12 Junho 2020
Com um único tuíte, o presidente Donald Trump colocou em xeque a relação entre os Estados Unidos e a Santa Sé, enquanto compromete potencialmente o seu apoio entre os católicos.
A reportagem é de Christopher Lamb, publicada em The Tablet, 11-06-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nessa quarta-feira, 10, o presidente dos EUA destacou o endosso que recebeu do arcebispo Carlo Maria Viganò, ex-enviado papal de Washington que, em 2018, deu o extraordinário passo de pedir que o Papa Francisco renunciasse.
Trump contou a seus 82 milhões de seguidores sobre uma carta “incrível” escrita pelo arcebispo que argumenta que os protestos “Black Lives Matter” e os lockdowns do coronavírus fazem parte de uma campanha apocalíptica dos “filhos das trevas” contra os “filhos da luz”.
So honored by Archbishop Viganò’s incredible letter to me. I hope everyone, religious or not, reads it! https://t.co/fVhkCz89g5
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) June 10, 2020
Existem duas implicações imediatas decorrentes do apoio do presidente a Viganò. A primeira é a dificuldade que isso representa para a relação dos EUA com o papado e a sede da maior religião do mundo.
Embora o presidente e o papa tenham discordado, a Santa Sé sempre manteve bons canais de diálogo e trabalhou junto em questões como a liberdade religiosa.
Mas, com esse desdobramento mais recente, como fica a embaixadora dos EUA junto ao Vaticano, Callista Gingrich, se seu chefe apoiou alguém que acha que o papa não deveria estar no cargo? O presidente espera que ela transmita à Santa Sé o apoio dele a Viganò?
Depois, há o marido da embaixadora, Newt Gingrich, que é um dos apoiadores mais explícitos do presidente. O ex-presidente da Câmara evita escrupulosamente a política vaticana, mas seu apoio consistente a Trump se torna uma espécie de elefante no meio da sala da Santa Sé, agora que o presidente está totalmente do lado de Viganò.
O tuíte sobre Viganò não foi a primeira vez que o presidente atacou o papa no Twitter: em 2013, Trump (na época apenas um empresário e ator de reality show) criticou Francisco por pagar a própria conta na pousada em que ficou hospedado durante do conclave. “Isso não é coisa de papa!”, disse o futuro presidente. As tensões chegaram a um ponto febril antes das eleições de 2016, quando o Papa disse que o plano do então candidato à presidência de construir um muro entre os EUA e o México “não era cristão”.
O Vaticano não fez nenhum comentário oficial sobre o último tuíte, embora o Pe. Antonio Spadaro, diretor da revista La Civiltà Cattolica, que tem o apoio da Santa Sé, conectou-o a um artigo de 2017 que ele escreveu junto com Marcelo Figueroa sobre como grupos católicos e evangélicos estavam promovendo um “ecumenismo do ódio”. O texto defendia que a fé estava sendo usada para impulsionar uma agenda política de direita e que o presidente Trump havia participado dela ao promover uma “geopolítica apocalíptica”.
Embora esse artigo tenha sofrido fortes críticas quando foi publicado, a ponto de um importante prelado dos EUA tê-lo descrito como “deliberadamente ignorante”, a carta de Viganò e a promoção dela por parte do presidente faz com que a intervenção de 2017 pareça profética agora.
Figueroa, um pastor protestante que o Papa pediu para supervisionar a versão argentina do jornal do Vaticano, L’Osservatore Romano, respondeu a Trump tuitando uma parte do artigo de 2017: “Em política, moral e religião, ele assumiu uma linguagem maniqueísta que divide a realidade entre o bem absoluto e o mal absoluto”.
A segunda implicação desse último episódio, e talvez a mais preocupante para o presidente, é o que o apoio a Viganò significa para a base católica de Trump nos EUA. Embora tenham sido os católicos brancos em Estados instáveis que entregaram ao presidente sua extraordinária vitória nas eleições de 2016, as pesquisas mostram que ele está perdendo apoio. Qualquer tentativa de armar Viganò e as suas teorias para perseguir o papado e as lideranças da Igreja durante a campanha de 2020 provavelmente perturbará as consciências dos católicos que já apoiaram o presidente.
“Trump está em um terreno perigoso em relação aos católicos brancos”, disse David Gibson, diretor do Centro de Religião e Cultura da Fordham University. “Os católicos que o apoiam podem não amar Francisco, mas, se virem o presidente atacar o Papa, talvez não fiquem felizes”.
Vários católicos de alto nível que apoiaram o presidente também estão em uma posição embaraçosa. Como eles podem afirmar agora que são leais ao papado e a Trump?
Mais preocupante ainda é que o tuíte do presidente sobre Viganò foi publicado um dia depois que ele sugeriu que um ativista da paz católico, derrubado no chão pela polícia, era um “provocador antifascista”. Dois policiais foram suspensos e acusados de agressão.
“Isso diz mais sobre os conselheiros católicos em torno de Trump. O fato de as pessoas estarem lhe repassando informações do LifeSiteNews mostra a partir de onde ele vê a Igreja Católica”, explicou o diretor da Fordham.
Gibson acrescentou que é improvável que a grande maioria dos católicos saiba muito sobre o arcebispo Viganò, e o tuíte elevou agora o perfil do diplomata aposentado de 79 anos.
Qualquer olhar sobre a história do papado mostra que ele está cheio de conflitos e emaranhados com os poderes mundanos de cada época, desde os primeiros papas que foram martirizados até as disputas com a coroa francesa que levaram aos papas de Avignon. Apesar das crises e dos ataques que deveriam tê-la subvertido, a Cátedra de São Pedro sobreviveu.
“A República de Veneza era moderna quando comparada com o papado, e a República de Veneza já se foi – mas o papado permanece”, escreveu Lord Macaulay (Thomas Babington), historiador protestante inglês em 1840.
Antes de lançar mais ataques contra o 266º sucessor de São Pedro, o presidente Trump poderia levar em consideração a durabilidade do ofício que ele está sendo encorajado a atacar.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Ataque de Trump ao papado deve sair pela culatra - Instituto Humanitas Unisinos - IHU