22 Dezembro 2023
Jaber Suleiman nasceu na Palestina, em 1945, três anos antes da criação do Estado de Israel. Ainda criança, tornou-se um dos deslocados durante a Nakba ou catástrofe, na qual cerca de 750.000 palestinos foram expulsos de suas casas, em 1948. Sua família fugiu da aldeia de Tel Al Turmus e se estabeleceu no que hoje é Gaza, onde atualmente alguns de seus parentes distantes ainda residem.
O jovem Jaber viveu naquele local até que, em 1963, foi para o Egito realizar os seus estudos universitários e, mais tarde, instalou-se em Beirute, embora tenha passado temporadas em outros países e viajado pela Europa e os Estados Unidos. Assim como muitos outros palestinos, nunca conseguiu retornar à sua terra natal e foi um refugiado durante toda a sua vida, uma vida dedicada a ajudar outros palestinos no exílio e a conscientizar sobre o direito de retorno.
Na última segunda-feira, sua “luta constante” foi reconhecida com uma Menção Especial nos prêmios Juan María Bandrés, da Comissão Espanhola de Ajuda ao Refugiado (CEAR), cuja diretora-geral, Estrella Galán, explicou que “este reconhecimento é, por sua vez, uma homenagem ao povo palestino, neste momento em que sofre uma ofensiva cruel do Exército israelense”. Suleiman foi apresentado para este reconhecimento pelo Comitê de Solidariedade com a Causa Árabe (CSCA), na Espanha.
A entrevista é de Francesca Cicardi, publicada por El Diario, 20-12-2023. A tradução é do Cepat.
O Líbano é o país que o acolheu. Sente que é a sua casa?
Não posso dizer que o Líbano seja a minha casa, é o meu refúgio. Não posso considerar o Líbano como o meu lar, penso que é difícil para qualquer palestino considerar esse país como segunda casa, porque no Líbano nós, palestinos, somos discriminados, temos quase todos os direitos humanos básicos negados (…) Contudo, para duas ou três gerações que nasceram no Líbano e que não conhecem nenhum outro país, é diferente e, se perguntar a eles, pode ser que a resposta seja diferente, mas também dirão que se sentem frustrados e preocupados com a discriminação que sofrem.
Desde o início, as autoridades libanesas viram os palestinos como uma ameaça à sociedade, sobretudo considerando o precário equilíbrio sectário neste país [onde muçulmanos sunitas e xiitas e cristãos compartilham o poder]. Somos considerados sunitas e se nos nacionalizassem, isto perturbaria o equilíbrio sectário. Contudo, não buscamos ser nacionalizados. Todos os sucessivos governos libaneses não permitiram aos palestinos ter os direitos humanos básicos porque temem que isso levaria à implantação e assentamento dos palestinos no país. É um ponto de vista muito limitado.
Ao mesmo tempo, apoiam o nosso direito de retornar, para onde? Sabem que esse direito não existe. Quando se deseja apoiar o direito de retornar, é necessário permitir às pessoas viver com dignidade. Se recebem a permissão para viver com dignidade, podem se apegar a seu direito de retornar.
Se os refugiados palestinos não podem retornar à sua terra e não se sentem em casa nos países de acolhimento, qual é a solução?
A saída é alcançar uma solução justa para a questão palestina, incluindo a questão dos refugiados. Não como o processo de paz de Oslo, porque se a paz não estiver relacionada com a justiça, as guerras, os conflitos e as tensões vão se reproduzir. Portanto, a solução é implementar a Resolução 194 da Assembleia Geral da ONU, que estabelece que os palestinos devem retornar às suas casas o quanto antes possível.
Quando analisamos [o texto], existem três direitos integrados: o direito de retornar, o direito de indenização e o direito de restituição. Cada direito tem a sua base legal no Direito Internacional e foi aplicado na Bósnia e em muitos outros lugares, por exemplo, a Alemanha indenizou os judeus pelo Holocausto.
Teremos um processo de paz exitoso, sem hipocrisia. A comunidade internacional vem falando há 30 anos de Oslo, um processo de paz baseado em dois Estados. A solução de dois Estados fracassou.
Agora, depois da guerra em Gaza, se a comunidade internacional, sobretudo os Estados Unidos, apoiar verdadeiramente a solução de dois Estados, deve pressionar Israel. Em Israel, temos o Governo mais direitista e religioso da história daquele país, a sociedade israelense também tem a responsabilidade de mudar este Governo e [pressionar para que] apoie a solução de dois Estados.
Considera que a solução de dois estados é factível?
Para nós [palestinos], sim, mesmo o Hamas, agora, não se opõe agora à solução de dois Estados. No entanto, dependerá de como a comunidade internacional se comportará depois da guerra em Gaza, também dos países árabes. Não estou dizendo que toda a responsabilidade seja dos Estados Unidos e da Europa, mas penso que se os países árabes adotassem uma postura firme que exerça pressão sobre os Estados Unidos para que pressionem Israel, seria possível. Caso contrário, teremos esta guerra e a guerra irá se repetir, talvez não apenas em Gaza, mas também na Cisjordânia.
Somos a favor de qualquer solução que permita aos palestinos decidir o seu futuro, decidir sozinhos que tipo de administração querem. Da mesma forma, consideramos que Gaza e a Cisjordânia são um território integrado e não [dois] separados. Somos um povo, estamos unidos, e esta não é a minha opinião, há consenso [portanto, um Estado palestino incluiria os dois territórios e todos os seus habitantes].
A guerra em Gaza demonstrou que os palestinos não podem contar com o apoio dos países árabes. Quem pode ajudá-los?
Nós, palestinos, infelizmente, temos que depender de nós mesmos. Mesmo quando temos apoio, por exemplo, do Irã, que pode facilitar armas ao Hamas, pois o Irã é uma potência regional, tem os seus próprios interesses. Não entrará em uma guerra a favor dos palestinos, sabemos muito bem disso.
Acolhemos qualquer apoio, acolhemos qualquer país que nos apoie: Irã, Iêmen, Argélia, qualquer país. No entanto, nós, palestinos, fomos deixados sozinhos. Ninguém está nos ajudando na guerra em Gaza e Israel está cometendo um massacre.
A posição oficial da Arábia Saudita e dos países do Golfo [Pérsico], do Egito e da Jordânia estaria certa se não fossem países árabes, se fossem europeus. No entanto, os árabes não se solidarizam conosco. Se querem nos apoiar, precisam se comprometer, precisam fazer alguma coisa (...) porque a causa palestina é uma causa árabe e internacional, é uma causa humana.
A atual guerra em Gaza significa uma guinada para a causa palestina?
Acredito que sim, estou convencido. O cenário que teremos depois de Gaza será um novo cenário para o conflito árabe-israelense e o conflito palestino-israelense. Vou ainda mais longe, acredito que Gaza promoverá algumas mudanças na ordem internacional.
Nos últimos 70 dias de guerra, ficou evidente que a ONU não pôde fazer nada, assim como os estadunidenses estão confiscando a vontade internacional através de seu veto (...). Também acredito que a guerra em Gaza irá levantar muitas, muitas perguntas: Por que a comunidade internacional está paralisada? Por que a decisão da ONU foi confiscada pelos Estados Unidos?
Seja qual for o resultado [da ofensiva contra] Gaza, ressalto que teremos um novo cenário político depois. Tanto se a resistência for derrotada, quanto se Israel for derrotado [militarmente], teremos um novo cenário, inclusive em Israel: as primeiras implicações serão no próprio Israel. Acredita que este Governo religioso e direitista irá continuar, depois de tudo o que aconteceu? Eu duvido muito. Exceto no mundo árabe, não creio que algo irá mudar, os regimes continuarão e não garanto que não vão retomar o processo de normalização [de suas relações com Israel], que foi interrompido pela guerra.
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“A guerra em Gaza promoverá mudanças na ordem internacional”. Entrevista com Jaber Suleiman - Instituto Humanitas Unisinos - IHU