13 Setembro 2024
“É o conjunto do modo de vida que chamamos de capitalismo que está gerando a destruição, por isso dizemos que é algo estrutural, que não pode ser resolvido com medidas parciais”, escreve Raúl Zibechi, jornalista e analista político uruguaio, em artigo publicado por Desinformémonos, 09-09-2024. A tradução é do Cepat.
Muitas pessoas de nosso continente estão honestamente preocupadas com a ascensão brutal do que chamam de ultradireita. O caso de Milei, na Argentina, é ainda mais preocupante do que aquilo que Bolsonaro representou no Brasil, anos atrás, porque não há contrapesos, nem se vislumbram alternativas.
A Argentina é uma sociedade gradualmente devastada desde a ditadura militar (1976-1983), situação agravada pelo neoliberalismo e os maus governos. Sobre essa devastação foi possível que uma figura demolidora como Milei chegasse ao governo e, no entanto, segue atraindo multidões por seu discurso repleto de insultos e baixezas. Em vez de causar repulsa, essa atitude atrai milhares de pessoas, o que revela o grau de decomposição da sociedade.
Contudo, seu caso não é o único. Estão aí exemplos como Bukele, em El Salvador, que se tornou referência por seus maus-tratos e humilhações a jovens que, muitas vezes, são acusados de crimes que não cometeram. Cada vez há mais países onde é impossível governar com um mínimo de decência, como acontece na Guatemala, onde manda a procuradora Consuelo Porras, acusada de corrupção, bloqueando o governo de Bernardo Arévalo.
A devastação do tecido social e institucional afeta quase todos os países, mesmo os governados por forças que se dizem de esquerda, como é o caso da Nicarágua. A crise que se vive na Bolívia com um tremendo confronto entre o presidente eleito pelo MAS, Luis Arce, e o ex-presidente eleito pelo MAS, Evo Morales, demonstra uma luta pelo poder a qualquer custo, sem projetos diferentes que sustentem semelhante disputa.
A lista de nações em decomposição social, econômica, institucional e em crise de governabilidade (como a Venezuela atual) é muito extensa para ser analisada exaustivamente. Pretendo apenas observar que processos semelhantes estão sendo vividos entre governos de sinais aparentemente opostos.
A questão que penso que precisamos nos fazer é acerca da relação entre o modelo extrativista/Quarta Guerra Mundial e tal decomposição societal. Para ir ao fundo da questão, devemos incluir o chamado crime organizado dentro do modelo extrativista neoliberal, já que é uma peça a mais da guerra em curso contra os povos e a mãe terra. Embora os meios de comunicação apresentem o narcotráfico como um desvio da norma, sabemos que nos territórios opera em cumplicidade com os aparatos armados do Estado para controlar e deslocar populações.
Nos países e regiões onde são registradas crises humanitárias e sociais, observamos a presença da violência extrativa em todas as suas formas: do narcotráfico à extração ilegal de ouro, tráfico de pessoas e órgãos, de armas e de bens comuns. A loucura pelo lucro e a acumulação está nos devastando.
A brutalidade sistêmica não deixa nada de pé a não ser os rituais eleitorais envernizados pelos meios de comunicação como democracia. Nos territórios dos povos, deixa um rastro de destruição, tecidos sociais despedaçados e grupos armados que fazem da violência a sua linguagem preferida. Todos confluem na tarefa de limpar territórios para abrir rotas aos diversos tráficos e converter a vida em mercadorias, como já explicou o subcomandante Marcos, há um quarto de século, no texto Quais são as características fundamentais da IV Guerra Mundial?.
Se estivermos certos e uma tormenta de grandes proporções estiver só começando, não podemos atribui-la a uma determinada força política, ao presidente da vez ou a certas instituições do Estado-nação. É o conjunto do modo de vida que chamamos de capitalismo que está gerando a destruição, por isso dizemos que é algo estrutural, que não pode ser resolvido com medidas parciais, nem com encontros como a COP (Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade) que acontecerá, no próximo mês, na Colômbia.
Não é o pessimismo, nem a fatalidade, mas é o realismo que nos leva a dizer que a catástrofe/colapso é iminente e que não vale a pena nos entreter, nem se distrair com participações eleitorais ou concordatas com o sistema. A urgência é nos colocar a salvo da tormenta, como povos e coletivos, não de modo individual. Para isso, é imprescindível construir modos de vida ancorados na autonomia para buscarmos a saúde e os alimentos necessários, porque do sistema só virão destruição e violência.
A criação de outros mundos não é apenas para nos proteger, mas é o primeiro passo para reconstruir sociedades devastadas pelo capitalismo realmente existente. Tal reconstrução não será realizada pelos de cima, mas pelos povos organizados. Como destacou o EZLN, a devastação também inclui os Estados-nação, cujas instituições estão sendo destruídas por este sistema para acelerar a acumulação de riqueza.
Em toda a nossa região, temos um conjunto de pequenas e médias iniciativas locais que estão mostrando o caminho. É possível que durante a tormenta não só consigamos resistir e continuar construindo, mas que outros povos, grupos e setores sociais vejam nelas uma inspiração para sobreviver e reconstruir a vida.
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O papel devastador do extrativismo. Artigo de Raúl Zibechi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU