Missão militar brasileira na nação da América Central é símbolo de violação imperialista e desastre humanitário.
A reportagem é de Paulo Motoryn, publicada por Brasil de Fato, 07-07-2021. A edição é de Vivian Virissimo.
O assassinato do presidente do Haiti, Jovenel Moise, dentro da própria casa, na madrugada desta quarta-feira (7), representa mais um episódio das sucessivas crises políticas e humanitárias no país da América Central. Uma das passagens simbólicas da história recente haitiana tem a digital de militares que integram o governo do presidente Jair Bolsonaro.
Durante 13 anos, de 2004 a 2017, cerca de 37 mil oficais das Forças Armadas do Brasil foram deslocados para o Haiti. O general Augusto Heleno, que foi o primeiro comandante da missão, ainda em 2004, se integrou à campanha presidencial de Jair Bolsonaro em 2018, está no governo desde o primeiro momento e hoje ocupa o cargo de ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).
O general Santos Cruz, comandante no Haiti entre 2007 e 2009 ocupou o cargo de ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência da República no primeiro ano de governo e foi demitido após atritos com a família do presidente e seguidores do "filósofo" Olavo de Carvalho, espécie de guru dos Bolsonaros.
Santos Cruz foi substituído no cargo pelo general Luiz Eduardo Ramos, atual ministro da Casa Civil, que comandou as tropas brasileiras no Haiti entre 2011 e 2012. O general Floriano Peixoto, que chefiou as tropas entre 2009 e 2010, foi ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República de Bolsonaro.
O general Edson Leal Pujol, que dirigiu a Minustah entre 2013 e 2014, foi comandante do Exército brasileiro de 2019 a fevereiro de 2021. Tarcísio Gomes de Freitas, ministro da Infraestrutura, atuou de 2005 a 2006 no Haiti, como chefe da seção técnica da Companhia Brasileira de Engenharia de Força de Paz.
Militares da Minustah no Haiti. (Foto: UN/MINUSTAH/Jesús Serrano Redondo | Wikimedia Commons)
Na madrugada de 6 de julho de 2005, tropas da Missão de Estabilização da ONU no Haiti (Minustah), comandadas pelo Exército Brasileiro, fizeram uma operação de “pacificação” na maior favela da capital haitiana, Porto Príncipe, conhecida como Cité Soleil. Segundo testemunhas, cerca de 300 homens fortemente armados invadiram o bairro e assassinaram 63 pessoas, deixando outras 30 feridas. Na época, o comandante das tropas era o general brasileiro Augusto Heleno.
A ação foi objeto de uma denúncia na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), baseada em depoimentos de moradores e em relatório elaborado pelo Centro de Justiça Global e da Universidade Harvard (EUA). No documento, a Minustah foi acusada de permitir a ocorrência de abusos, favorecer a impunidade e contribuir para a onda de violência no país caribenho.
O caso teria causado desconforto no Palácio do Planalto, liderado na época pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2020, fonte ligada ao Ministério da Defesa confirmou ao Brasil de Fato que o governo brasileiro teria recebido uma solicitação da ONU para substituir o comando das tropas no Haiti, o que foi feito dias depois, com a entrada do general Urano da Teixeira da Matta Bacellar no comando.
Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e soldados do Exército Brasileiro que participaram da Minustah no Haiti. (Foto: Ricardo Stuckert / Agência Brasil| Wikimedia Commons)
Em resposta às denúncias, assim que assumiu Bacellar afirmou que o número de mortes não coincidia com as informações levantadas pelo exército. Segundo o general, “nove ou dez pessoas” teriam morrido depois de enfrentarem as forças de segurança.
“Fato é que o [Augusto] Heleno foi removido do Haiti e isso começou a cozinhar a raiva aos governos do PT. O estopim foi realmente a Comissão Nacional da Verdade. Daí pra frente, ele se tornou um militante antipetista”, disse a fonte consultada.
1. Augusto Heleno, ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), atuou de 2004 a 2005 nas tropas internacionais;
2. Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo, atuou de 2007 a 2009 nas tropas internacionais;
3. Floriano Peixoto Vieira Neto, ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência, atual presidente dos Correios, atuou de 2009 a 2010 nas tropas internacionais;
4. Edson Leal Pujol, ex-comandante do Exército Brasileiro, atuou de 2013 a 2014 nas tropas internacionais;
5. Luís Eduardo Ramos, ministro-chefe da Casa Civil, atuou de 2011 a 2012 nas tropas brasileiras;
6. Fernando Azevedo e Silva, ex-ministro da Defesa, atuou de 2004 a 2005 como chefe de operações do contingente brasileiro no Haiti;
7. Tarcísio Gomes de Freitas, ministro da Infraestrutura, atuou de 2005 a 2006 como chefe da seção técnica da Companhia Brasileira de Engenharia de Força de Paz;
8. Otávio Rêgo Barros, ex-porta-voz do governo Bolsonaro, atuou como comandante do 1º Batalhão de Infantaria de Força de Paz.
A informação sobre a morte de Jovenel Moise foi transmitida pelo premiê interino do país, Claude Joseph, e confirmada por agência de notícias. O ataque, por volta da 1h, foi feito por um grupo ainda não identificado, mas alguns dos envolvidos estariam falando em espanhol.
A primeira-dama, Martine Marie Etienne Joseph, também foi baleada, chegou a ser socorrida, mas não sobreviveu aos ferimentos. Joseph repudiou o “ato odioso, inumano e bárbaro” e pediu calma. “Todas as medidas para garantir a continuidade do Estado e proteger a Nação foram tomadas. A democracia e a República vão vencer.”
Autoridades do país disseram ter frustrado uma “tentativa de golpe” de Estado contra o presidente, que teria sido alvo de um atentado mal sucedido em fevereiro. Mais de 20 pessoas foram presas na ocasião, inclusive um juiz federal do Tribunal de Cassação e uma inspetora geral da Polícia Nacional.
A oposição negou uma tentativa de golpe, mas há meses pressionava pela renúncia de Moise e pela nomeação de um presidente interino para um período de transição.
Moise governava o Haiti desde 2017 e, no ano passado, rompeu com o Legislativo e passou a governar por decretos. Ele dizia que ficaria no cargo até 7 de fevereiro de 2022, o que causou revolta da oposição, que reclamava o fim do mandato em 7 de fevereiro deste ano.
A atual crise política no Haiti se iniciou na última eleição presidencial, realizada em 2015. No país, o mandato do presidente dura cinco anos e começa no dia 7 de fevereiro do ano seguinte às eleições.
As eleições de outubro de 2015 terminaram com a vitória de Moise no primeiro turno, mas a votação foi anulada após denúncias de fraude. Declarado vencedor na eleição organizada um ano depois, o atual presidente assumiu o cargo finalmente em 7 de fevereiro de 2017. Por isso, Moise dizia ter direito a um mandato de 60 meses, enquanto a oposição afirma que o presidente já teria cumprido o período legal do mandato.