27 Fevereiro 2024
"O plano B não quer dizer render-nos à autocracia de Putin e ao seu sistema repressivo feroz e generalizado, viu isso com Navalny, mas dar-se conta que Zelensky não pode vencer essa guerra, pelo menos em termos absolutos", escreve Alberto Negri, filósofo italiano, em artigo publicado por Il Manifesto, 22-02-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Crise na Ucrânia. Para Michel (Conselho Europeu), “só existe um plano A: apoio à Ucrânia”.
“Apoio” cada vez menos convicto numa Europa em recessão, com os EUA que puxam o freio sobre as ajudas militares. Nenhuma rendição ao autocrata russo e ao seu sistema repressivo – veja-se Navalny. Mas deve ser considerado que Zelensky não pode vencer, pelo menos em termos absolutos. E Putin também está pela metade.
O horror, mais cedo ou mais tarde, terá de ter um fim. A guerra na Ucrânia fez centenas de milhares de mortes e tornou a Europa mais pobre, insegura e instável. Depois de dois anos nos encontramos em um paradigma que já mudou em relação à época em que o objetivo do Ocidente era ajudar a Ucrânia a vencer. Agora o discurso centra-se em como ajudar a Ucrânia a proteger-se e conservar os quatro quintos de seu território não ocupado por Vladimir Putin com a invasão de 24 de fevereiro de 2022. Segundo uma pesquisa do Conselho Europeu de Relações Exteriores apenas 10% da opinião pública europeia acredita que a Ucrânia tem condições de vencer, a menos que haja um alargamento do conflito para a OTAN que também poderia acarretar uma guerra nuclear.
E infelizmente o retorno do Doutor Fantástico, evocado por Tommaso Di Francesco no manifesto de 16 de fevereiro não é apenas um pesadelo, mas já faz parte do debate sobre o rearmamento em curso na Europa especialmente depois das farpas de Trump: “Direi a Putin para atacar os países europeus que não gastam para a sua defesa". Assim afirmou o homem que nas pesquisas ainda é o favorito nas eleições presidenciais estadunidenses de novembro.
Talvez seja hora de se mexer para encontrar uma alternativa para a guerra ucraniana (e talvez também para aquela em Gaza), aquele Plano B que o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, rejeita com obstinação: “Só existe um plano A: apoio à Ucrânia”. Sim, mas o “apoio” à Ucrânia está cada vez menos convicto numa Europa em recessão econômica enquanto os Estados Unidos ainda seguram firmes os cordões da bolsa das ajudas militares a Kiev.
Charles Michel e um grupo de líderes europeus parecem não ter percebido que já estamos agora além do “cansaço de guerra”: a situação no campo parece pender para o lado dos russos. E a guerra não é travada apenas nos campos de batalha, mas também nas urnas das eleições, como também demonstraram os casos do passado, desde a guerra francesa na Argélia até aquela estadunidense no Vietnã. Mas aqui entre nós – vale ressaltar – temos uma oposição tão exangue que não consegue contemplar uma alternativa aos horrores contemporâneos, da Ucrânia à Gaza. São (e serão) os fatos que farão mudar de ideia Michel e os líderes europeus.
O plano B não quer dizer render-nos à autocracia de Putin e ao seu sistema repressivo feroz e generalizado, viu isso com Navalny, mas dar-se conta que Zelensky não pode vencer essa guerra, pelo menos em termos absolutos. Pelo contrário. O fato de ainda estar no poder em Kiev já é uma vitória, dado que Putin pretendia colocar um governo “amigo” em seu lugar. Houve pesadas perdas territoriais, mas a Crimeia já havia sido perdida em 2014 e o Donbass há tempo é palco de uma sangrenta guerra civil.
O próprio Putin é um "vencedor pela metade": queria colocar em crise a OTAN e o cerco atlântico com a entrada da Finlândia e da Suécia tornou-se mais sufocante. A guerra e as sanções forçaram-no a se jogar nos braços da China e a recorrer à ajuda militar do Irã e da Coreia do Norte, países que antes dependiam dele e de Pequim. Putin, que se prepara para vencer novamente as eleições, está sob pressão. Teve que lidar com a revolta de Prighozhin (eliminado), a economia resiste, mas, a médio prazo, segundo a própria admissão do Kremlin, poderá sofrer contragolpes. E, além disso, a oposição interna poderia manifestar-se, mais que em bases ideológicas e políticas alimentada por reivindicações étnicas e regionais, como aconteceu com as manifestações em janeiro no Bascortostão: as contradições e os problemas estruturais da Federação Russa são acentuados por uma guerra que recrutou nas províncias mais pobres e remotas.
Já há sinais vindos dos campos de batalha e da diplomacia de que no horizonte perfila-se um Plano B. Enquanto a contraofensiva ucraniana fracassou (após meses de incrível propaganda nas mídias ocidentais) e Zelensky admitiu o desastre ao fazer os líderes militares pagarem por isso com um expurgo, a pressão dos aliados está se multiplicando sobre o presidente ucraniano para assumir uma posição mais adequada às circunstâncias, ou seja, defensiva, que vai desde a concentração militar nos redutos mais sólidos (Kramatorsk) até às provas de uma eventual evacuação de Karkhiv (da qual aqui obviamente ninguém fala).
É claro que o Ocidente não quer dar a impressão de dar vantagem a Putin, mas o fato de estarem tentando preparar o terreno para uma acomodação está se tornando cada vez mais visível. O próprio discurso sobre a entrada da Ucrânia na OTAN parece estar visivelmente mais lento, mesmo com os acordos bilaterais de defesa que Kiev está firmando ou negociando com os seus parceiros da Aliança Atlântica (da Grã-Bretanha à Alemanha e à Itália). O verão do hemisfério setentrional, com a cúpula da OTAN em Washington, em julho, trará mais conselhos.
Além disso, o ex-chefe do Estado-Maior dos EUA, Mark Milley, foi claro mais de uma vez nestes dois anos: “Nenhum dos dois vencerá realmente essa guerra e ela acabará na mesa de negociações”. O plano B já existia.
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Rússia-Ucrânia, chega de guerra: o “plano B” já existe. Artigo de Alberto Negri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU