26 Agosto 2023
"Simone Weil atravessava os eventos. Para falar sobre a condição operária foi trabalhar numa fábrica: 'Diante das máquinas existe pouca solidariedade, todos se fecham em si mesmos, prisioneiros das velocidades impostas'; para defender a liberdade, apesar de ser uma pacifista convicta, foi para a Espanha para lutar contra o fascismo de Franco", escreve Michela Marzano, filósofa italiana e professora da Universidade de Paris V - René Descartes, na França, em artigo publicado por La Stampa, 24-08-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
"A atenção é a forma mais rara e preciosa da generosidade. A poucos espíritos é dado a descobrir que as coisas e os seres existem”, escrevia a filósofa e mística francesa Simone Weil numa de suas últimas cartas. Era 1942, um ano antes de sua morte. E hoje, que é o octogésimo aniversário de seu desaparecimento, gosto de lembrar dela assim, com essa frase que resume bem a profundidade e a elegância de seu pensamento.
Morta aos 34 anos, Simone Weil foi uma intelectual atípica. O que nos deixou dezenas de milhares de cartas, reflexões e pensamentos e que, sem nunca publicar nenhum ensaio acadêmico, conseguiu tratar de forma original os temas do trabalho, da condição operária, do desenraizamento e do vazio. Ela lutou toda a sua vida contra o peso do corpo - sofrendo de anorexia e morrendo em após privações autoimpostas. Mas cada um de seus escritos consegue tocar a alma sólida das coisas, dissecando sua essência e destacando suas múltiplas e contraditórias facetas.
Simone Weil atravessava os eventos. Para falar sobre a condição operária foi trabalhar numa fábrica: “Diante das máquinas existe pouca solidariedade, todos se fecham em si mesmos, prisioneiros das velocidades impostas”; para defender a liberdade, apesar de ser uma pacifista convicta, foi para a Espanha para lutar contra o fascismo de Franco: “Ninguém tem maior amor do que aquele que sabe respeitar a liberdade do outro”; para entender plenamente a fragilidade da condição humana, ela passou fome: “Amar a verdade significa suportar o vazio; e portanto aceitar a morte. A verdade está do lado da morte". O seu pensamento sempre foi um pensamento encarnado, vivido e atormentado. E, enquanto alguns de seus contemporâneos se deleitavam utilizando uma linguagem refinada e incompreensível, iludindo-se de que a complexidade fosse sinônimo de profundidade, ela permaneceu simples e verdadeira, vivendo até o fim cada única palavra proferida ou escrita.
Autêntica até a medula e sempre contracorrente, Simone Weil foi uma intelectual radical. Que odiava os comprometimentos e não suportava as divagações, a ponto de ser sarcasticamente apelidada de "imperativo categórico de saia". Embora nenhuma filósofa tenha sido mais distante do que ela do abstrato rigorismo kantiano. E cada um de seus pensamentos e escritos serem o fruto da experiência vivida ao lado dos oprimidos e dos deserdados, dos menores e dos marginalizados.
Morreu de privações, mas nos ensinou a defender a nossa liberdade e as nossas ideias. Tirou o pão de boca, mas nos transmitiu o verdadeiro sentido da justiça incentivando-nos a nunca desistir, nem mesmo à beira da morte, de lutar para construir um mundo onde qualquer um possa ser livre de ser quem é: “A capacidade de prestar atenção a uma pessoa infeliz é algo muito raro, muito difícil; é quase um milagre, é um milagre. Quase todos que acreditam ter essa capacidade não a possuem. O calor, o ímpeto do sentimento e a pena não bastam”.
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Simone Weil, operária e mística disposta a morrer por suas ideias - Instituto Humanitas Unisinos - IHU