28 Fevereiro 2024
"A primeira Roma, a do Tibre, e a terceira, a de Moscou, estão agora a uma distância sideral. E, assim, depois de 730 dias de guerra – que Putin chama de Operação militar especial – sangue ucraniano e sangue russo continuam a escorrer no Dnipro, o grande rio que corta a Ucrânia ao meio e, de certa forma, também a Ortodoxia", escreve Luigi Sandri, jornalista italiano, em artigo publicado por L'Adige, 26-02-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Dois anos após o ataque russo à Ucrânia, o Papa de Roma e Kirill, o Patriarca de Moscou, assistem, o primeiro praticamente impotente, o segundo participando espiritualmente, à continuação de um conflito que já provocou um massacre.
Francisco disse no Angelus: “Ontem recordamos com dor o segundo aniversário do início da guerra na Ucrânia". E continuou: “Quantas vítimas, feridos, destruições, angústias, lágrimas num período que está se tornando terrivelmente longo e cujo fim ainda não pode ser visto! Enquanto eu renovo o meu profundo afeto pelo atormentado povo ucraniano e rezo por todos, suplico que se encontre aquele pouco de humanidade que nos permita criar as condições para uma solução diplomática em busca da uma paz justa e duradoura”.
Muito diferentes, porém, são os discursos dos últimos dias do chefe da Igreja Ortodoxa russa que, celebrando o “Dia do Defensor da Pátria” na sexta-feira, exaltou a coragem dos soldados no cumprimento da sua missão e o dever da Igreja de estar ao lado deles (também com os “capelães militares” ortodoxos). Nenhuma menção explícita ao conflito com a Ucrânia; mas Kirill já havia expressado sua opinião sobre isso várias vezes. Nos últimos meses, e mantendo sempre silêncio sobre os eventos bélicos em ato e as suas catastróficas consequências, tinha evocado um choque quase metafísico entre o “Bem” e o “Mal”: o primeiro, na sua opinião, guardado pelo Oriente, o segundo pelo Ocidente.
Mas no dia 23 de janeiro, há um mês, convidado pelo parlamento, foi ainda mais claro: o Ocidente, antigamente cheio de valores cristãos, há algumas décadas os está traindo ao aceitar as uniões homossexuais e outros vícios condenados pelas Escrituras. E concluiu: “O que tem a ver com tudo isso a Rússia com suas tradições?” Implícito: a responsabilidade pelo que está acontecendo na Ucrânia é do Ocidente que está destruindo a “herança cristã” tenazmente defendida na Rússia de hoje, liderada por Putin.
De fato, o chefe do Kremlin sente-se muito bem na Weltanschauung de Kirill; portanto ambos não podem aceitar um papa que definiu o conflito russo-ucraniano como “loucura”.
Assim, a primeira Roma, a do Tibre, e a terceira, a de Moscou, estão agora a uma distância sideral. E, assim, depois de setecentos e trinta dias de guerra – que Putin chama de Operação militar especial – sangue ucraniano e sangue russo continuam a escorrer no Dnipro, o grande rio que corta a Ucrânia ao meio e, de certa forma, também a Ortodoxia.
Afinal, todos as Igrejas ucranianas, embora divididas entre si, e a Ortodoxia russa, professam de fato a mesma e idêntica fé em Cristo morto e ressuscitado, mas, ao mesmo tempo, estão divididíssimas, tendo um juízo ético irreconciliável sobre a guerra em curso. Fortemente desejada por Putin, que daqui a um mês - tendo eliminado possíveis adversários, como Alexei Navalny - será reeleito triunfantemente presidente do maior país do mundo
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Papa e Patriarca de Moscou divididos pela Ucrânia. Artigo de Luigi Sandri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU