24 Novembro 2023
"A retaliação pelo Estado sionista de Israel, sob B. Netanyahu, foi tão assimétrica e desproporcional que, segundo a própria ONU, representa um verdadeiro genocídio do povo palestino da Faixa de Gaza com a morte de milhares de criancinhas inocentes, de civis e da destruição de grande parte das casas", escreve Leonardo Boff, teólogo e escritor, autor de, entre outros livros, de O doloroso parto da Mãe Terra: uma sociedade de fraternidade sem fronteiras e de amizade social (Vozes, 2021); Comensalidade e a cultura da paz (Vozes, 2015).
Eis o artigo.
Temos assistido no dia 7 de outubro um ato terrorista contra Israel, perpetrado pelo grupo armado Hamas da Faixa de Gaza que é também uma forma convencional de organização civil da sociedade que a administram. A retaliação pelo Estado sionista de Israel, sob B. Netanyahu, foi tão assimétrica e desproporcional que, segundo a própria ONU, representa um verdadeiro genocídio do povo palestino da Faixa de Gaza com a morte de milhares de criancinhas inocentes, de civis e da destruição de grande parte das casas. Criou-se um Estado terrorista. Grassa pelo mundo afora uma onda de fundamentalismo, associado ao terrorismo e, em sua forma extrema, ao genocídio. Comecemos com o fundamentalismo.
O fundamentalismo não é uma doutrina mas uma maneira excludente de ver a doutrina. O fundamentalista está absolutamente convencido de que sua doutrina é a única verdadeira e todas as demais, falsas. Não tendo direito, podem e devem ser combatidas. Quando alguém se considera portador de uma verdade absoluta, não pode tolerar outra verdade e seu destino é a intolerância que degenera em desprezo do outro, agressividade e eventualmente guerra.
Ocorre com parte do judaísmo que se chama sionismo que pretende um Estado só de judeus. Este diz que a terra da Palestina foi por Deus entregue aos judeus e este teriam o direito de um estado exclusivamente deles. Em função disso, ocupam terras da Cisjordânia, expulsam seus habitantes árabes, tomando-lhes as casas e tudo que está dentro. O sonho do sionismo raiz busca criar um estado judaico do tamanho do tempo do rei Davi. Uma parte dos palestinos e dos árabes da região acham ter o seu direito secular e recusam reconhecer Israel como Estado por ser usurpador.
Declaram o propósito de defender e recuperar suas terras expropriadas e para isso se armam e praticam atos de violência, chegando ao terror como resposta ao terror dos radicais judeus que sofrem já há 75 anos.
Quais as características do terrorismo? A singularidade do terrorismo consiste na ocupação das mentes. Nas guerras não bastam os bombardeios aéreos, como se veem nos centenas de raids aéreos israelenses. Precisa-se ocupar o espaço físico para efetivamente se impor. Assim foi no Afeganistão e no Iraque e agora na Faixa de Gaza por parte do exército israelense. No terror não. Basta ocupar as mentes com ameaças que produzem medo, internalizado na população e no governo. Os norte-americanos ocuparam fisicamente o Afeganistão dos talibãs e o Iraque de Saddam Hussein. Mas a Al-Qaeda ocupou psicologicamente as mentes dos norte-americanos. O então ainda vivo Osama Bin Laden, no dia 8 de outubro de 2001 proclamou: "A partir de agora, os EUA nunca mais terão segurança, nunca mais terão paz".
Para dominar as mentes pelo medo, o terrorismo segue a seguinte estratégia:
- Os atos precisam ser espetaculares, caso contrário, não causam comoção generalizada.
- Apesar de odiados, devem provocar estupefação pela sagacidade empregada.
- Devem sugerir que foram minuciosamente preparados.
- Devem ser imprevistos para darem a impressão de serem incontroláveis.
- Devem ficar no anonimato dos autores (usar máscaras) porque quanto mais suspeitos, maior o medo.
- Devem provocar permanente medo.
- Devem distorcer a percepção da realidade: qualquer coisa diferente pode configurar o terror. Um árabe num avião facilmente é visto como terrorista e são acionadas as autoridades. Depois, vê-se que era um simples cidadão.
Formalizando: o terrorismo é toda violência espetacular, praticada com o propósito de ocupar as mentes com medo e pavor. Além da violência, o que se busca é seu caráter espetacular, capaz de dominar as mentes de todos. De modo geral, o terrorismo é a guerra dos fracos, dos sempre dominados e humilhados. No limite, como atualmente na Faixa de Gaza, não lhes resta outra alternativa senão resistir e cometer atos de violência. A resiliência possui seus limites.
Tememos que, após a violência genocida de Israel na Faixa de Gaza ceifando tantas vítimas inocentes, especialmente de milhares de crianças, de mulheres e também de civis, ocorram pelo mundo afora atos de terror contra os judeus ou mesmo irrompa um antissemitismo, semitismo que não deve ser identificado com o sionismo raiz.
Deus nos livre deste horror que suscita o espírito de vingança e a espiral da violência assassina.
Dada a virulência que os países militaristas aplicam àqueles que se opõem a eles, bem representados pelos estadunidenses, teme-se que o terrorismo se transforme numa manifestação em muitos países dominados. Ele não nasce em si. É a explosão de uma dominação e humilhação tão desvairada (violência primeira) que não veem outra alternativa a não ser rebelar-se, alguns se fazerem homens-bombas e praticarem atos de terror (violência segunda).
A resposta dos países dominadores é revidar de forma mais violenta ainda, fazendo guerras híbridas e absolutamente assimétricas com as armas mais modernas, matando indiscriminadamente pessoas, arrasando-lhes as casas e cometendo verdadeiros genocídios, no sentido de assassinarem crianças e idosos que nada têm a ver com a guerra, destruírem templos, hospitais, escolas e centros de cultura. Não é mais um guerra do forte contra o fraco, mas crimes de guerra e de real genocídio por parte do forte.
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Fundamentalismo, terrorismo, genocídio. Artigo de Leonardo Boff - Instituto Humanitas Unisinos - IHU