21 Junho 2018
Em entrevista ao jornalista Philip Pullella, diretor do escritório da Reuters em Roma, 20-06-2018, publicada aqui parcialmente, seguindo alguns temas principais, o papa reflete, entre outros assuntos, sobre as relações entre a Santa Sé e a China, o papel das mulheres na Igreja e os abusos sexuais no Chile. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Como vai a relação de reaproximação com a China?
Estamos em um bom ponto, mas as relações com a China vão por três caminhos diferentes. Em primeiro lugar, há o oficial, a delegação chinesa vem aqui, faz a reunião, e depois a delegação vaticana vai à China. São boas relações, e conseguiram fazer coisas boas. Esse é o diálogo oficial.
Depois, há um segundo diálogo, de todos e com todos. “Eu sou primo do ministro tal que me envia para dizer que...”, e sempre há uma resposta. “Sim, tudo bem, sigamos em frente.” Existem esses canais abertos periféricos que são, digamos, humanos, e não queremos queimá-los. Vê-se a boa vontade, tanto da Santa Sé quanto do governo chinês.
O terceiro, que para mim é o mais importante no diálogo de reaproximação com a China, é cultural. Há sacerdotes que trabalham nas universidades chinesas. Depois, há também a cultura, como a exposição que fizemos no Vaticano e na China, é o caminho tradicional, como o dos grandes, como Matteo Ricci.
Eu gosto de pensar nas relações com a China assim, polifacetados, não somente a oficial diplomática, porque estas duas outras enriquecem muito. Eu acho que vai bem. Na sua pergunta, você falou de dois passos para a frente e um para trás, mas eu digo que os chineses merecem o prêmio Nobel da paciência, porque são bons, sabem esperar, o tempo é deles e eles têm séculos de cultura... É um povo sábio, muito sábio. Eu respeito muito a China.
Como o senhor responde a preocupações como as do cardeal Zen?
O cardeal Zen ensinava teologia nos seminários patrióticos. Eu acho que ele está um pouco assustado. A idade talvez também influencie um pouco. Ele é um homem bom. Veio falar comigo, eu o recebi, mas está um pouco assustado. O diálogo é um risco, mas eu prefiro o risco do que a derrota certa de não dialogar. Quanto aos tempos, alguns dizem que são os tempos chineses. Eu digo que são os tempos de Deus, avante, tranquilos.
Falemos das mulheres. O senhor disse que elas são essenciais para o futuro da Igreja. As mulheres pedem mais postos de responsabilidade na Cúria?
Eu concordo que elas devem ser mais. Para colocar uma mulher como vice na Sala de Imprensa, tive que lutar. Entre os candidatos com quem estou falando para cobrir o posto de prefeito da Secretaria para a Comunicação, havia também uma mulher, mas ela não estava disposta, porque tinha outros compromissos. São poucas, precisamos colocar mais. Agora, os dois subsecretários que eu nomeei ao Dicastério dos Leigos, Família e Vida são mulheres. Nesse sentido, é preciso seguir em frente de acordo com a qualidade. Não tenho nenhum problema em nomear uma mulher como chefe de dicastério, se o dicastério não tiver jurisdição. O dicastério para o Clero tem jurisdição, deve ser um bispo, mas os dicastérios sem jurisdição são muitos. Até mesmo para o da Economia eu não teria problema em nomear uma mulher competente. Estamos atrasados, é verdade, mas devemos seguir em frente.
Leiga ou freira? Ou ambas?
Dá no mesmo, não importa. Mulheres. Também nos Conselhos é preciso haver mulheres. Eu tenho a experiência de Buenos Aires. Primeiro, eu fazia um conselho com os conselheiros padres sobre um tema que era preciso resolver, mas, depois, discutia o mesmo tema com um grupo misto, e o resultado era muito melhor. As mulheres têm uma capacidade de entender as coisas, é outra visão. Até mesmo a experiência que eu tive aqui com as prisões, eu visitei muitas prisões, as prisões que estão sob a direção de uma mulher parecem ser melhores. Lembro que uma vez fui a uma prisão, uma daquelas prisões não grandes, mas muito vigiada, e a diretora era uma mulher, com 60 anos, mais ou menos, e depois da missa havia um refresco. Ela dizia “você faz isso, e a música, a tarantella...”. Era a mãe. Se os interiores estavam tristes, iam ao encontro dela. As mulheres sabem gerir melhor os conflitos. Nessas coisas, as mulheres são melhores. Acho que seria assim também na Cúria, se houvesse mais mulheres, mesmo que alguns disseram que haveria mais fofocas. Mas eu não acredito, porque os homens também são fofoqueiros.
Como o senhor responde a uma mulher que realmente sente o forte desejo de se tornar padre?
Há a tentação de “funcionalizar” a reflexão sobre as mulheres na Igreja, que devem fazer isto, que devem se tornar aquilo. Não, a dimensão da mulher vai além da função. É uma coisa maior. Voltemos a Hans Urs von Balthasar, que concebe a Igreja com dois princípios: o princípio petrino, que é masculino, e o princípio mariano, que é feminino, e não há Igreja sem mulheres. A Igreja é mulher, esposa de Cristo, é mulher dogmaticamente, e sobre isso é preciso aprofundar e trabalhar, e não ficar tranquilos porque funcionalizamos as mulheres. Sim, é preciso dar uma função, mas isso é pouco, é preciso ir além. Com a ordem sagrada, não se pode, porque dogmaticamente não dá, e João Paulo II foi claro e fechou a porta, e eu não volto sobre isso. Era uma coisa séria, não uma coisa caprichosa.
Mas não devemos reduzir a presença da mulher na Igreja à funcionalidade. Não, é algo que o homem não pode fazer. O homem não pode ser a esposa de Cristo. É a mulher, a Igreja, a esposa de Cristo. No Cenáculo, Maria parece ser mais importante do que os Apóstolos. Sobre isso, é preciso trabalhar e não cair – digo isto com respeito – em uma atitude feminista. No fim, seria um machismo de saias. Não devemos cair nisso. Na Igreja, são funções diferentes, a mulher também pode estar à frente de um dicastério. Ela tem uma função, mas deve ter mais do que a função. É outra dimensão de unidade, de acolhida, de esposa. A Igreja é esposa.
Falemos sobre a situação dos abusos sexuais na Igreja, que recentemente voltou ao centro das atenções com o escândalo no Chile.
Eu não gosto de falar disto agora, mas devo dizer. Vão às estatísticas. A grande maioria dos abusos ocorre no âmbito familiar e nos bairros, os vizinhos, as famílias, depois nas academias, nas piscinas, nas escolas e também na Igreja, mas alguns podem dizer que (os padres) são poucos, mas, mesmo que fosse um só, seria trágico porque esse padre tem o dever de levar essa pessoa a Deus e destruiu o caminho para chegar a Deus. Nisso, não me importam as estatísticas, é um drama geral que a sociedade deve olhar mais, assim como para o modo como gere esse problema.
Vamos para a Igreja. Isso eclodiu, claramente, nos tempos de Boston, digamos assim. Não se geria bem. Nós sabemos que as pessoas eram transferidas daqui para lá, porque não havia a consciência da gravidade disso. Mas a Igreja despertou, e a lição que eu aprendi não é original. São João Paulo II a havia aprendido com os cardeais dos Estados Unidos no caso de Boston. Bento XVI a havia aprendido com os bispos da Irlanda. Eu tive que tomar uma decisão. Como foi a questão no Chile? Eu estudei as coisas, as denúncias, com as informações que havia aqui. Fiz com que estudassem, me ajudaram, e procedi de acordo com isso.
O problema Karadima é muito complexo, porque aí se mistura a elite chilena com situações sociopolíticas. As famílias entregavam seus filhos a Karadima porque acreditavam que a doutrina era segura e não se sabia o que acontecia lá dentro. Karadima é um doente grave. É um homem cujo caso vocês estudaram. Há quatro bispos que saíram de cerca de 40 que ele preparou para o seminário, e, quando eu transferi Barros, de ordinário militar para bispo de Osorno, tudo estourou. Fiz com que estudassem o caso Barros, e não aparecia nada consistente nas informações que tinham no Vaticano.
