28 Abril 2021
Conhecendo-o, podemos imaginar o Padre Christian Carlassare salvando sua vida com uma palavra de amor dirigida a seus algozes: entram em seu quarto para sequestrá-lo ou tirá-lo do caminho; não são muçulmanos ou criminosos comuns, são maus cristãos que aplicam a lei do ódio étnico e do poder tribal; ele os acolhe como fez nos últimos 16 anos ao se dirigir indiferentemente aos poderosos e aos frágeis daquele canto do mundo que só recentemente ganhou o direito de se denominar Sudão do Sul; ele os desarma com sua misericórdia e eles, traspassados, abaixam o cano da arma e soltam os tiros que destroçam suas panturrilhas antes de fugir como Barrabás tomado pelo remorso.
A reportagem é de Pier Luigi Vercesi, publicada por Corriere della Sera, 27-04-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Christian Carlassare. (Foto: Nigrizia | Reprodução)
Marcellina, mãe do padre Christian, lembra que ontem o martirológio romano celebrava São Marcelino: “Um milagre salvou meu filho”. Sem recorrer a intercessões do Alto, para compreender basta percorrer a experiência africana desse missionário comboniano recém-nomeado bispo, o mais jovem do mundo. Aos 17 anos, em 1994, voltou para casa e disse aos pais que talvez gostaria de ser missionário. A família, mesmo apreensiva, não criou empecilhos. Em 2004 foi ordenado sacerdote comboniano e destinado a um país à deriva após duas guerras civis. O Sudão do Sul ainda estava "fechado por guerra" e a lenta aproximação do Padre Christian ao seu destino foi a partir do Quênia.
Mapa do Sudão do Sul, com destaque em Rumbek. (Foto: Britannica)
Primeira parada em Lokichogio, onde a ONU havia montado um acampamento e realizava breves cursos de sobrevivência. Quando o Cessna de dez lugares decolou alguns dias depois com dois missionários e alguns voluntários a bordo, a civilização, como nós, ocidentais, a entendemos evaporou na fumaça de um opressivo calor sufocante. Depois de centenas de quilômetros de savana, apareceu o maior pântano do mundo. Era preciso muita fé para um jovem que não tinha ainda trinta anos e rosto de garoto para não se desesperar. “Senti um aperto no coração”, confessou-nos o padre Cristian, “depois peguei o rosário até que o avião começou a descer em direção a uma pista de areia invadida por ovelhas e vacas. O piloto circulou até que os animais fugiram, permitindo-nos pousar”. A população Nuer vivia nas margens daquela terra encharcada de água sem a presença de um padre, apesar do fato de serem cristãos, porque, entre um conflito e outro, não havia sobrado nenhum.
Quando ele chegou a Fangak, a base de sua missão, uma mulher o recebeu. Rebecca Nyaleak, com a autoridade de uma chefe tribal, olhou para ele perplexa: "Nós te recebemos como nosso padre, apesar de parecer como nosso filho." Em dez anos, o padre Christian ganhou o apelido de "Nuer branco". O território da missão era imenso: oitenta aldeias sem nenhum meio de alcançá-las a não ser a pé e por canoa. Ele ficava em Fangak não mais do que dois meses por ano, no resto, com bengala e mochila, cobria não menos que cinquenta quilômetros por dia. Às vezes, ficava na canoa dois ou três dias seguidos, dormindo agachado no barco e aprendendo a evitar crocodilos, hipopótamos e pítons.
Christian Carlassare. (Foto: TGCOM24 | Reprodução)
"Não era eu que levava ajuda aos pobres, mas sim eles que cuidavam de mim". Quando lhe perguntamos como sempre conseguia se safar diante das feras, ele respondeu com uma certa clarividência, pelo menos à luz do que aconteceu com ele ontem: “Eles não são o principal perigo, basta não os incomodar. Os homens, por outro lado... Quando as gangues se alvoroçavam, dormíamos com a mochila debaixo da cabeça, prontos para fugir se os tiros se aproximassem demais”.
Foi no meio daquele lugar nenhum, daqueles homens considerados durante séculos apenas um reservatório de escravos, que todas as suas dúvidas desapareceram: "A serenidade floresceu dentro de mim." Ele havia se despojado franciscanamente do orgulho europeu: "Não era eu que levava ajuda, eram eles que cuidavam de mim, me hospedando, compartilhando a pouca comida que conseguiam". Em seguida, outra guerra civil e outra paz precária voltaram, até que, em 2017, ele foi chamado para cuidar de novas vocações; em 2020 foi nomeado Vigário Geral da Diocese de Malakal e, em março passado, Bispo de Rumbek. Hesitou, rezou e no final, não se considerando senhor de seu destino, aceitou. Quem o conhecia bem pensava: "Como poderá um homem puro como ele se salvar tendo que administrar uma imensa diocese com importantes interesses econômicos?" A resposta chegou ontem, mesmo na tragédia: justamente a sua pureza de coração o salvou.
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Sudão do Sul. Padre Christian na África em conflito: “Mochila sempre pronta para fugir se atirarem” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU