17 Junho 2019
"Em termos institucionais, as Forças Armadas não têm essa exposição negativa desde o final da ditadura. O papel nefasto dessa associação ao governo do pandemônio pode revelar ou uma mediocridade destes generais na busca por fartas parcelas de poder sem glória, ou quem sabe, a compreensão tenebrosa de que a estes militares ainda cabe alguma forma de tutela da república, mesmo sem assumir o Poder Executivo", escreve Bruno Lima Rocha, cientista político, professor de relações internacionais e de jornalismo, pós-doutorando em economia política e membro do Grupo Capital e Estado.
Na semana posterior ao tornado decorrente da divulgação das conversas nada republicanas da Lava-Jato através do site jornalístico The Intercept, três militares de alta patente e carreira completa deixaram o governo do capitão reformado da arma da artilharia, Jair Messias Bolsonaro. O ministro da secretaria de governo Carlos Alberto dos Santos Cruz foi demitido na 5ª dia 13 de junho. A demissão de Santos Cruz teria sido em função dos atritos entre um ministro minimamente racional se debatendo contra as influências de Carlos Bolsonaro (vereador pelo PSL no município do Rio de Janeiro) e do autointitulado filósofo Olavo de Carvalho e seu festival de estupidez e alucinações. Não parou por aí.
O presidente dos Correios, herdeiro ainda da Era Temer, bem relacionado com o vice-presidente general Hamilton Mourão, também foi demitido. O general Juarez Aparecido de Paula Cunha fez o que se espera de qualquer presidente de estatal. Ele, Juarez de Paula, foi ao Congresso articular a preservação de uma empresa que eles – militares – entendem se tratar de um ativo estratégico. A defesa da estatal teria sido a motivação para que Jair Bolsonaro considera-lo como de “atitude sindicalista”. Este mesmo general foi às redes sociais defender a privatização dos Correios. Mas já teria sido tarde demais. Mais um general que sai do governo.
A semana começa com o também general Franklimberg Ribeiro de Freitas, presidente da FUNAI, que teria tomado horror à postura encontrada na função e na área socioambiental do governo Bolsonaro. Entrou em conflito direto com Luiz Antônio Nabhan Garcia, Secretário de Assuntos Fundiários, presidente da União Democrático Ruralista, a famigerada UDR. Ou seja, se um general sai por se contrapor ao líder da UDR, sendo que esse mesmo general teria sido “conselheiro consultivo” da mineradora canadense Belo Sun Mining, é porque o nível de ódio interno, de racismo anti-indígena, beira ao debate genocida.
Mas a presença midiática de generais depois do escândalo não para nas defecções de primeiro e segundo escalão.
Analisando as três demissões, todas foram de viés abertamente ideológico. Bolsonaro parece não fazer contas, cálculos políticos, mas apenas o vendaval que o atinge a cada dia. Também no âmbito ideológico, o indicado por Paulo Guedes para o BNDES, outro Chicago Boy, Joaquim Levy vai sendo fritado. A Presidência queria um estardalhaço no BNDES. Pouco importa a política industrial, mas sim as denúncias dos “empréstimos para a Venezuela” e outras aberrações demonstrando a ignorância em economia política internacional. Sim, houve e há política de balcão junto aos campeões nacionais, as empresas que restam sobrevivendo a Lava Jato. Ou seja, a demência é tanta que não querem nem um banco de fomento do capitalismo brasileiro, julgando que nesta instituição haveria uma espécie de “pecado original”, ainda mais pecaminoso pela passagem do economista da Unicamp, Luciano Coutinho.
Logo após a divulgação dos primeiros trechos de conversas, o vice-presidente Hamilton Mourão afirmou que “iria para a guerra com Moro e Dallagnol!”. É mais um militar de alta patente que arrisca sua carreira em uma aventura política e joga no limbo seu status de profissional das ciências militares para fazer uma jogada tétrica de marketing de redes sociais.
Não parou por aí. No café da manhã com jornalistas, ao lado do presidente eleito sem concorrer com o favorito que estava preso sem provas, na manhã de sexta 14 de junho, o general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), deu murro na mesa e gritos moralistas em defesa do presidente. Parece que incorporou os piores momentos performáticos do impagável general Newton Cruz. O chilique de Augusto Heleno representa muito mais do que aparenta. Para Jair Messias, tumulto e pandemônio é como pão com manteiga de seu dia a dia como operador político. Mas, para o GSI não, ou não deveria ser assim.
Na ABIN, o presidente autorizou em maio a troca – ainda não realizada - de um operador de carreira desde os tempos do SNI pelo delegado federal que assumiu sua segurança após o episódio da facada durante a campanha. Será que a Agência, que nunca emplacou como o antigo SNI e que perde espaço para a PF sobrevive a mais uma troca? Não tem filosofia no órgão? A ABIN opera contra interesses externos, adversários do Estado brasileiro? O órgão atua contra alvos de países potências? Parece que não.
Enfim, se as avaliações são corretas e o general Eduardo Villas-Bôas ainda é a grande referência viva das Forças Armadas e especificamente no Exército Brasileiro, este já se expôs novamente, como o fizera quando o STF julgou o habeas corpus do ex-presidente Lula. No dia 11 de junho Villas Bôas postou na sua conta do Twitter que “respeito e confiança no ministro Sergio Moro”. No dia 13 de junho, o general que ocupa o cargo de assessor especial do GSI, disse que “tenho receio que isso venha a tomar um vulto que venha a prejudicar o País. Nós já tivemos esse exemplo no governo Temer quando quem saiu perdendo foi o País”.
Villas Bôas já virou o fio e agora parece tentar manter a sobriedade. Em termos institucionais, as Forças Armadas não têm essa exposição negativa desde o final da ditadura. O papel nefasto dessa associação ao governo do pandemônio pode revelar ou uma mediocridade destes generais na busca por fartas parcelas de poder sem glória, ou quem sabe, a compreensão tenebrosa de que a estes militares ainda cabe alguma forma de tutela da república, mesmo sem assumir o Poder Executivo.
Recado final deste analista. É impossível governar sem liderança sólida, e estes militares parecem viver como vizinhos do hospício, como se fosse possível uma ditadura sem Golbery do Couto e Silva ou Carlos de Meira Mattos como ideólogos, mas somente e tão somente com o pandemônio dos integralistas que apoiavam o regime de exceção. Já pensaram se a ditadura tivesse como referência intelectual os líderes da TFP e da AIB e não os militares de carreira baseados na Escola Superior de Guerra (ESG) e na montagem do aparelho de inteligência e controle do Estado?! Não tem como, certo? Pois bem, imaginem fazer algo parecido com regras da democracia burguesa, com políticos de carreira, Justiça, MPF, conglomerados de mídia sem censura prévia (ao menos sem censura formal) e outros arranjos do liberalismo político? Será que esta gente já esqueceu até dos seus manuais de geopolítica? É, pois é....
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A crise com militares no governo do pandemônio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU