02 Junho 2020
Capelão jesuíta fala do significado de celebrar a Eucaristia na vida dos fiéis.
A entrevista é de Arnaud Bevilacqua, publicada por La Croix International, 30-05-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Questões em torno da celebração da missa foram o foco de inúmeros debates e discussões durante o confinamento geral decorrente da crise do coronavírus. E é pouco provável que elas desapareçam tão cedo. O padre jesuíta Dominique Degoul é capelão universitário em Paris. Ele conversou com Arnaud Bevilacqua, do sítio La Croix, sobre o significado da missa na vida dos fiéis.
Enquanto os fiéis estão confinados fisicamente há várias semanas, como poderíamos definir o que está em jogo na relação deles com a missa?
Esta situação excepcional pode levar à pergunta sobre o significado da missa. Parece importante enfatizar que, mesmo como católico romano, o que nos salva e no que depositamos a nossa fé não é a missa, mas Cristo. A celebração da Eucaristia não é algo em si mesma; ela se orienta para Cristo: o meio usual de encontrar-se com ele e recebê-lo. A celebração é o local onde cada um de nós se comunica com a pessoa de Cristo e onde, ao mesmo tempo, a Igreja se constitui como um corpo, recebendo-o em assembleia.
Privados da missa, sentimos uma falta real. No entanto, dizer literalmente que a missa é de importância fundamental nos conduz a uma falsa sensação de entendimento; não morremos por causa dela e ninguém é condenado por Deus se não puder assistir à missa.
Se não posso receber um sacramento, Deus sempre deseja profundamente vir ao meu encontro. A missa responde a uma necessidade humana de encontro.
Os sacramentos têm um caráter encarnado, com a presença física dos irmãos e irmãs, cuja ausência sentimos particularmente quando estamos privados deles.
Na vivência da nossa fé, podemos prescindir da missa desde que Cristo se apresente como o “pão vivo”?
Para aqueles que creem, o corpo e o sangue de Cristo constituem o alimento que nutre e mantém viva a fé. Privar os fiéis, aqui, pode levá-los a uma espécie de asfixia.
Às vezes, posso ficar entediado na missa, mas se eu não for, fecho a possibilidade proporcionada pela repetição do ritual de experimentar algo inesperado.
Sem dúvida, algumas pessoas vão redescobrir uma sensação interior de conforto quando retornarem ao terreno habitual da presença de Cristo. Por outro lado, outros podem descobrir que creem um pouco mecanicamente e talvez se perguntem sobre o significado de uma prática ritual da qual, no final, não sentiram tanta falta.
Eles terão que responder livremente à pergunta que Cristo fez aos seus discípulos, depois que suas duas palavras nos discursos sobre o pão da vida (Jo 6) os escandalizaram: “Vocês também querem ir embora?”
É esta uma oportunidade de se perguntar sobre o lugar da missa na França, quando em alguns países ela pode estar disponível devido à falta de padres?
Fui interrogado por um cristão “maximalista”, para quem a comunhão frequente era uma necessidade absoluta. Apontei-lhe que, se esse fosse o caso no sentido literal, não permitiríamos que alguns cristãos na Amazônia recebessem comunhão apenas uma vez por ano.
Dito isso, somos seres encarnados, portadores de uma história. A nossa história na França, diferentemente de outros países, é aquela de uma prática religiosa muito regular há mais de dez séculos. Podemos pensar sobre isso, especialmente porque a situação é mais difícil no interior do país. Mas para os fiéis profundamente habituados – e aqui, o hábito é uma coisa boa – que frequentam a missa desde a criança, a falta dela é um fato óbvio que não pode ser apagado com o exemplo da Amazônia, onde as pessoas são forçadas a ficar sem ela.
É a compreensão do significado profundo da missa que está em jogo?
A Eucaristia permanece um mistério, uma espécie de repetição cega do que Jesus nos disse. Quando repito as palavras da consagração, me pergunto às vezes o que Cristo queria dizer.
Obviamente elas são a base para a instituição de um sacramento, mas são palavras duras. “Tomai, todos, e comei: isto é o meu Corpo que será entregue por vós” e “Tomai, todos, e bebei: este é o cálice do meu Sangue” é incompreensível e inimaginável.
Só podemos abordar o significado dessas palavras nas circunstâncias em que são ditas: pouco antes de seu corpo e sangue serem entregues fisicamente, Jesus transmite a esperança fundamental de que sua morte e ressurreição se transforem em um alimento verdadeiro para todos.
Receber o corpo de Cristo é expressar o desejo de viver no movimento de doar-se para o fim que ele mesmo teve e, no mesmo movimento, de nos doarmos pelos outros.
Na vida dos fiéis, qual pode ser o lugar apropriado da missa?
A prática religiosa não basta se no restante do tempo o cristão não se importar com a caridade. Mas ela é necessária, porque a nossa fé pressupõe lugares encarnados. Para mim, a comunhão é o sinal concreto da doçura divina. Por meio da Eucaristia, lembramos que o que é vivo e frutífero em nós não provém principalmente de nós mesmos, e que somente a ação de Cristo em nossos corações pode nos purificar e nos permitir dar o melhor.
O nosso vínculo com Cristo, recebido e fortalecido na Eucaristia, é a única fonte verdadeira de amor que podemos demonstrar; em troca, nosso amor ao próximo manifesta um amor que vem de Deus.
Desse modo, o mandamento do amor ao próximo e o mandamento do amor a Deus vêm juntos.
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“O que nos salva não é a fé na missa, mas a fé em Cristo” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU