11 Março 2021
O encontro entre o pontífice e o religioso xiita confirma o papel de líder mundial do xiismo para al-Sistani. Da República Islâmica em diante, Qom tentou minar o valor de Najaf. O jornal Kayhan, porta-voz dos extremistas religiosos, zomba desse encontro. Mas outros, incluindo em Qom, veem isso como um novo esforço para trazer paz ao Oriente Médio.
A reportagem é de Khosrow Ebrahimi, publicada por Asia News, 10-03-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
A visita do Papa Francisco ao Iraque de 5 a 8 de março teve várias repercussões no Irã. O encontro entre Francisco, líder do catolicismo mundial, e o aiatolá al-Sistani, um dos líderes religiosos xiitas mais importantes, foi particularmente impressionante.
Papa Francisco e Al-Sistani (Foto: Vatican Media)
Alguns - incluindo Mohammad Masjedjamei, ex-embaixador iraniano na Santa Sé - lembraram o desejo do Papa João Paulo II de visitar o Iraque há 21 anos e a oposição a isso do então líder Saddam Hussein.
Mas para muitos iranianos, a parte mais importante dessa viagem continua sendo a visita do papa a al-Sistani, destacando que a viagem tem valor para a paz da região e a segurança dos cristãos iraquianos.
Atualmente, Sistani é o maior líder xiita do mundo, e a cidade de Najaf, onde ele vive, há séculos é a sede dos líderes mundiais xiitas. Após a Revolução Islâmica de 1979, o clero político do Irã tentou escapar dessa situação, colocando Qom - no centro do Irã, sede principal do clero xiita no país - como centro do xiismo mundial. Mas até agora não tiveram sucesso e isso se deve precisamente à presença de Sistani em Najaf e sua evitação de apoiar as duras políticas dos religiosos islâmicos iranianos.
Nessa linha, Sistani sempre enfatizou a necessidade de paz, a contenção da violência, a não interferência da religião na política e esta atitude não agrada aos líderes iranianos.
Há menos de três meses, Ibrahim Ra'isi - chefe do sistema jurídico do Irã, nomeado por Khamenei - foi ao Iraque, mas Sistani não o recebeu. Essa recusa apareceu como um fracasso: se aquela reunião tivesse ocorrido, Ra'isi poderia ter pensado em concorrer às próximas eleições presidenciais (que serão realizadas em meados de junho de 2021) e poderia até mesmo tê-las vencido.
Papa Francisco e Al-Sistani (Foto: Vatican Media)
Em resposta à falta de "localismo" de Sistani e para afirmar que sua pessoa não tem lugar na liderança xiita no Irã, em nota datada de 6 de março, o jornal Kayhan zombou praticamente daquele encontro entre Sistani e o papa. O jornal Kayhan é a voz mais importante da facção fundamentalista e do extremismo religioso no Irã, em estreito vínculo com Khamenei.
Na nota, Kayhan relaciona a viagem do papa ao Iraque ao assassinato de Qassem Soleimani em Bagdá (3 de janeiro de 2020), enfatizando que o empenho de Soleimani com o Iraque havia sido realizado com a permissão de Sistani. Mas isso nunca foi confirmado pelo gabinete de Sistani. Para concluir essa visão, o jornal comparou a casa de Sistani aos palácios do Vaticano onde o papa mora em Roma.
A atitude dos fundamentalistas iranianos mostra que eles não estão felizes com esta viagem. Isso dá cada vez mais legitimidade à liderança mundial xiita do idoso Sistani, estreitando o espaço para Khamenei e seu desejo de alcançar essa posição, tão sonhada e promovida por tantos anos. De Qom, apenas um pequeno grupo do clero xiitas apreciou a viagem, definindo-a como o início de outro esforço para trazer paz ao Oriente Médio.
A notícia da viagem, no entanto, foi deliberadamente ignorada pela mídia de propaganda estatal da República Islâmica do Irã.
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Papa e al-Sistani: iranianos felizes, mas não os fundamentalistas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU