27 Fevereiro 2024
A terceira primavera da guerra será a mais dura. Isso pode ser percebido pelos sinais vindos das trincheiras. Aquelas russas foram construídas em ziguezague pelas escavadeiras de empresas especializadas, com bunkers projetados para sobreviver a tiros de canhão e incursões de veículos blindados. Aquelas ucranianas foram rapidamente escavadas pelos soldados, cavando o solo congelado com pás e machados. São retas como na Grande Guerra, sem abrigos de concreto: se o inimigo conseguir entrar em um único ponto, toda a guarnição estará condenada.
O comentário é de Gianluca Di Feo, publicado por La Repubblica, 24-02-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
A comparação mostra como as tropas de Kiev não estavam preparadas para lutar na defesa: tinham sido treinadas apenas para a ofensiva, convencidas de que a vitória viria em 2023. Em vez disso, os seus ataques pararam diante do fogo cruzado das posições inimigas e agora a situação inverteu-se.
O presidente Zelensky reconheceu que “as condições são críticas em muitos setores” e culpou a suspensão dos fornecimentos estadunidenses imposta pelos republicanos ao Congresso. Não há dúvida de que o vazio criado pelo fim das ajudas dos EUA está cobrando o seu preço, especialmente da artilharia, protagonista de todas as batalhas: hoje os canhões russos disparam dez vezes mais tiros.
Mas os problemas são profundos. Faltam homens, porque as divisões não recebem substitutos e têm números cada vez mais reduzidos: no outono o general Zaluzhny pediu em vão a mobilização de meio milhão; Zelensky o demitiu alguns meses depois, numa decisão que causou perplexidade entre os militares. O efeito de tal escolha foi visto na queda de Avdiivka, guarnecida por batalhões com fileiras reduzidas à metade: soldados exaustos que se sentiram abandonados.
Numa guerra de atrito, os números são importantes. Após as derrotas em Kiev, Izyum e Kherson, o Kremlin ativou uma máquina industrial sem precedentes. Dos depósitos saem centenas e centenas de veículos blindados herdados da URSS, que as oficinas modernizam e enviam imediatamente para o front. As fábricas trabalham dia e noite para produzir novos modelos de tanques, mísseis, drones e sistemas de interferência eletrônica. Cargas de munições e de explosivos tão simples quanto mortais partem do Irã e da Coreia do Norte. Contudo, não é apenas uma questão de quantidade.
Os melhores soldados russos, os profissionais enviados “para conquistar Kiev em poucos dias”, foram dizimados na primavera de 2022 pela reação surpreendente e orgulhosa à invasão. O general Gerasimov percebeu então que era necessário mudar as táticas e atualizar os equipamentos. Um processo retardado pelo legado da mentalidade soviética que começa a dar frutos. Até outubro passado os céus eram dominados por pequenos drones ucranianos, agora foram substituídos pelos de Moscou.
Ainda há pelotões destinados ao massacre como bucha de canhão, mas ao lado deles aparecem equipes que agem de forma coordenada e eficiente. A Força Aérea, ausente do combate por meses, assumiu um papel incisivo e cobre de bombas teleguiadas os redutos inimigos.
Apesar da vantagem, poucos analistas acreditam que o Kremlin possa alcançar um sucesso militar definitivo. No momento mantém toda a linha sob pressão, buscando um ponto fraco em quatro áreas diferentes. No entanto, é muito difícil que uma brecha provoque a queda das defesas: os ucranianos cedem terreno, mas lutam quilômetro por quilômetro. Putin só tem uma maneira de vencer no campo: desencadear um colapso, que quebre a vontade de resistir.
A partida decisiva é disputada além do front. E é um desafio sobre a informação para condicionar o moral do povo ucraniano: inserir-se nos conflitos políticos inevitáveis numa democracia e na crise militar para semear desconfiança. Uma operação sem fronteiras, manipulando a campanha eleitoral estadunidense e europeia para dificultar a solidariedade para com Kiev e abrandar as medidas contra Moscou. Uma verdadeira guerra híbrida, exatamente como teorizada pelo general Gerasimov, explorando a antiga habilidade do Kremlin na desinformação.
Putin tem pressa em encerrar o jogo. Ele sabe que tem poucos meses para concretizar os seus planos: se o conflito não parar, no verão será obrigado a decretar outra mobilização que prejudicará o seu consenso. E em breve as reservas soviéticas de materiais bélicos acabarão: os recém-produzidos – cerca de 300 tanques num ano – não podem ser suficientes para alimentar batalhas que engolem centenas de veículos blindados.
Isso leva muitos analistas a acreditar que ele empregará todas as suas forças na primavera, com o objetivo de celebrar a sua reeleição à presidência com um troféu para exibir.
O objetivo parece ser o cessar-fogo, que lhe entrega o controle da região a leste do rio Dnipro e um alargamento do Donbass. Depois a propaganda se encarregará de apresentá-lo como triunfante e de pressionar para redefinir os arranjos de poder planetárias.
Para os ucranianos, a negociação continua inaceitável, porque significaria a perda de uma parte do país e o fracasso da estratégia de Zelensky. O seu futuro depende da ajuda ocidental e da capacidade da Europa de suprir a interrupção estadunidense. A partir de junho entrarão em serviço os primeiros caças F16 e finalmente haverá aviões modernos. Estes dois anos, no entanto, demonstraram que não existem armas capazes de fazer a diferença: Kiev precisa de uma reforma das forças armadas que lhes permita superar a fase negativa. E deve decidir outro sacrifício: enviar mais homens para as trincheiras. Mais um tributo de sangue pela liberdade.
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Guerra Ucrânia-Rússia. A batalha no campo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU