Radical, apaixonada, sincera, intransigente, irredutível, pronta para qualquer sacrifício e refratária a todo compromisso – esse é o retrato de b que emerge dos seus escritos e dos testemunhos de quem a conheceu.
A opinião é da filósofa italiana Donatella Di Cesare, professora da Universidade de Roma “La Sapienza”, em artigo publicado em L’Espresso, 20-12-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Segundo a filósofa italiana, "na criação, Deus não se estendeu – retirou-se para dar lugar ao outro, para dar lugar ao mundo. Esse gesto de doação é o modelo para cada pessoa, que assim se eleva ao impessoal, para cada existência que se retrai deixando o outro ser. No mundo atual, a “decriação”, lançada por Simone Weil, deveria indicar o novo paradigma de respeito pelos outros e pelo planeta".
Quantos filósofos trabalharam voluntariamente na fábrica? Nenhum? Uma mulher fez isso: Simone Weil. O livro “A condição operária”, que testemunha a sua experiência em três diferentes siderúrgicas da periferia parisiense, é um raro documento que chama a filosofia ao seu compromisso político.
Como entender a fome dos outros? Como imaginar as adversidades, o cansaço, a humilhação? A empatia geralmente para nas boas intenções. Muitos se retraem na indiferença. Não parece possível nem sentir realmente angústia, nem se levantar pela indignação.
Lá, a dor é um destino inelutável; aqui, o mais leve mal-estar deve ser atenuado em uma hiperbólica concentração sobre si mesmo.
Em dezembro de 1934, quando Simone Weil foi contratada como fresadora na Renault, ela queria demonstrar que o comunismo, como ela o entendia, não era apenas o ideal político de uma comunidade futura, mas, acima de tudo, significava a partilha imediata da existência dos explorados.
Como uma operária sobrevive todos os dias? Quem responde é uma professora de filosofia que, ao lado dela, na linha de montagem, faz os mesmos gestos, sente no seu corpo a mesma falta de ar, experimenta a mesma opressão. Para depois poder denunciar, no seu “Diário de fábrica”, a monotonia degradante, a atomização sorrateira, a concorrência que impede toda fraternidade.
“Estando na oficina, confundida aos olhos de todos e aos meus próprios olhos com o máximo anonimato, a desventura dos outros penetrou na minha alma e na minha carne.”
Ser escravo sem saber que se é: essa é a condição dos operários. Curvados sobre as máquinas, acabam se resignando docilmente, renunciando a pensar. É isso que mais impressiona Weil. A desventura é o terrível mistério de toda existência. Mas, para os operários, a desventura se duplica, porque não conseguem articulá-la, a não ser recorrendo a clichês e àquele jargão asséptico que constitui o grande problema do movimento sindical.
As reivindicações não bastam. Não são apenas as relações de produção que criam a escravidão, que ela também ressurge onde o Estado assume o lugar do empresário. O erro é crer, como faz Marx, que o progresso pode amenizar ou até mudar o destino dos operários. O produto do capitalismo é a mortificação do trabalho.
Olhando também para os efeitos da técnica sobre a vida e para aquela que poderíamos chamar de operarização em massa de todos os empregados, Weil adverte que o trabalho deve ser completamente repensado. E, no fundo, essa é tarefa que ela deixa de herança.
Radical, apaixonada, sincera, intransigente, irredutível, pronta para qualquer sacrifício e refratária a todo compromisso – esse é o retrato de Simone que emerge dos seus escritos e dos testemunhos de quem a conheceu.
Alguns poderiam defini-la como extremista hoje. Poderíamos facilmente imaginá-la em um centro social. Fora dos partidos políticos, que ela criticou duramente, ela esteve próxima da revista sindical Révolution Prolétarienne.
Ela foi uma trotskista tão crítica a ponto de enfrentar o próprio Trotsky em um lendário debate, acusado de não reconhecer um aparato repressivo no Estado soviético. Não surpreende encontrá-la, em 1936, durante a guerra civil na Espanha, na coluna dos anarquistas de Buenaventura Durruti.
Precisamente o anarquismo parece ser hoje um dos motivos mais interessantes da sua reflexão – nada de “romancismo” nostálgico, mas sim uma indicação preciosa em tempos de soberanismo.
Weil corria ao encontro da história. Desejava acompanhar os seus dramas de perto, precisamente nos lugares onde estavam ocorrendo viradas epocais. Foi por isso que, em 1932, indiferente ao fato de poder ser, como judia, vítima designada, dirigiu-se para Berlim. Hitler já estava a um passo do poder.
Com aquele seu estilo de jornalista-filósofa, que lê o presente sem renunciar à profundidade, ela reconheceu na trágica derrota da esquerda alemã, dividida e paralisada, aquela derrota da qual a esquerda só conseguiria se recuperar com muito esforço.
O hitlerismo não era a barbárie. Pelo contrário, era o poder do Estado que se manifestava, desprovido de véus, apoiando-se no antigo mito nacionalista da pátria.
Mas a ideologia nazista era ‘extraordinariamente contagiosa” até mesmo na esquerda, onde a ideia de Estado continuava exercendo um fascínio obscuro, como mostrava a tendência soviética, autoritária e tecnocrática. O patriotismo é “o amor do escravo pelo seu senhor”. Enquanto a esquerda não puser em discussão o Estado-nação, o fascismo continuará sendo a ameaça imanente em toda república democrática. Somente o anarquismo é a contenção ao perigo soberanista.
“Contemplar o social é uma purificação tão eficaz quanto se retirar do mundo, e, portanto, não me enganei ao me aproximar por tantos anos da política.” Simone, a operária, Simone, a mística – dois dos seus diversos rostos. Em 1937, ela viaja para a Itália. É a Umbria que a deslumbra com as suas campanhas suaves, tão evangélicas, tão franciscanas.
“Chegamos a crer que a Providência criou campos sorridentes e humildes, tocantes oratórios para preparar a sua vinda.” A pobreza de Francisco a extasiou.
“Enquanto eu estava sozinha na pequena capela românica do século 12 de Santa Maria dos Anjos, incomparável maravilha de pureza, onde São Francisco rezou muito frequentemente, algo de mim me obrigou, pela primeira vez na vida, a me ajoelhar.” Talvez possamos imaginá-la em um eremitério franciscano. Brincando, ela meditava em se travestir de homem para poder ficar naqueles lugares.
Mas Simone deixou a Europa para se refugiar com seus pais nos Estados Unidos. Era a viagem de muitos refugiados. Mas ela se sentia uma fugitiva: havia pretendido escapar da desventura que atingia quem estava enjaulado no Velho Continente – os franceses, mas especialmente os judeus europeus.
O extermínio começava. Weil não se converteu ao catolicismo – ficou no limiar. Precisamente por isso, é difícil dizer qual foi a sua relação com o judaísmo, do qual, porém, ela estava muito distante, assim como os judeus assimilados naquele templo.
Mas, naquela incrível quantidade de textos que escreveu, assim que voltou a Londres, à espera de se juntar à resistência francesa, aflorou a ideia do exílio de Deus, o tzim-tzum hebraico ou, melhor, cabalístico.
Na criação, Deus não se estendeu – retirou-se para dar lugar ao outro, para dar lugar ao mundo. Esse gesto de doação é o modelo para cada pessoa, que assim se eleva ao impessoal, para cada existência que se retrai deixando o outro ser. No mundo atual, a “decriação”, lançada por Simone Weil, deveria indicar o novo paradigma de respeito pelos outros e pelo planeta.
Desgastada pela paixão indagadora, consumida pela tensão, extenuada pela tristeza, entregue ao exílio asséptico de um sanatório inglês, fora de todos os fronts, Simone se entregou a uma anorexia desesperadora, passou fome e se esgotou até se autoaniquilar. Como se, na sua retirada, tivessem lhe escapado para sempre as garras do outro que poderia tê-la salvado.