura reação já falham logo no início, mesmo que no curto prazo possam parecer bem-sucedidas. Falta a perspectiva histórica. Nós já assistimos a muitas situações onde se tornou dominante uma mentalidade que não sustentou o choque do tempo. Vamos ver quanto tempo a atual vai durar.
O que o senhor diria aos fiéis seduzidos pelo soberanismo?
Que olhem por si mesmos e avaliem se ele atende às suas expectativas, quando eles vão dormir e levantam pela manhã. Neste momento dramático está em jogo cada um de nós e, portanto, a nossa família, os nossos relacionamentos, os nossos irmãos necessitados, a nossa sociedade. Seria uma pena desperdiçar a oportunidade.
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"Os soberanismos estão destinados ao fracasso. O cristão deve superar o medo". Entrevista com Julián Carron - Instituto Humanitas Unisinos - IHU