11 Junho 2018
Defensores da ordenação de mulheres na Igreja Católica disseram que estão "profundamente consternados" com uma reportagem publicada num jornal, escrita pelo chefe doutrinal do Vaticano reafirmando a proibição do sacerdócio feminino como "definitiva" e "uma verdade pertencente à tradição da fé".
A reportagem é de Dennis Coday, publicada por National Catholic Reporter, 09-06- 2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
"Os argumentos do arcebispo [Luis] Ladaria não são convincentes e não trazem nada de novo", segundo um comunicado da Women's Ordination Conference (Conferência para a Ordenação das Mulheres), logo após o lançamento do artigo de Ladaria. "Por quanto tempo o Vaticano vai se esconder por trás dos argumentos sexistas de que como Jesus era homem ele queria que apenas homens fossem sacerdotes?", diz a declaração.
Na edição de 30 de maio do jornal do Vaticano L'Osservatore Romano, Ladaria, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, disse que Jesus decidiu reservar o sacramento da ordenação sacerdotal "aos doze apóstolos, todos homens, que, por sua vez, comunicaram-no a outros homens".
"A Igreja sempre reconheceu que estava vinculada a esta decisão do Senhor, que exclui que o sacerdócio ministerial possa ser validamente realizado por mulheres", afirmou Ladaria.
O texto de Ladaria, O caráter definitivo da doutrina da Ordinatio sacerdotalis. A propósito de algumas dúvidas, reavalia a carta apostólica do Papa João Paulo II de 1994 que delineou o raciocínio por trás da proibição da ordenação sacerdotal de mulheres.
O arcebispo disse que decidiu escrever "em resposta à dúvida" sobre o ensino de João Paulo, acrescentando que expressar dúvidas sobre a restrição do sacerdócio às mulheres "cria uma grave confusão entre os fiéis".
"A única 'confusão grave' entre os fiéis é por quanto tempo o Vaticano vai continuar apresentando argumentos indefensáveis para tentar limitar o alcance do chamado de Deus", disse Kate McElwee, diretora executiva da Women's Ordination Conference (Conferência para a Ordenação das Mulheres).
De acordo com o teólogo britânico John Wijngaards, "Sim, há confusão entre os fiéis, mas não porque eles duvidam da validade do sentimento interior do que é genuinamente cristão e católico, mas porque as pessoas que deveriam guiá-los ignoram suas justas preocupações".
"A confusão é saudável quando conduz a um processo de reavaliação honesto", acrescentou Wijngaards, professor emérito do Instituto Missionário de Londres e fundador do Instituto Wijngaards de Pesquisa Católica.
As estatísticas mostram que a maioria dos católicos com alto grau de instrução acreditam que as mulheres devem poder ser ordenadas, observou. "Sua crença não decorre de estudos teológicos, mas de seu 'sentido católico', seu julgamento de que Jesus, que sempre tratou mulheres e homens de forma igual, não proibiria as mulheres de serem ordenadas no mundo de hoje".
"Esse sensus fidei é a base do magistério de toda a Igreja, uma base a que os líderes hierárquicos deveriam prestar atenção em qualquer decisão magistral", declarou.
Em seu ensaio, Ladaria, que será tomará posse como cardeal pelo Papa Francisco em 28 de junho, aborda o debate sobre a natureza de Ordinatio Sacerdotalis, a encíclica de João Paulo II, especialmente sobre a questão de ser um ensinamento pontifício infalível.
Ladaria argumenta que, embora João Paulo II não tenha proclamado formalmente que se tratava de um ensino ex cathedra — conforme indicado pelo documento do Concílio Vaticano I Pastor Aeternus como parte do processo de o papa declarar algo de forma infalível — o Papa "formalmente confirmou... o que o magistério ordinário e universal considerou que pertencia à tradição religiosa ao longo da história da Igreja".
"Para confirmar que não é algo definitivo, argumenta-se que não foi definido ex cathedra e que, então, uma decisão posterior por outro papa ou concílio poderia revertê-lo”, afirmou. "Semear essas dúvidas cria uma grave confusão entre os fiéis, não apenas sobre o sacramento das ordens como parte da constituição divina da Igreja, mas também sobre a capacidade do magistério ordinário de ensinar a doutrina católica de modo infalível".
Wijngaards disse: "Como demonstra a história, muitos papas fizeram declarações que acreditavam ser 'definitivas', mas que acabaram sendo falhas. O caráter 'definitivo' de uma declaração papal não advém apenas da intenção do Papa em questão. Está intimamente ligado ao seu contexto".
De acordo com Wijngaards, Ordinatio Sacerdotalis não cumpre os cinco critérios de decisão infalível pelo "magistério ordinário e universal", como descrito pelo teólogo jesuíta Karl Rahner.
Para ele, "em primeiro lugar, Ordinatio Sacerdotalis", não foi um exercício colegial de autoridade docente. Em segundo, os bispos do mundo todo não são juízes. Em terceiro, não ouviram os fiéis comuns. Em quarto lugar, a questão em causa não envolve fé ou moral revelada. Além disso, em quinto lugar, os bispos do mundo todo não queriam impor uma decisão definitiva sobre o assunto."
E acrescentou que "a crença de que só os homens podem ser sacerdotes porque todos os 12 apóstolos eram homens é biblicamente infundada. O apelo a uma 'tradição ininterrupta' de exclusão das mulheres é tão falho quanto afirmar que o mundo foi criado em seis dias porque todos os bispos, os pais da Igreja e os teólogos medievais pensam assim".
A declaração da Women's Ordination Conference também observa que, mesmo no documento de 1994, João Paulo II afirma que a questão da ordenação das mulheres "neste momento em alguns lugares... ainda é considerada aberta ao debate".
"A presença contínua de um forte movimento pedindo a ordenação das mulheres mostra que Ordinatio Sacerdotalis está longe de ser considerado doutrina pelos fiéis da Igreja", dizia o comunicado.
McElwee disse que, "enquanto a Igreja institucional continua rejeitando as vocações sacerdotais das mulheres, as comunidades católicas reconhecem os dons das mulheres e as acompanham num caminho de inclusão radical".
Entre os que estão percorrendo "um caminho de inclusão radical", está Bridget Mary Meehan, uma das quatro bispas do movimento Associação de Mulheres Sacerdotes Católicas Apostólicas Romanas e pastora da Comunidade Católica Inclusiva Maria Mãe de Jesus, em Sarasota, Flórida. Estima-se que a Associação de Mulheres Sacerdotes Católicas Apostólicas Romanas tenha cerca de 250 sacerdotes no mundo todo.
"A afirmação do Vaticano da proibição de sacerdotes mulheres como sendo uma doutrina 'definitiva' tem como base unicamente a autoridade patriarcal da Igreja", disse Meehan. "Ao fazê-lo, nega o trabalho do Espírito Santo junto ao povo de Deus".
Para Janice Sevre-Duszynska, ordenada Mulher Sacerdote Católica Apostólica Romana em 2008, "nosso movimento está crescendo com entusiasmo entre os católicos em comunidades de base, principalmente em meio aos LGBTI marginalizados e aos [católicos] divorciados, bem como todos os que buscam uma mesa maior onde toda a família amada por Deus possa se reunir para celebrar os sacramentos e servir seus irmãos e irmãs no amor mútuo de uma comunidade de pessoas iguais umas às outras".
Ambas observaram que o artigo de Ladaria coincide com o 10º aniversário da emissão de um decreto geral da Congregação para a Doutrina da Fé excomungando os membros do movimento e seus apoiadores. O decreto afirmava que "tanto quem tentasse conferir ordens sagradas a uma mulher e a mulher que tentasse recebê-las estão sujeitos a de excomunhão latae sententiae [automaticamente]".
O decreto não menciona o grupo nem seus membros explicitamente, mas apresenta uma série de ordenações de mulheres conhecidas realizadas naquele ano e no ano anterior.
"Por que [trazer isso] agora, 10 anos depois?", perguntou Meehan. "O que aconteceu com isso? Talvez queiram que publiquemos um relatório do nosso progresso".
Digam, disse ela, que "sim, continuamos crescendo e florescendo".
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Defensores consternados com a reafirmação da proibição da ordenação presbiteral de mulheres - Instituto Humanitas Unisinos - IHU