28 Abril 2021
"Quando o padre Carlassare ficou sabendo de sua nomeação como bispo, perguntaram-lhe se estava com medo. Ele respondeu: 'Não o medo que trava ou bloqueia, mas aquele que leva a ponderar o percurso mais correto a seguir'. Desejamos-lhe uma rápida recuperação e uma boa continuação no seu caminho naquelas terras longínquas que revelam a face oculta e vital do cristianismo atual", escreve Miguel Gotor, historiador italiano, ex-senador e professor da Universidade de Turim, em artigo publicado em La Repubblica, 27-04-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Outra noite arrebentaram as pernas de um pastor. Dois homens armados dispararam quatro tiros contra ele e fugiram como lobos. O ferido é natural de Schio, tem 43 anos e se chama Christian Carlassare. Há dezesseis anos vive no Sudão do Sul como missionário comboniano. Ele é um pastor, um pastor de almas, e em 8 de março de 2021 o Papa Francisco o nomeou bispo da diocese de Rumbek, uma sé vaga há dez anos. Claudicante por suas feridas, deve tomar posse da cadeira episcopal em 23 de maio, tornando-se o bispo italiano mais jovem do mundo.
Mapa do Sudão do Sul, com destaque em Rumbek. (Foto: Britannica)
Foi uma nomeação exemplar no estilo do Papa Bergoglio, que prefere bispos jovens e socialmente ativos, "não empregados, mas pastores que vigiam" impregnados pelo “cheiro das ovelhas", como ele repetidamente lembra. Para explicar o atentado, a hipótese mais plausível faz referência à conturbada história do Sudão do Sul dilacerada por lutas internas entre grupos étnicos inimigos em um contexto de recente evangelização. A diocese de Rumbek tem maioria Dinka, mas o padre Carlassare, até sua nomeação, trabalhou junto a outra etnia do país, os Nuer, cuja língua havia aprendido. Dessa contradição poderia ter brotado a fúria do ataque.
Depois de quatrocentos mil mortes e quase dois milhões de refugiados, hoje o Sudão do Sul, que surgiu de uma secessão em 2011, vive um frágil processo de paz com um presidente de etnia Dinka, Salva Kiir, e um vice-presidente de etnia Nuer, Riek Machar. Carlassare cumpriu sua missão nos infindáveis pântanos de Lokichogio, habitados pelos Nuer. Uma terra de missão tão vasta como o seu Vêneto, a ser atravessada a pé ou de canoa escoltado por homens armados. O bispo nunca havia trabalhado no território de Rumbek, com exceção de uma substituição por alguns meses: com este percurso missionário ele estava empenhado em um esforço para reconciliar os extremos que poderiam ter-lhe gerado inimigos. No plano da antropologia criminal, quem atira nas pernas não quer matar, mas humilhar e avisar a vítima: o bispo é uma figura exemplar pela qual podem ter se sentido ameaçados pela investidura papal recebida, funcional para fortalecer o processo de pacificação em curso no país também no plano religioso. Uma fonte da Agência Fides explica que o ataque teria sido planejado para assustá-lo para que não seja consagrado bispo, mas será necessário entender melhor. Também é verdade que a prática de atirar nas pernas é um gesto ambíguo por definição, já que cortar a artéria femoral por engano e causar a morte da vítima é sempre uma eventualidade possível, como ensina a história italiana dos anos 1970.
Padre Christian Carlassare recupera-se em hospital. (Foto: Nigrizia | Reprodução)
Porém, do ponto de vista da antropologia religiosa, há mais: atirar nas pernas de um pastor nos remete às origens da martirologia cristã, ao sofrimento criatural de Cristo na cruz. Na verdade, quebrar os membros inferiores dos condenados à morte por meio do crurifragium servia para acelerar a asfixia, pois deixava a vítima pendurada. Jesus foi poupado dessa ulterior desfiguração, que ao invés coube aos dois ladrões que estavam ao lado dele, apenas porque acreditavam que ele já estava morto, sem que os algozes pudessem imaginar que na realidade estavam cumprindo a profecia das Escrituras: “Nenhum osso lhe será quebrado".
Quando o padre Carlassare ficou sabendo de sua nomeação como bispo, perguntaram-lhe se estava com medo. Ele respondeu: "Não o medo que trava ou bloqueia, mas aquele que leva a ponderar o percurso mais correto a seguir." Desejamos-lhe uma rápida recuperação e uma boa continuação no seu caminho naquelas terras longínquas que revelam a face oculta e vital do cristianismo atual.
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Sudão do Sul. O sangue dos missionários - Instituto Humanitas Unisinos - IHU