Voltei da viagem ao Chile um pouco inquieto, “isso não se explica”, pensei. Aqui há algo que vai além da propaganda ou de algum posicionamento anticlerical. Pensando e pensando, pedi conselhos e decidi enviar uma visita canônica, Dom Scicluna, que voltou com um relatório de 2.300 páginas de declarações de 64 pessoas. Eclodiu uma coisa que não se entendia, e, quando vi isso, decidi chamar os bispos. Era a única coisa a fazer.
Com boa vontade, escrevi uma carta de 12 a 13 páginas apenas para eles; na reunião, expliquei-lhes por cerca de meia hora e depois os convidei a rezar por um dia e, depois, no dia seguinte, começou a reunião. No fim, eles disseram: “Nós queremos que o senhor se sinta livre, apresentamos a renúncia”. Eu fiquei quieto, e eles fizeram isso, e foi um gesto generoso, muito, porque eles se deram conta de que as coisas escritas na nota que eu dei a eles eram feias. Era um texto privado, mas, depois, saiu no Chile. Eles me pediram para escrever uma carta ao povo chileno, e eu o fiz. Depois, comecei a investigar, caso a caso, e aceitei três renúncias, incluindo duas no limite de idade, mas com problemas gravíssimos nas dioceses. Perguntei-me o que aconteceu no Chile, que, de mais de 70% da população que apoiava a Igreja, caiu para menos de 40%. É um fenômeno difícil de entender. Pensa-se que ali exista algo de um elitismo oculto, mas é uma opinião. Certamente, é a obra do espírito do mal.
O senhor pretende aceitar outras renúncias dos bispos do Chile?
Talvez alguns. Ainda devo aceitar as renúncias de dois que excederam os limites de idade. Mas talvez haja alguns outros dos quais aceitarei as renúncias. Em um caso, pedi que as acusações fossem entregues a ele para lhe dar a possibilidade de se defender das acusações, e depois veremos.
Como o senhor julga o trabalho do presidente Trump e, em particular, as suas decisões de retirar os Estados Unidos do acordo de Paris sobre as mudanças climáticas e de recuar nas relações com Cuba?
Sobre Cuba, fiquei entristecido, porque era um bom passo à frente, mas não quero julgar, porque, para tomar uma decisão dessas, ele deve ter tido algum motivo.
Sim, a decisão do presidente Trump sobre Paris me deu um pouco de dor, porque está em jogo o futuro da humanidade. Mas ele, às vezes, dá a entender que vai repensar; e eu espero que repense bem os acordos de Paris.
Sobre a minha posição sobre as outras coisas, eu estou do lado do episcopado e vou atrás deles. Não para me lavar as mãos, mas porque não conheço bem as coisas de lá. O episcopado sabe, e eu vou atrás das declarações do episcopado.
O que o senhor acha da situação atual, em que, nos últimos meses, cerca de 2.000 menores de idade foram divididos das famílias, dos pais, na fronteira com o México?
Eu estou do lado do episcopado. Que fique claro que, nessas coisas, eu respeito o episcopado.
O senhor sempre se preocupou com a imigração e a separação das famílias.
Sim. Por isso, estou do lado do episcopado que trabalhou tanto. Mas, nos tempos de Obama, celebrei missa em Ciudad Juárez, na fronteira, e, do outro lado, 50 bispos concelebravam, e havia muitas pessoas no estádio. Lá, o problema já existia, não é só de Trump, mas também dos governos de antes.
Voltando ao mandato que o senhor recebeu, basta a reforma da Cúria?
Acho que todos podem ser agrupados sob a reforma da Cúria, porque é uma coisa ampla. Mas também houve algumas outras coisas, por exemplo a reforma do direito matrimonial e os dois motu proprio. Isso foi algo histórico, porque havia coisas velhas. Feitas historicamente também por causa de um conflito, como a sentença dupla.
Ainda existem algumas doenças na Cúria?
As doenças existem e existirão, porque são doenças, podemos dizer, normais nesses casos. E devemos lutar. Quando eu as listei todas e, depois, também listei os remédios, era para dizer que devemos ficar atentos para não cair, mas são tentações normais. Isso continuará sempre. Acho que a sabedoria é conhecê-las para não cair.
Mas também há santos na Cúria, como o senhor disse.
Muitos, muitos, muitos. Muitos, também alguns que estão aposentados e continuam trabalhando. Esses curiais fiéis, antigos, e também jovens.
O navio Aquarius chegou à Espanha. Todo esse episódio leva a pensar que a Europa está se desfazendo sobre a questão da imigração. O ministro do Interior italiano criticou o senhor no passado, dizendo-lhe para colocar os migrantes no Vaticano. Qual é a solução para o problema da migração?
Não é fácil, mas os populismos não são a solução. Vejamos a história. A Europa foi feita de imigrações. Vejamos a atualidade. Na Europa, há um grande inverno demográfico. Ela ficará vazia. A história atual é que há pessoas que chegam pedindo ajuda. Acredito que não se deve rejeitar as pessoas que chegam, é preciso recebê-las, ajuda-las e organizá-las, acompanha-las e, depois, ver onde colocá-las, mas em toda a Europa. A Itália e a Grécia foram corajosas e generosas ao acolher essas pessoas. No Oriente Médio, a Turquia também foi corajosa, o Líbano, a Jordânia. Em certo ponto, todos fazemos isso, não? As pessoas fogem da guerra ou da fome.
Voltemos à fome. Na África, por que há fome? Porque, no nosso inconsciente coletivo, existe um lema que diz que a África deve ser explorada. Tantas vezes que se vai para a África é para explorá-la. Eu falei sobre isso com a Merkel, e ela concorda que devemos investir na África, mas investir de maneira ordenada e dar fontes de trabalho, não ir para explorá-la. Quando um país dá independência a um país africano, mas do solo para cima – mas o subsolo não é independente – e depois lamenta que os africanos famintos vêm para cá, há injustiças lá! A Europa deve fazer um trabalho de educação e investimento na África para evitar a imigração na raiz. Alguns governos estão pensando bem nisso, e depois é preciso organizá-los como se pode, mas criar a psicose não é um remédio. E há também um problema. Nós mandamos de volta as pessoas que vêm. Essas pessoas acabam nas prisões dos traficantes.
Então o populismo não resolve.
O populismo não resolve, mas o que resolve é a acolhida, o estudo, a organização, a prudência, porque a prudência é uma virtude do governo, e o governo deve se pôr de acordo. Eu posso receber um certo número e organizá-los. Há um tráfico de escravidão lá, os governos devem entender isso, mas não é fácil fazer a acolhida, a educação, integrá-los na medida que se pode, e não se pode buscar uma solução única. A solução primeira é a de investir no lugar quando não há guerra.
Qual é a sua visão para o futuro da Igreja?
A Igreja segue em frente. Os povos estão abertos, mas são pecadores, somos todos pecadores; mas, quando se veem os sinais da presença de Deus – pensemos nas obras de misericórdia – as pessoas se abrem, porque buscam a salvação, buscam a imortalidade, buscam o encontro com Deus. O futuro da Igreja está aí. O futuro da Igreja está no caminho, caminhando; é verdade, está também na adoração, na oração, nos templos, mas sair, sair. O Apocalipse diz que o Senhor está à porta e chama. Sim, chama para que nós abramos para ele. Mas hoje eu acredito que o Senhor muitas vezes bate na porta para que nós abramos para deixá-lo sair. Porque, muitas vezes, temos um Cristo fechado. Uma Igreja que sai, sim, poderia ter acidentes, mas uma Igreja que está fechada adoece. Sair, sair com a mensagem: esse é o futuro.
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Mulheres na Igreja: ''Estamos atrasados, é verdade, mas devemos seguir em frente.'' Entrevista com o Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU