"Na extrema emergência, aqueles que têm a responsabilidade de decidir, tomam decisões, e não são as Igrejas: essas últimas se adaptam. Se o fizerem da maneira certa, podem transformar inclusive essa simples lealdade civil em um testemunho".
A opinião é de Fulvio Ferrario, teólogo italiano e decano da Faculdade de Teologia Valdense de Roma, em artigo publicado na revista Confronti, de abril de 2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Como os "pastores de almas" podem estar próximos de suas comunidades em um momento tão particular? As várias igrejas respondem de maneira diferente a uma necessidade comum, revelando como entendem o espaço público.
Parecia, a princípio, que a reação do mundo cristão (na Itália, essencialmente católico) à emergência de saúde fosse rápida e compacta: igrejas fechadas, espaço para telemática e flexível criatividade nas situações que a exigem.
Mas as dinâmicas do encontro pessoal não são simplesmente substituíveis por aquelas eletrônicas e isso logo ficou evidente: é justamente a emergência que requer adaptação. Também é importante que nosso povo, notoriamente composto de santos, heróis, poetas e navegadores, mas ocasionalmente também de treinadores de futebol, economistas e climatologistas não se transformasse em um povo de virologistas, no qual todo mundo dá sua opinião. Na extrema emergência, aqueles que têm a responsabilidade de decidir, tomam decisões, e não são as Igrejas: essas últimas se adaptam. Se o fizerem da maneira certa, podem transformar inclusive essa simples lealdade civil em um testemunho.
Em 13 de março, no entanto, o pontífice romano sentiu que tinha que notificar o país de que as "medidas drásticas nem sempre são boas". O contrário, de fato, seria absurdo, nenhuma medida é "sempre boa". Se, no entanto, o oposto do que afirmo é absurdo, há uma boa chance de que o que digo seja muito genérico. Na situação dada, é necessário estabelecer quando uma medida, drástica ou não, é boa e quando não é, mas não é uma questão de fé.
No entanto, ele estava se referindo, em primeiro lugar, aos "pastores", que não deveriam imitar Dom Abbondio, mas ficar perto de seu próprio povo. Mais uma vez: só podemos concordar com isso, mas a questão pastoral é como estar perto das pessoas em um momento bastante particular. A resposta do Vicariato de Roma foi imediata: vamos abrir as igrejas para que nelas as pessoas possam sentir a presença do Senhor. O próprio Papa, no domingo 15 de março, foi a S. Maria Maggiore para “fazer uma oração à Virgem, Salus Populi Romani, cujo ícone é mantido lá" e depois em S. Marcello al Corso, onde existe um "crucifixo milagroso" que em 1522 foi levado em procissão para invocar o fim da peste (as expressões entre aspas são retomadas da declaração da Sala de imprensa do Vaticano).
Do ponto de vista de um observador teologicamente e ecumenicamente interessado, eu gostaria de fazer três observações.
As igrejas, todas elas, são unânimes em perceber na oração a primeira, fundamental reação especificamente cristã à crise. Certamente não podem faltar a solidariedade ativa, a responsabilidade e a generosidade financeira: mas o que só a Igreja pode fazer é orar.
Foto: Vatican Media
Foto: Il Sismografo
Parte da opinião pública reage sentindo incômodo ou talvez escândalo e é normal que seja assim. Cristãos e cristãos acreditam em Deus e isso significa, acima de tudo, que eles oram. É interessante notar que o catolicismo romano, no momento da crise e em seu mais alto nível de autoridade e representatividade, concentra-se significativamente nas formas de devoção popular: na igreja aberta se encontra um espaço sagrado onde encontrar o Santíssimo Sacramento; depois a Virgem, depois aquele crucifixo em particular.
Por outro lado, uma sensibilidade evangélica experimenta, quase com surpresa, que a concentração na palavra de Deus não é apenas uma bandeira confessional, mas efetivamente molda uma sensibilidade. Não é que a pessoa protestante não perceba o caráter asséptico (precisamente!) e limitante da comunicação litúrgica em formato eletrônico, mas aceita serenamente essa limitação. Acredito que seria um erro considerar que o catolicismo é mais "corpóreo", enquanto o protestantismo seria "etéreo". Somos todos "corpóreos" e "corpóreas", mas entendemos de maneira significativamente diferente a "corporeidade" da palavra de Deus.
Por fim, a relação com a autoridade civil.
Para a Igreja evangélica, o momento requer a máxima solidariedade com aquele que lidera o país; nessa perspectiva, a pérola da sabedoria papal de 13 de março parece, no mínimo, não necessária.
Do ponto de vista católico, o pastor dos pastores tem o dever de chamar os seus, mas também os outros, para o fato de que os museus podem fechar, mas as igrejas não, porque irradiam a presença de Deus.
Duas maneiras diferentes de entender o testemunho na esfera pública.
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Igrejas e espaço público. Artigo de Fulvio Ferrario - Instituto Humanitas Unisinos - IHU