21 Agosto 2020
O diretor geral da Agência de Saúde das Nações Unidas, Ghebreyesus, adverte à comunidade internacional contra a exploração comercial dos ensaios de coronavírus. Já nos últimos meses, diz, “o nacionalismo dos suprimentos agravou a pandemia”, é necessário “um acesso justo e equitativo a diagnósticos, terapias e vacinas em todos os países”.
A reportagem é de Amedeo Lomonaco, publicada por Vatican News, 20-08-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
“Seria triste se essa vacina contra a covid-19 desse a prioridade aos mais ricos! Seria triste se esta vacina se tornasse propriedade desta ou daquela nação e não universal para todos. E que escândalo seria se toda a assistência econômica que estamos a observar – a maior parte dela com dinheiro público – se concentrasse no resgate das indústrias que não contribuem para a inclusão dos excluídos”.
Estes são os sentimentos expressados pelo papa Francisco na audiência geral da última quarta-feira, durante a qual recordou como a opção preferencial pelos pobres, própria do Evangelho, deve animar também os esforços para chegar a uma vacina contra o coronavírus, considerando quatro critérios básicos: a inclusão dos excluídos, a promoção dos últimos, o bem comum e o cuidado com a criação.
Em seu papel de organismo supranacional, a Organização Mundial da Saúde (OMS) está em sintonia com as convicções do Papa. E na reunião informativa de terça-feira com os meios de comunicação, e em uma mensagem, o diretor geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, instou claramente aos países membros a “prevenir a vacina do nacionalismo”. Por esta razão, disse Ghebreyesus, é que a OMS “está trabalhando com os governos e o setor privado tanto para acelerar a pesquisa científica com o acelerador de ACT, como para assegurar que as novas inovações estejam ao alcance de todos, em todas as partes, começando pelos que estão em maior risco”. Pouco antes, ao examinar o trabalho do organismo, o diretor observou a presença do problema nos últimos meses, quando a explosão do coronavírus desencadeou “uma enorme onda de demandas de equipe de proteção pessoal”. “Alguns países – destacou Ghebreyesus – estabeleceram restrições à exportação e produziram vários casos de requisição de suprimentos médicos chave para o uso nacional”. Em suma, disse, “o nacionalismo da oferta exacerbou a pandemia e contribuiu ao fracasso total da cadeia de fornecimento” em escala mundial.
Depois da Rússia, produzida pelo Instituto Gamaleya, a China também registrou em tempo recorde sua primeira vacina contra a pandemia de covid-19. Do outro lado do mundo, o governo brasileiro autorizou o teste de uma vacina anticovid desenvolvida por um laboratório americano. O governo australiano também anunciou que quer tornar obrigatória a vacina da covid-19, após assinar um acordo com a empresa anglo-sueca AstraZeneca para adquirir o medicamento que está sendo desenvolvido nos laboratórios de pesquisa da Universidade de Oxford.
A Itália e a União Europeia abraçam as palavras do papa Francisco: “O que conseguimos é uma aliança principalmente entre Itália, França, Alemanha e Holanda para fazer da vacina um bem comum para todos”. É o que aponta Walter Ricciardi, professor de Higiene da Universidade Católica de Roma e assessor do Ministro da Saúde italiano, acrescentando que o primeiro contrato relacionado com a vacina mais avançada, assinado pela Comissão Europeia na semana passada, “vai nessa direção”. O investimento público vai garantir que esta vacina possa ser distribuída a todos, não apenas europeus. “Haverá quantidades significativas de doses que serão dadas aos países mais pobres, a começar pela África”. Sobre os critérios indicados pelo Papa na escolha das indústrias, o professor Ricciardi destaca que “esta visão é a correta”, especialmente em um momento pós-covid. A pandemia, explica, demonstrou “toda a fragilidade do modelo de desenvolvimento econômico baseado exclusivamente no lucro, na exploração dos mais pobres e na exploração dos trabalhadores de baixo custo”. Em vez disso, deve “apontar para a centralidade na pessoa humana”. Para Ricciardi, isso não é “uma utopia”, mas “a única possibilidade de garantir um modelo de desenvolvimento que preserve as pessoas e o meio ambiente em que vivemos”. Porém, é preciso lembrar que alguns países, continua, seguem “a rota comercial”, esta que só reforça “a possibilidade de enriquecimento com uma vacina” e a garante apenas às pessoas “que podem comprar”. Este, conclui, “não é o caminho que a Europa está seguindo”.
O caminho indicado pelo Papa não faz distinções, como também enfatizou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, numa recente entrevista ao L'Osservatore Romano e ao Vatican News. “Este vírus”, disse, “mostra como o mundo está interconectado. Estamos enfrentando uma pandemia global e a única maneira de derrotar o vírus é por meio da cooperação e solidariedade internacional”.
Em outra entrevista recente aos meios de comunicação do Vaticano, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, destacou que “a pandemia deve ser um chamado para despertar. Ameaças globais mortais exigem uma nova unidade e solidariedade”.
“Em um mundo interconectado”, disse ele, “ninguém está seguro até que todos estejam”. “Essa foi, em resumo, a essência da minha mensagem no lançamento do Acelerador ACT – colaboração mundial para acelerar o desenvolvimento, a produção e o acesso equitativo a novos diagnósticos, tratamentos e vacinas para covid-19. Deveria ser visto como um bem público. Não é uma vacina ou uma cura para um país ou região ou meio mundo, mas uma vacina e uma cura que é acessível, segura, eficaz, fácil de administrar e universalmente disponível para todos, em qualquer lugar. Essa vacina deve ser a vacina do povo”.
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“Devemos nos prevenir do nacionalismo”, alerta a OMS sobre a vacina contra o coronavírus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU