25 Outubro 2024
Israel está em guerra por sua sobrevivência desde antes de 7 de outubro. O país está dividido em um duplo conflito. Quando houve o ataque do Hamas e começou a ofensiva em Gaza, que depois se estendeu para o Líbano e agora, talvez, para o Irã, outro confronto já estava em andamento há mais de um ano: aquele para salvar sua essência liberal e democrática do atual governo de extrema-direita e de colonos, liderado por Benjamin Netanyahu. E dos dois, tenho mais medo do segundo”. O olhar doce e o tom gentil de Etgar Keret contrastam com a dureza de suas palavras. No entanto, ele sente o dever de proferi-las logo após o fim deste ano “tão longo quanto a eternidade e tão árido quanto o deserto”, no qual se caminha entre montanhas de cadáveres sem um horizonte claro. Um dos escritores mais lidos e conhecidos no cenário israelense, mestre da narrativa curta, diretor e roteirista, Keret está intimamente ligado a Tel Aviv, onde mora em um apartamento repleto de luz no primeiro andar.
“Para mim, Israel não é uma nação ou uma bandeira, mas seu povo, suas paisagens, seu senso de comunidade e, acima de tudo, seu idioma. Em meus 57 anos de vida, morei em apenas quatro casas em um raio de cinco quilômetros porque adoro o bairro, seus gatos, suas ruas. Não consigo abrir mão disso”, conta a autora de Sete anos bons, neto de sobreviventes do Holocausto e ativista do diálogo, enquanto Hanzo, o coelho branco, passeia circunspecto ao redor da mesa.
A entrevista é de Lucia Capuzzi, publicada por Avvenire, 23-10-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Você já pensou em se mudar para o exterior por causa da guerra?
Que guerra? Não aquela com o Hamas ou o Hezbollah ou a eventual com Teerã. Nenhum desses conflitos me levou ou me levaria a sair do país. Eu só o faria se Israel perdesse a outra guerra e se transformasse em um país onde eu não pudesse mais expressar minhas ideias ou lutar pela liberdade. Um país com o qual não me identifico mais e que não reconheço. Nesse caso, eu iria embora. E viveria em um exílio perpétuo. Nenhum país poderia ocupar o lugar de Israel em meu coração.
Uma parte da sociedade israelense, então, está em guerra com o governo de Netanyahu? Eu diria que a parte preponderante. Sete milhões de pessoas participaram dos protestos contra a reforma judicial há dois anos. A questão é que um grupo de colonos e ultraortodoxos, juntamente com Netanyahu, mantém refém o país. Escrevi isto recentemente: há 101 reféns mantidos pelo Hamas em Gaza e 7 milhões de israelenses reféns desse governo horrível que nos impede de trazer para casa os sequestrados da Faixa. Seu objetivo é transformar a nossa democracia em um Estado judaico fundamentalista. Não é a primeira vez que isso acontece. As duas anteriores, como a história nos conta, levaram à queda de Israel e, por fim, à diáspora. Portanto, afirmo que o maior perigo para este país é Netanyahu, não o ataque do Irã. Uma guerra com os aiatolás, ou qualquer “inimigo externo”, não seria capaz de nos destruir. Um conflito interno sobre os valores fundamentais que nos mantêm unidos, por outro lado, pode. Não tenho dificuldade em pensar em viver lado a lado com os palestinos e os libaneses. Acredito, aliás, que nos tornaríamos bons amigos. É claro que isso levaria tempo. Mas aconteceria. Não consigo me imaginar, entretanto, vivendo lado a lado com os colonos ou os fundamentalistas de qualquer religião, para os quais sua própria ideologia apocalíptica vale mais do que as vidas humanas.
No entanto, apesar das críticas e de mais de um ano de guerra, Netanyahu ainda está no poder. Como?
O 7 de outubro foi um choque. Quando Netanyahu disse: “Primeiro faremos a guerra para nos salvar, depois trataremos de nossos problemas”, muitos, mesmo entre seus oponentes, acreditaram nele. No entanto, com o passar do tempo, todos estamos nos dando conta que o conflito é sua ferramenta para permanecer no poder e não assumir as suas responsabilidades. Portanto, ele o prolonga ao infinito. O oposto da estratégia seguida por Israel durante setenta anos: as guerras, com exceção da Guerra da Independência, sempre foram curtas, porque somos um país pequeno que não pode arcar com os custos por muito tempo. Lutamos pelo quê, então? Mais de doze meses após o início, o governo ainda não nos explicou isso. Continua a repetir o slogan da “vitória total”, que é como dizer “amor completo”, não significa nada. Nos quadrinhos, as vitórias são totais, mas na história não são. Os conflitos terminam em acordo. A ideia que Netanyahu quer nos impor me faz lembrar aquela de Sansão, que estava disposto a morrer para matar todo mundo. É esse o futuro que queremos: fazer com que o templo caia sobre nossas cabeças a fim de matar nossos supostos inimigos? Certamente não é o que eu sonho para o país e para mim. A vitória é construir, não destruir.
Você ainda acredita que a paz seja possível?
Como escrevi em um ensaio durante a guerra em Gaza em 2014, estou cada vez menos interessado na paz. Em vez disso, acredito no compromisso. A paz é um dom de Deus, algo idílico, perfeito. O compromisso, por outro lado, é feito por seres humanos, nos quais continuo a ter fé, apesar de tudo. É por isso que não acredito que a maioria dos palestinos apoie o ataque de 7 de outubro ou que grande parte dos israelenses queira a morte dos moradores de Gaza, mesmo que algumas pesquisas digam isso. Uma coisa é responder a perguntas em abstrato, especialmente quando se está com raiva, outra é perpetrar violências.
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“Mais do que as ações de Teerã, o povo de Israel deve temer Netanyahu”. Entrevista com Etgar Keret - Instituto Humanitas Unisinos - IHU