06 Junho 2023
Na década de 1960, o psicólogo estadunidense Charles Egerton Osgood, em um período de grande corrida armamentista que as duas superpotências estadunidense e soviética estavam travando, propôs em seu An alternative to war and surrenderu uma teoria de redução gradual das tensões que ficou conhecida pela sigla Grit (Graduated reciprocation in tension reduction).
A reportagem é de Luca Attanasio, publicada por Domani, 04-06-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
A ideia, aplicável em qualquer caso de conflito, partia do pressuposto de que nenhuma das duas partes realmente pretendesse atacar e prejudicar a outra, o problema é que ambas percebiam o oposto. Na base do olhar perpetuamente hostil entre as duas, portanto, de acordo com Osgood, havia um falso problema e políticas conciliatórias segundo ele teriam sido úteis para reduzir as suspeitas e tensões. Segundo o historiador Alan R. Collins essas estratégias Grit, ainda utilizadas em áreas de resolução de conflito, teriam apoiado, trinta anos depois, a escolha de Gorbachev de realizar o passo histórico que pôs fim à Guerra Fria.
Outros defendem, ao contrário, que o que fez Moscou desistir foi o clamoroso aumento dos arsenais militares proposto por Reagan nos anos anteriores. Querendo analisar os fatos, porém, três anos depois da queda da Cortina de Ferro, justamente do então presidente dos Estados Unidos, George H.W. Bush veio um sinal claro de distensão: "Podemos recolher - declarou em 1992 - um autêntico dividendo de paz este ano e depois no seguinte, sob a forma de uma redução permanente dos orçamentos de defesa".
Dito e feito, os Estados Unidos passaram de 6% do PIB em gastos militares em 1989 para cerca de 3% em dez anos. A partir daquele momento, os gastos com defesa no mundo foram caindo de 847 bilhões de dólares em 1992 para 756 em 2000 (fonte Sipri, Instituto International de Pesquisa sobre a Paz de Estocolmo, ndr.)
Depois aconteceu o 11 de setembro, os conflitos no Afeganistão e no Iraque e uma nova temporada de corrida armamentista, junto com o novo milênio. Ora, com a invasão da Ucrânia pela Rússia, os rumores de guerra entre EUA a China por Taiwan e os ventos nucleares que sopram do Irã, a situação parece ter escapado do controle e blocos de nações, bem como países isolados, estão se equipando como nunca antes neste século. A partir de 2001, houve um aumento gradual das despesas militares no mundo com um aumento significativo desde 2015 que levou em 2022 a um crescimento dos gastos globais com a defesa em quase 4% em termos reais e a superar os dois bilhões de dólares.
Conforme relata o Economist, nesse interim, os preços das ações das empresas do setor registraram um resultado melhor do que o mercado acionário em geral, enquanto o objetivo que a OTAN havia estabelecido para cada país membro de chegar a 2% do PIB alocado para a defesa, está se transformando rapidamente em um piso, não em um teto, um ponto de partida e não de chegada. O número de países da OTAN que já atingiram a meta de 2 por cento aumentou de três em 2014 para sete no ano passado e a expectativa é que o tema seja um dos pontos mais polêmicos da próxima cúpula na Lituânia em julho.
A Polônia pretende atingir 4% até 2023 e dobrar o tamanho do seu exército, a França, conforme seu ministro da Defesa, Lecornu, quer um aumento de investimentos nos sistemas de defesa cibernéticos, espaciais e submarinos enquanto Macron fala sem meios termos da passagem do seu país para uma "economia de guerra". A Alemanha já declarou planos para superar o teto de 2%, o Japão prevê aumentar para 51,4 bilhões de dólares os gastos militares, registrando um crescimento de 26,3% em relação a 2022. Uma exceção é o Canadá que, como declarado pelo primeiro-ministro Justin Trudeau, não tem intenção de "jamais atingir" a meta de 2%.
O resto do mundo, é claro, não fica só olhando. Nos últimos dez anos, os gastos militares da Índia cresceram cerca de 50 por cento exatamente como em seu vizinho e histórico inimigo Paquistão. O orçamento de defesa da China aumentou cerca de 75% na última década. Os países do Golfo aumentam as despesas assim como vários estados africanos, primeiro entre eles a Argélia que apenas alguns meses atrás, assinou um acordo gigantesco de cerca de 12 bilhões de dólares com Moscou para a compra de armamento que a levará a um aumento esperado de despesas destinadas à defesa de 130%.
Nas décadas que se seguiram à Guerra Fria, para citar um número muito significativo relatado pelo Economist, o mundo “liberou” cerca de 4 trilhões de dólares por ano em gastos militares que foram para as infraestruturas, serviços públicos ou utilizados para reduzir a dívida ou os impostos.
Agora? A questão do aumento das despesas militares levanta, entre muitas outras, duas questões fundamentais: se aumenta o gasto de um lado em qual outro se reduz? E, é mais seguro um mundo superarmado?
“A vantagem econômica – explica Francesco Vignarca, coordenador das Campanhas Rete Pace Desarmo – é para poucos, alguns setores indústrias e de políticas conseguem enormes lucros, mas se olhamos para os dados absolutos e relativos, o investimento em armas não é nada vantajoso e vai em detrimento de outros. Há muito mais empregos e retornos econômicos em setores como a energia limpa, educação, saúde. Como explica The Job Opportunity Cost of War (Heidi Garrett Peltier), um milhão de dólares em gastos militares cria menos empregos do que o mesmo gasto em outros nove setores. A despesa com ensino fundamental e médio é a que cria mais empregos, com 19,2 por um milhão de dólares. Argumentar que os gastos militares beneficiam a economia é falso sem dúvida alguma. Além disso, o aumento dos gastos militares está tornando o mundo mais inseguro, porque prepara os Estados para responder de forma armada a qualquer tipo de desigualdade ou insegurança. Pelos dados de que dispomos, o aumento dos gastos pode transformar uma situação de tensão em um conflito aberto com mais facilidade”.
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A nova corrida armamentista global começou, mas poucos ganharão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU