26 Outubro 2023
"O verdadeiro ponto de virada do discurso de Weil, contra Nietzsche e o seu Anticristo, reside na descoberta e valorização da 'fraqueza'", escreve Massimo Onofri, ensaísta italiano, em artigo publicado por Avvenire, 24-10-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Na sala de justiça de um tribunal de importância crucial para a vida civil e política italiana destas últimas décadas, aquele de Milão, logo acima da frase “A lei é igual para todos”, ainda impressiona, pela sua excentricidade em relação ao costume tradicional (a mulher vendada com o balança em uma mão e a espada na outra), a imagem de uma mãe segurando seu filho nos braços e “de um infeliz que lhe pede ajuda”. Tiro isso da introdução (A justiça de tudo) do livro do filósofo do direito Tommaso Greco publicado recentemente pela editora Laterza e intitulado Curare il mondo con Simone Weil (Curar do mundo com Simone Weil, em tradução livre, 142 páginas, 16 euros).
GRECO, Tommaso. Curare il mondo con Simone Weil. Editora Laterza, 2023 (Foto: divulgação)
Simone Weil: a extraordinária filósofa francesa que faleceu com apenas 34 anos no sanatório de Ashford, perto de Londres, em 24 de agosto 1943, que foi aluna de Alain e admirada por Albert Camus (que promoveu sua obra após sua morte), que passou de posições anarquistas e de marxismo heterodoxo (foi capaz de entrar em conflito até com Leon Trotsky) àquelas de um cristianismo radical e intransigente, de disposição mística: em uma direção igual e oposta, por assim dizer, àquela que muitos de seus contemporâneos seguiram, a maioria dos quais acabou dentro da atroz ilusão stalinista, não sem trágicas consequências pessoais.
Uma imagem, esta do Tribunal de Milão, que sintetiza felizmente o ponto de chegada do percurso de reflexão de Simone Weil em torno dos temas do direito, da justiça, da caridade e do cuidado. Na base de todo o discurso - Greco o ressalta várias vezes - a provocativa pergunta da Glauco a Sócrates no Livro II da República, que Weil, levando isso muito a sério, tenta responder. Esta: por que ser justos? E depois: “O quanto somos capazes de ser justos por sincero amor à justiça, e não pelas vantagens que dela derivam ou pelas desvantagens que queremos evitar"?
Glauco está convencido disto: se quisermos ter certeza de que o justo ame realmente a justiça, é preciso fazer com que essa “seja nua”, ou seja, o seu exercício não seja ligado a nenhuma vantagem, nem mesmo aquela que pode ser traduzida em meros “termos de reputação e prestígio”. A provocação de Glauco, para colocar Sócrates "na berlinda" não teme o paradoxo, mas Weil, que faz de Sócrates um de seus heróis conceitual, não hesita em concordar que o irmão de Platão nos diga “as coisas essenciais sobre a natureza da justiça. Ser justos, de fato, significa essencialmente isto: despojar-se de todo poder, renunciar à possibilidade de exercer a força que possuímos".
O verdadeiro ponto de virada do discurso de Weil, contra Nietzsche e o seu Anticristo, reside na descoberta e valorização da “fraqueza”: “Se a força tem parentesco com o mal, a única maneira de escapar ao seu domínio é adquirir justamente a condição do fraco. É a partir da fraqueza que se pode encontrar o bem, e é daqui que é preciso partir para seguir o caminho da justiça". Se assim for, a justiça nada pode ter a ver com o uso da força (portanto, fora a espada): tema que Greco desenvolve em muitas páginas, mostrando como a posição de Simone Weil esteja nos antípodas daquela de Carl Schmitt.
Mas sequer pode ser identificada com o direito: se é verdade que Weil rejeita uma forma de pensar baseada na reivindicação, isto é, baseada “na pretensão de reconhecimento das próprias razões, dos próprios interesses, dos próprios valores”, para assumir outra, baseada “mais na renúncia do que na reivindicação, mais na redução das próprias pretensões do que na sua afirmação”, que vê em Cristo a figura que “nos convida a repetir o gesto de redução do próprio eu que está na origem do ato com o qual Deus criou o mundo”. Em vista de uma justiça que não seja cega (fora a venda) e que renuncie, em benefício do fraco, aos métodos de abstrato equilíbrio (fora a balança).
O livro de Greco está repleto de muitas outras sugestões. Limitamo-nos aqui a assinalar o último intenso capítulo, “Itinerários da mansidão”, em que Weil é posta em confronto com Norberto Bobbio, como ela nascido em 1909, dois pensadores que não poderiam ser mais diferentes tanto na vida como no pensamento, mas que de repente se encontram justamente em referência a uma virtude, a mansidão, cujo elogio o filósofo fez em 1993: Simone Weil, justamente, ancorada “no plano metafísico e religioso”, e Norberto Bobbio, “convictamente laico e aderente ao mundo fenomênico”.
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Simone Weil. A verdadeira justiça está na mansidão. Artigo de Massimo Onofri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU