15 Janeiro 2021
Não é difícil saber agora quem será a personalidade do ano 2021: a vacina anti-Covid! Estávamos esperando alguém simpático, algum tipo de benfeitor da humanidade. Ele acabou se revelando o resultado de segundas intenções e de lutas econômicas, junto com alguns pais gananciosos.
A reportagem é de Christian Chavagneux, publicada por Alternatives Économiques, 14-01-2021. A tradução é de André Langer.
No entanto, no início de maio, quando a Europa ainda estava presa em seu primeiro confinamento, seus dirigentes nos prometeram um mundo maravilhoso. Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, e Giuseppe Conte, Emmanuel Macron, Angela Merkel e a norueguesa Erna Solberg assinaram um texto conjunto cheio de esperanças nas vacinas que virão: “Tratar-se-á de um bem público global único do século XXI”. E o presidente francês acrescentou que seria “um bem global da humanidade, e não propriedade de um ou de outro”. Oito meses depois, uma realidade totalmente diferente se impõe.
Um número poderia resumir o que está acontecendo agora: de acordo com o último relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), de 6 de janeiro, nada menos que 235 vacinas estão sendo pesquisadas. E não apenas pelas belezas da ciência!
Um grande desperdício de dinheiro porque não haverá espaço para tantos produtos, com os primeiros laboratórios vencendo nos primeiros meses deste ano. Mas muitos candidatos se lançaram na corrida: inventar um bem de que todo o planeta precisa e pago em parte com dinheiro público, a economia de mercado não pode fazer melhor!
O exemplo mais flagrante é dado por Stéphane Bancel, CEO da Moderna, quando, em sua recente entrevista ao Express, tenta justificar o motivo pelo qual o preço de sua vacina é muito maior do que o da BioNtech, na ordem de 20-30 dólares a dose segundo diferentes estimativas: “Nós não queremos maximizar o lucro nem o preço de venda, mas eu quero tornar a empresa Moderna sustentável”. Dito claramente: não reclame, eu poderia ter pedido mais, mas ainda assim tem que valer a pena!
O modelo de negócios dessas empresas de biotecnologia é investir enquanto esperam pelo produto milagroso que lhes fará ganhar muito dinheiro. Como explica Stéphane Bancel: “Desde a criação da empresa há dez anos, investimos quase 3 bilhões de dólares e nunca vendemos um único produto nem obtivemos um único centavo de lucro. Era importante gerar caixa para continuar a investir e desenvolver outras vacinas, outros tratamentos”.
Mesmo quando se trata de responder a uma pandemia global, e inclusive, como sublinha esta informação da BBC, quando o trabalho da Moderna foi pago com dinheiro público: rentabilidade máxima!
Mesmo que ainda haja áreas cinzentas a serem removidas, a estratégia de preços da AstraZeneca, baseada nas descobertas do Instituto Jenner da Universidade de Oxford, visa vendas a preço de custo, de alguns dólares a dose, mas em um grande volume. Um comportamento menos ganancioso a priori.
Os Estados não se comportaram de forma a criar um bem comum global. Em vez disso, cada um queria ter certeza de que a vacina seria produzida primeiro em seu território. A China desenvolveu a sua própria vacina e a Rússia também. Os Estados Unidos deram a maior parte de seus subsídios públicos à Moderna, uma empresa americana. De acordo com analistas do Deutsche Bank, os americanos também pagaram à Pfizer e fizeram um seguro com pedidos da Sanofi.
Os europeus, por sua vez, deram prioridade aos laboratórios e start-ups locais: 300 milhões de doses encomendadas no final de agosto à AstraZeneca (produção na Alemanha, nos Países Baixos e Reino Unido), 300 milhões de doses em meados de setembro à Sanofi (França e Europa), 200 milhões no início de outubro à filial europeia da Janssen, 200 milhões em 11 de novembro à vacina alemã da BioNTech (mais 200 milhões neste mês de janeiro), e somente no final de novembro e meados de dezembro para pedidos, menores, para os americanos Moderna e Novavax. Sob as ternas palavras dos bens comuns, os dirigentes europeus entenderam que estavam comprometidos com uma guerra econômica!
Considerações puramente políticas também estiveram presentes em alguns países: a Hungria, tentando obter suprimentos dos russos para não depender dos procedimentos de uma União Europeia que denuncia seus ataques ao Estado de direito; ou o Irã, que prefere usar a vacina desenvolvida em Cuba.
Depois da iniciativa da Covax a seu favor, ainda não está claro como e a que preço os países mais pobres poderão ter acesso às vacinas.
Mesmo com uma pandemia ameaçando toda a humanidade, o espírito de concorrência supera o espírito de cooperação. Depois de economias paralisadas, centenas de milhões de empregos perdidos, desigualdades crescentes e dois milhões de mortes, a hubris vence. A economia de mercado não tem sentimentos.
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A vacina não é um bem comum - Instituto Humanitas Unisinos - IHU