20 Março 2020
"Estou confinado em um apartamento... As cidades parecem cidades-fantasmas", escreve Roberto Souza, em artigo publicado por EcoDebate, 19-03-2020.
Estou confinado em um apartamento, na cidade de Valência, no sudeste da Espanha. Daqui do oitavo andar do apartamento, posso ver as ruas e avenidas próximas: vazias! É uma cena que se repete em todo o país desde o último sábado (14).
As cidades parecem cidades-fantasmas. Só podem sair de casa a pé, quem se dirige aos mercados e, ainda assim, usando sacolas ou carrinhos, bem como ir às farmácias, tudo no próprio bairro. Por isso, olhando pela janela após longos dez ou quinze minutos, vejo uma ou outra pessoa atravessando a rua, mesmo assim, usando máscaras e, muitas delas, luvas.
Quem não cumpre a dura e necessária determinação do governo espanhol (que decretou estado de alarme), pode ser multado em 100 euros ou até ser detido de três meses a um ano, em caso de resistência.
A polícia circula por todo lado para garantir o cumprimento da lei. Mas por aqui, os espanhóis demonstram que estão levando a sério as recomendações. A todo o momento, as TVS atualizam as informações sobre o crescente número de infectados e mortos. As notícias da Itália, maior foco na Europa, também servem de advertência natural.
Os carros só podem ser usados para ir ao trabalho, para os poucos escritórios por aqui que ainda não adotaram home-office ou para atender situações emergenciais. Visitas aos parentes e amigos estão taxativamente proibidas. Restaurantes, bares, escolas e pontos turísticos, tudo está fechado.
Fiz toda a viagem do Aeroporto de Guarulhos até Valência, via Amsterdam, usando máscara cirúrgica e luvas. Quando cheguei ao apartamento, onde mora um casal de amigos com sua filha e mais a minha filha (ambas adolescentes estudantes), deixei a roupa na lavanderia em área ventilada, por aproximadamente 10 horas que é o tempo de sobrevida do vírus, caso tivesse captado algum durante a viagem.
Aqui ninguém manifestou sintomas do vírus, nem eu. Mas adotamos todas as recomendações de prevenção já conhecidas. E, estocamos os alimentos essenciais para a sobrevivência de cinco pessoas durante, pelo menos, duas semanas.
Ao ir ao mercado e não poder caminhar ou andar de bike pelo belo e extenso Parque Túria, é visível que direitos simples como o de ir e vir, são importantes nas nossas vidas. Só percebemos isso quando o perdemos. Dá uma vontade danada de sair correndo com sacola e tudo para ver as plantas, campos e lagos do Túria. Mas, a responsabilidade fala mais alto e retorno ao apartamento.
A academia também está fechada. Isso nos obriga a pensar em uma forma de fazer exercícios na sala, usando os inúmeros vídeos do youtube. Minha filha Adelaide localiza um, mas estou enferrujado demais para seguir todos os movimentos.
Viver confinado é ao mesmo tempo uma restrição de liberdade e uma oportunidade para testar nossa capacidade de adaptação. Como conciliar, no meu caso, o trabalho remoto da Agência RS PRESS, com internet lenta devido à inesperada demanda, o fuso horário com quatro horas na frente do relógio aqui na Europa e as atividades para preencher o resto do tempo?
Assistir os filmes que sempre quis e nunca tive tempo? Aperfeiçoar o Inglês e o Espanhol pela internet? Colocar em dia a leitura de livros? Jogar baralho? Falar com os amigos que não vejo há muito tempo? Pensei em tudo isso, mas o mais importante: como interagir da melhor forma com a minha filha e os amigos, donos da casa?
Talvez esse seja o maior desafio de todos: viver o presente, com tempo de sobra. Quando você teve a oportunidade de estar dias inteiros com sua filha, com sua (seu) companheira (companheiro)? Com seus pais?
Especialistas em relacionamento humano alertam para o risco de estresse nas relações em situações como essa, uma vez que, nem sempre e nem todos estão preparados para sair da zona de conforto e enfrentar novas realidades, como uma fatal discussão da relação, a chamada DR, por exemplo.
E o pior: sem a possibilidade de fugir da raia e dar uma voltinha para arejar a cabeça. Por outro lado, ter um longo tempo para conversar pode resgatar o amor e a consideração que as pessoas costumam ter no início do relacionamento, no início da vida.
Faço esse alerta porque esta situação que a Europa está vivendo, chegará ao Brasil nos próximos dias ou semanas.
O secretário estadual da saúde de São Paulo, José Germann, disse não crer que o governo precisará adotar medidas de isolamento compulsório para combater a expansão da pandemia do novo coronavírus, o Covid-19. Todavia, olhando para a China, Europa e Estados Unidos, vejo que o isolamento é inevitável.
Por aqui não sabemos até quando ficaremos confinados. Prepare-se para salvar sua pele e conhecer quem está bem perto de você!!! Quem poderia imaginar que a letra de Raul Seixas, “o dia em que a terra parou”, de 1977, um dia seria tão real!!!
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Novo coronavírus (COVID-19): A experiência de um confinamento compulsório - Instituto Humanitas Unisinos - IHU