Adoração eucarística e indulgências: um diálogo ecumênico. Artigo de Andrea Grillo

Adoração eucarística. | Foto: National Catholic Reporter/Divulgação

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25 Abril 2020

"O que a teologia católica tem a dizer sobre a adoração eucarística e sobre as indulgências?"

Andrea Grillo, teólogo italiano e professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, entra no debate entre Fulvio Ferrario,  teólogo valdense e decano da Faculdade de Teologia Valdense de Roma, e o Giuseppe Lorizio, teólogo católico e professor da Pontifícia Universidade Lateranense.

O artigo é publicado por Come Se Non, 22-04-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o artigo.

O que a teologia católica tem a dizer sobre a adoração eucarística e sobre as indulgências? A resposta que Giuseppe Lorizio (no jornal Avvenire, 21-04-2020) dirigiu à pergunta indireta de Fulvio Ferrario é uma boa possibilidade, que denota sabedoria e prudência, sem encerrar a discussão. Reconstruo brevemente o debate.

Fulvio Ferrario havia observado, com realismo, que, sob a pressão de circunstâncias excepcionais, cada tradição cristã tende a retornar às “especialidades da casa”. E, por isso, ao contrário dos evangélicos, os católicos retornam à adoração eucarística, aos crucifixos milagrosos, a Nossa Senhora das Neves e às indulgências. Nessa constatação, não era difícil ler também uma pequena dose de saudável provocação.

A releitura que Giuseppe Lorizio, para responder, propôs dessas tradições segue a via segura de uma apologética não polêmica, elegante, clarividente, sensível. Mas, mesmo assim, se trata de apologética, embora com toda a sua nobre intenção.

Estamos diante de uma atitude compreensível e até louvável, que visa à defesa de uma “prática”, descobrindo as suas lógicas fundadoras ocultas ou pouco conhecidas, que deveriam sustentar o seu sentido de um modo novo. A prática é a mesma, mas a explicação muda. Grande parte da teologia é feita assim. E todo teólogo trabalha apologeticamente durante grande parte do seu tempo.

Penso que, na objeção de Ferrario, no entanto, houve, indiretamente, outra provocação. Parece-me que Ferrario se perguntava indiretamente: esse modo de propor as razões teológicas de uma prática ainda é realmente eficaz?

Seguramente, essa opção organiza as relações ecumênicas, arredonda todos os cantos, preenche os vales e reduz os picos, mas realmente cria a condição para um colóquio sobre a “res”?

Tento mostrar alguns limites desse procedimento apologético, considerando duas das respostas propostas por Pino Lorizio.

a) Adoração eucarística, presença real e teologia eucarística

Na sua resposta, que tem uma eficácia espetacular, Lorizio joga “em campo alheio”. E é sempre bom que um católico use Lutero como autoridade, e, talvez, amanhã Ferrario possa usar Bellarmino em perspectiva evangélica.

Porém, a afirmação da “presença do corpo de Cristo” feita por Lutero me parece pouco demais para fundamental plenamente a “prática” de adoração, especialmente em relação à “oração da Igreja”. Aqui, eu esperaria que a provocação de Ferrario não tivesse como resposta uma espécie de paradoxo: nós, na adoração, somos mais fiéis a Lutero do que vocês. Obviamente, Lorizio não diz isso, mas o não dito texto se move nessa direção.

No entanto, a correlação entre “presença” e “ação ritual de comunhão” está em Lutero e não na adoração. A qual, por isso, com toda a sua relevância, paga um certo preço à pretensão de separar o sacramento da presença da memória eclesial do sacrifício. A teologia eucarística é investida de uma tarefa que não é apenas apologética.

Mais do que sobre as posições de Lutero, seria interessante meditar sobre as escolhas com as quais o Concílio de Trento, para responder a Lutero, impôs o discurso e a experiência da eucaristia com uma separação entre Decretos, que, de fato, assegurou que nós, católicos, pudéssemos, por quase 400 anos, “ouvir missa sem comungar”, “adorar sem fazer a comunhão”, “fazer a comunhão depois do fim da missa”.

A adoração eucarística, como joia da casa e como patrimônio histórico da tradição católica, talvez mereça uma limpeza e também uma colocação mais adequada nos quartos da família.

b) As indulgências e o terreno penitencial sobre o qual elas repousam

O tema das indulgências é ainda mais delicado. Obviamente, nesse âmbito, é difícil para o teólogo católico começar citando em seu favor um texto de Lutero. Pode ser útil, para aliviar a tensão, introduzir Bonhoeffer com “Sanctorum Communio” e deslocar a questão das indulgências para o plano da relação entre Igreja militante, Igreja purgante e Igreja triunfante.

Mas me parece que o tema das indulgências merece, também aqui, uma consideração não apenas apologética. Tento me explicar. Se usarmos essa “instituição”, devemos respeitar a sua lógica e não podemos traduzi-la em uma espécie de “oração pelos falecidos”. As indulgências são, fundamentalmente, um dos “berços” do purgatório. Mas a sua evidência se fundamenta em uma dinâmica elementar, que está presente na Igreja Católica assim como nas Igrejas evangélicas e orientais. E é a dinâmica penitencial.

Tal dinâmica, do modo como foi historicamente compreendida, tematizou a “pena temporal” como a resposta ao perdão de Deus na liberdade do cristão. Por isso, pelo menos originalmente, a indulgência é um “ato festivo” com o qual a Igreja, com base no poder das chaves ou com base na oração, “perdoa a pena temporal”. Ou seja, “desconta” do sujeito que já foi perdoado a “fadiga da resposta”.

Parece-me que hoje o tema da indulgência carece do terreno para poder irromper com a própria lógica festiva. Se os vivos, batizados e cristãos não estão mais acostumados a pensar em “fazer penitência” como em uma parte comum da sua vida cristã, que sentido tem a “indulgência plenária” para quem não tem nenhuma consciência de uma pena temporal a ser “descontada”? E se isso vale para os vivos, não vale “a fortiori” para os falecidos? Ainda mais em um tempo de pandemia, em que me parece que a proximidade aos sujeitos deve ser marcada muito mais pelo registro ferial da partilha do fazer penitência do que pelo registro festivo de uma “remissão da pena”.

E talvez, precisamente na redescoberta dessa “penitência cotidiana” – que investe sobre a liberdade do sujeito –,alguns textos luteranos, justamente, poderiam servir para reler com eficácia singular as joias da casa católica. Sempre lembrando que certamente cabe à Igreja conservar escrupulosamente o depositum, mas também lhe cabe discernir, como diz o poeta, entre “aquilo que não morre e aquilo que pode morrer”.

 

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