14 Janeiro 2021
"No Brasil, em 2020, o preço do arroz e do feijão – produtos essenciais na mesa da maioria dos brasileiros chegou a subir 70%. A inflação também atingiu os hortifrútis e o preço das carnes e dos ovos", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e pesquisador titular da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 13-01-2021.
Existe uma forte correlação entre o aumento do preço dos alimentos e
a ocorrência de protestos contra a carestia”
NECSI (28/09/2012)
O preço dos alimentos caiu no início da pandemia da covid-19, mas voltou a subir a partir de maio de 2020. O Índice de Preços de Alimentos da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) teve média de 107,5 pontos em dezembro de 2020, valor bem superior aos 91,0 pontos de maio. Para o conjunto do ano de 2020 o valor foi de 97,9 pontos, bem acima dos 91,9 pontos de 2016, embora abaixo do recorde de 131,9 pontos de 2011. O preocupante é que os preços estão com tendência de alta.
O Índice de Preços de Alimentos da FAO (FFPI) é uma medida da variação mensal dos preços internacionais de uma cesta de commodities alimentares. Consiste na média de cinco índices de preços de grupos de commodities ponderados pelas participações médias de exportação de cada um dos grupos no período 2014-2016. Ele é um importante indicador da segurança alimentar no mundo.
A última vez que o FFPI da FAO teve um forte aumento foi entre 2009 e 2011 e provou revoltas em grande parte do mundo.
Segundo Relatório do NECSI (New England Complex Systems Institute) publicado em 28/09/2012, há uma correlação importante entre o aumento do preço dos alimentos, calculados pela FAO e a ocorrência de protestos em todo o mundo, conforme mostra o gráfico abaixo. Sempre que o índice da FAO sobe, ocorrem manifestações. Pior é quando se conjuga crise econômica, crise ambiental e crise social em numa situação de enorme desigualdade de renda e bem-estar.
Por exemplo, o gatilho que detonou a Primavera Árabe foi o aumento do preço da comida. Na Tunísia, o início das manifestações começou após a imolação do jovem Mohamed Bouazizi, de 26 anos, vendedor ambulante de frutas e verduras, em Sidi Bouzid. Entre dezembro de 2010 e janeiro de 2011, a revolução na Tunísia provocou a saída do presidente da República, Zine el-Abidine Ben Ali, que controlava o poder desde 1987.
A Revolução no Egito começou com uma série de manifestações de rua e atos de desobediência civil, em 25 de janeiro de 2011, inspirados na revolta da Tunísia. Os principais motivos para o início das manifestações o desemprego, a falta de moradia, a inflação, a corrupção e os constantes aumentos dos preços dos alimentos. O rio Nilo já não consegue fornecer a água necessária para a agricultura, as cidades e para matar a sede dos egípcios. Além disto a Etiópia planeja construir uma grande usina hidrelétrica represando as águas do Nilo, o que ameaça o início de uma guerra por acesso à água.
A Guerra Civil na Síria também começou como uma série de grandes protestos populares em 26 de janeiro de 2011. Embora o povo sírio tenha mil motivos para depor o presidente Bashar al-Assad, o aumento do preço da comida e a falta de água foram fatores decisivos para o início das revoltas. O desastre sírio foi agravado pelas mudanças climáticas, pois o país vive a pior seca de sua história moderna, combinada com uma população em rápido crescimento e um regime repressivo e corrupto. A seca inviabilizou as plantações, fez a população migrar para as cidades e provocou o aumento do preço dos alimentos, gerando carestia e fome.
O aumento do preço dos alimentos fica ainda mais impactante com o processo de degradação ambiental e stress hídrico, o que tende a espalhar a crise de desemprego para as diversas regiões do mundo. Relatório da Goldman Sachs, mostra que a escassez de água doce pode ser um impedimento para o crescimento econômico na medida em que crescem a demanda por comida e recursos hídricos. A água potável é um recurso escasso e mal distribuído, pois 60% das fontes estão em apenas dez países, dentre eles Brasil (13%), Rússia (10%), Canadá (7%), Estados Unidos (7%) e China (7%). A Índia, por exemplo, aumentou em mais de 30% a demanda de água nos últimos 15 anos, mas seus rios estão poluídos e grande parte da população carece de acesso à água potável.
Como escrevi em outro artigo (Alves, 19/06/2013): “A falta de água doce implica na falta de comida. O aumento do custo da alimentação pode funcionar como um freio do desenvolvimento econômico e um impulsionador do desemprego. Desta forma, a sede e a fome podem ser a centelha de revoltas populares ao redor do globo”.
No Brasil, em 2020, o preço do arroz e do feijão – produtos essenciais na mesa da maioria dos brasileiros chegou a subir 70%. A inflação também atingiu os hortifrútis e o preço das carnes e dos ovos. A situação brasileira em 2020 foi peculiar (e mais grave) pois o auxílio emergencial possibilitou o aumento da demanda por alimentos, ao mesmo tempo que a desvalorização do Real encareceu os produtos importados e incentivou a exportação de produtos que começaram a faltar no mercado interno.
Para 2021, o quadro é mais dramático, pois embora não deva haver a pressão inflacionária decorrente da maior renda entre as parcelas pobres da sociedade, os preços dos alimentos devem continuar aumentando e acompanhando o cenário internacional. O Brasil vai enfrentar um barril de pólvora, pois sem o auxílio emergencial e com o elevado nível de desemprego, grande parcela da sociedade não vai ter como garantir a segurança alimentar.
Com o agravamento da 2ª onda da pandemia no Brasil nos primeiros meses de 2021 e com o rescaldo da maior recessão econômica em um século, os brasileiros vão viver uma situação amarga. A possibilidade de revoltas é enorme.
ALVES, J.E.D. O impacto global do aumento do preço dos alimentos e a vulnerabilidade nacional, Ecodebate, 14/11/2012. Disponível aqui.
ALVES, J.E.D. Água, comida e revolução, Ecodebate, 19/06/2013. Disponível aqui.
ALVES, J.E.D. Ascensão e queda da civilização dos combustíveis fósseis, Ecodebate, 02/04/2014. Disponível aqui.
Goldman Sachs. Sustainable Growth: Taking a Deep Dive into Water. May 8, 2013. Disponível aqui.
Karla Z. Bertrand, Greg Lindsay, and Yaneer Bar-Yam, Food briefing, NECSI: New England Complex Systems Institute Report 2012-09-28. Disponível aqui.
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O aumento do preço dos alimentos no mundo e no Brasil. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU