31 Outubro 2023
“Espero que um dia se chegue à solução dos dois Estados e talvez este seja o momento certo”, explica Moshe Kahn, premiado tradutor de italiano para o alemão, contatado por telefone na sua casa em Berlim. Judeu alemão que emigrou para a Suíça durante a Segunda Guerra Mundial e grande conhecedor da literatura italiana e da Itália - onde viveu 30 anos - Kahn traduziu Primo Levi, Pier Paolo Pasolini, Roberto Calasso, Andrea Camilleri, Luigi Malerba e muitos outros.
A entrevista é de Uski Audino, publicada por La Stampa, 30-10-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em Nova Iorque, centenas de pessoas de fé judaica manifestaram-se com a camiseta "Not in our name" pedindo o cessar-fogo imediato em Gaza. Qual a sua opinião?
Concordo com os manifestantes. Um cessar-fogo é necessário por duas razões, porque ainda existem muitos reféns nas mãos do Hamas e, por isso, é essencial que as negociações continuem, mesmo que a sua libertação será difícil de conseguir. E porque o drama dos palestinos inocentes envolvidos é uma tragédia terrível e é necessária uma trégua para levar ajuda humanitária, cuidados médicos, água e alimento. É preciso deixar passar aqueles que estão em fuga do Hamas. Porque devemos lembrar que os Palestinos não são o Hamas. É uma situação complexa e estamos nos movendo entre dois polos, atingir o Hamas, mas não a população civil, vítima daquela organização. Se houvesse uma manifestação desse tipo em Berlim, eu iria.
Qual a sua opinião sobre o governo de Benjamin Netanyahu após o ataque do Hamas?
Vi vídeos na BBC sobre o que o Hamas fez até às crianças, aos recém-nascidos. Cortou braços, cabeças. Mas como algo assim pode ser justificado? Não consigo encontrar nenhuma explicação convincente. Portanto, o ataque era devido e Israel tinha absolutamente que pôr fim a tudo isso.
Você acredita que a solução de dois Estados ainda possa ser viável?
Pode ser o momento certo para os políticos israelenses compreenderem que a ocupação que dura há quase 60 anos, desde a Guerra dos Seis Dias de 1967, é insustentável. Naquela época, era feita com a ideia de que um dia se poderia chegar à solução dos dois Estados. Ainda espero que sim, da mesma forma que alguns amigos palestinos na Cisjordânia. No pós-guerra, terão de começar negociações para uma convivência civil. Talvez seja uma solução demasiado poética, mas não vejo outras. Somente numa convivência o ódio se transformará com o passar do tempo. Será um processo lento, pelo menos uma dezena de anos. Mas é preciso justiça e razão para alcançar a paz. Entendo justiça para os palestinos, que devem reaver as terras roubadas pelos colonos."
O que você pensa do atual governo de Israel?
Sempre afirmei que o perigo para Israel, desde a primeira Intifada em diante, vem de dentro do país, não de fora. O perigo não vem dos Estados vizinhos, mas sim dos primeiros-ministros de direitas israelenses que não se preocupam com o destino do país, mas só com si próprios. São egocêntricos e narcisistas como este último, Benjamin Netanyahu. Está na política há 30 anos e não conseguiu nada, apenas produziu um ódio maior. O problema dos políticos israelenses de direita é que não deram nenhum passo em frente para facilitar a convivência entre os dois povos, mas apenas pensam em ampliar Israel, favorecendo a expansão dos assentamentos com a justificativa de que 3000 anos atrás Deus lhes prometeu aquelas terras”.
Qual é o problema com esse tipo de argumento?
Primeiro, um bom pedaço da história se passou desde então e não podemos fingir que não o sabemos. Mas depois há também o desconhecimento de um livro muito importante do Antigo Testamento, o Livro dos Juízes (cujo episódio mais conhecido é Sansão e Dalila) que conta a história entre judeus e filisteus, os palestinos da época. É um livro que ninguém conhece e que explica a antiga divergência. Bem, quando se coloca em jogo a promessa de Deus de 3.000 anos atrás e se omite o Livro dos Juízes, então é uma visão muito unilateral da história.
E que papel desempenhou a esquerda israelense?
Os governos trabalhistas tentaram de várias maneiras chegar a um acordo com os palestinos. Infelizmente, eles eram representados por Yasser Arafat, que não era um visionário e, no final, não foi alcançado um acordo duradouro. Em vez disso, os governos israelenses de direita são largamente votados - e digo isso com amargura - por imigrados russos e colonos estadunidenses que se comportam nos assentamentos como se estivessem no Velho Oeste.
Vamos voltar à Europa. O musicista de jazz judeu Coco Schumann, sobrevivente de Auschwitz e Dachau, assim, lembrava a lição tirada da experiência dos campos: manter sempre uma mala pronta. Você tem medo do crescente antissemitismo e tem uma mala pronta?
Sim, estou com medo e como muitos outros amigos judeus aqui na Alemanha, todos nós temos uma mala pronta. Eu também tenho minha mala simbólica já feita. O problema é que não sabemos muito bem para onde ir agora. Tenho 82 anos, mas estou sempre pronto para partir se necessário.
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“Em Gaza é preciso um cessar-fogo imediato, o pior inimigo de Israel é a direita”. Entrevista com Moshe Kahn - Instituto Humanitas Unisinos - IHU