30 Outubro 2017
Poucos dias depois que um grupo de homens armados sequestrou o seu filho de 27 anos, María construiu um santuário a São Judas Tadeu em sua casa na cidade de Guadalajara, no México.
“Guardo fotos, velas e água benta no altar”, diz Maria. “É aí onde suplico a Deus e deixo as minhas emoções se expressarem”.
A reportagem é de Stephen Woodman, publicada por National Catholic Reporter, 28-10-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Diante de uma forte concorrência com o culto a Santa Muerte, – santa herege que personifica a morte –, a Igreja Católica do México tem se aproveitado da popularidade de São Judas Tadeu, santo padroeiro das causas perdidas e situações desesperadas.
Com as supostas relíquias do apóstolo expostas para o público na paróquia local de São Judas Tadeu, María vai se juntar a milhares de devotos ansiosos para fazerem seus pedidos ao santo durante a missa no dia de sua festa, 28 de outubro.
Há poucos quilômetros de distância há um pequeno templo dedicado à Santa Muerte. Durante a semana inteira, os fiéis param no local para rezar e fazer oferendas, e uma vez por mês um sacerdote conduz uma celebração religiosa.
“A maioria das pessoas acredita que ela é satânica e que seus seguidores são todos traficantes de droga, criminosos e exploradores do sexo”, diz Daniel Santana, padre ordenado pela Igreja Católica Ortodoxa Mexicana, pequena organização dissidente. “Veem algum traficante de drogas? Veem armas AK-47?”
Fundado em 2006 por Rodrigo Lemus, o templo vem é administrado pelo irmão, Miguel Angel Lemus, desde que Rodrigo sumiu sem deixar notícias sete anos atrás, quando passou a ser um dos mais de 32 mil mexicanos que desapareceram em circunstâncias suspeitas desde 2006.
De acordo com Lemus, a maioria dos adoradores que visitam o templo se consideram católicos, mas sentem-se afastados da hierarquia da Igreja. Diferentemente de uma igreja católica, o templo de Santa Muerte permite a participação nos sacramentos sem restrições. Casais homoafetivos ou parceiros divorciados podem se casar, e a Comunhão é ofertada aos que não se confessaram.
Com orgulho, Lemus destaca esta ética inclusiva:
“O templo é para todos”, declara. “Tanto rico quanto pobre. (...) Todos são bem-vindos”.
O Vaticano assume uma visão muito menos otimista do culto à santa, a qual enxerga como uma presença profundamente ameaçadora no país, que tem a segunda maior população católica do mundo. Em 2013, uma importante autoridade eclesiástica disse que adorar a Santa Muerte era uma “degeneração da religião”. Três bispos católicos nos Estados Unidos também denunciaram a santa folclórica em fevereiro deste ano.
No entanto, apesar da postura oficial da Igreja, atualmente a Santa Muerte é o novo movimento religioso com maior crescimento nas Américas, segundo Andrew Chesnut, professor de estudos católicos da Virginia Commonwealth University e autor de “Devoted to Death: Santa Muerte, the Skeleton Saint” (Devotada à morte: Santa Muerte, a santa esqueleto, em tradução livre).
“O fato de Santa Muerte ser uma santa folclórica não julgadora, que aceita a todos independentemente da situação em que as pessoas vivem, independentemente da classe social delas, da cor da pele, é realmente apelador num país como o México, onde as lacunas entre ricos e pobres estão entre as maiores do mundo”, disse.
De acordo com Chesnut, a Igreja de São Hipólito, na Cidade do México, respondeu ao crescimento explosivo da oração do rosário mensal à Santa Muerte na capital organizando uma missa especial em homenagem a São Judas Tadeu no dia 28 de cada mês. Estas celebrações mensais atraíram multidões impressionantes e rapidamente se expandiram para outras partes do país.
“São Judas Tadeu é o único santo católico no mundo que, hoje, basicamente tem um dia festivo mensal”, declara Chesnut.
Geralmente representado em um manto verde, com uma chama sobre a cabeça e uma machadinha de madeira à mão, São Judas Tadeu era um dos 12 apóstolos de Jesus Cristo.
De forma bastante semelhante à Santa Muerte, a popularidade do santo canonizado está ligada à sua reputação como um operador milagreiro poderoso. Durante séculos, os fiéis foram cautelosos ao invocá-lo por causa da semelhança entre o seu nome e o de Judas Iscariotes, o traidor de Jesus. Entretanto, de acordo com a tradição, o santo esquecido se tornou um intermediário poderoso, pronto a assistir os necessitados.
“Espalhou-se a ideia de que São Judas pode nos ajudar com os nossos problemas mais prementes”, diz o padre morador de Guadalajara Juan Carlos López. “Por causa disso, a devoção cresceu”.
Todavia, algumas autoridades católicas já manifestaram preocupação com a popularidade do santo entre os criminosos.
“Existe um lado obscuro, negativo nisso tudo”, disse o Pe. José de Jesus Aguilar, diretor do centro radiofônico e televisivo da Arquidiocese da Cidade do México. “São Judas Tadeu também se tornou o padroeiro dos ladrões, traficantes e dos que cometem o mal. É uma contradição. Os santos não ajudam aqueles que fazem coisas erradas”.
Uma crença popular entre os devotos criminosos é que São Judas Tadeu fica aberto a pedidos mais sombrios quando retratado com uma machadinha na mão esquerda, e não na direita. Segundo Aguilar, esta crença tem origem em cópias da imagem que foram pirateadas de impressões italianas, alterando a mão que segura o instrumento de madeira. Este São Judas Tadeu canhoto se tornou extremamente popular, e imagens invertidas do santo são vendidas em muitos locais no México.
Alguns especialistas acreditam que a popularidade de São Judas Tadeu e de Santa Muerte sugere uma mudança mais radical: de uma religião dominada pelos padres e instituições para uma que encontra expressão nos altares particulares, estátuas e mesmo nas tatuagens dos devotos.
“Aqueles que não estão prontos para se retirarem da Igreja, mas que se encontram às suas margens veneram São Judas Tadeu”, diz Blanca Estela Bravo, antropóloga que escreve sobre as novas devoções religiosas em Guadalajara.
Ela salienta que, embora a Igreja Católica veja a Santa Muerte como uma ameaça importante, poucos devotos da santa da morte percebem algum conflito.
“Todos os seguidores de Santa Muerte que entrevistei são católicos”, disse. “Estas pessoas necessitam de algo extra, mas ainda sentem que são católicas”.
Observadores também identificaram uma relação entre o crescimento destas devoções e a violência da guerra mexicans contra as drogas. Mais de 200 mil assassinatos foram registrados no país desde 2006.
São Judas é objeto comum nos altares em lembrança aos muitos desaparecidos no país, enquanto Santa Muerte assentou raízes em comunidades da classe trabalhadora que vêm sendo devastada pelo crime violento.
“Os dois refletem a incerteza deste mundo”, diz Estela Bravo. “Ambos são invocados por policiais, assassinos, traficantes e outras pessoas cujas vidas estão em risco. As pessoas se voltam a eles por proteção (…) para que consigam evitar uma morte violenta”.
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México. Igreja usa São Judas para responder ao culto à Santa Muerte - Instituto Humanitas Unisinos - IHU