08 Agosto 2022
A conhecida carta que Simone Weil escreveu a Georges Bernanos, em 1938, mostra com clareza a moralidade humanista da filósofa, que não aceitava o sofrimento e a violência contra as pessoas, mesmo que tivessem uma ideologia política diferente da sua.
O artigo é de Esmeralda R. Vaquero, jornalista e escritora espanhola, publicado por Ethic, 29-07-2022. A tradução é do Cepat.
Há muitos motivos pelos quais uma pessoa pode entrar na história: políticos, literários, científicos, sociais. Mas se existe um que se destaca, embora muitas vezes não seja valorizado, é o motivo humano. Quando alguém é capaz de demonstrar seu valor como pessoa, independente da situação ou contexto, está testemunhando que é possível acreditar em uma essência bondosa e justa. É justamente isso que acontece com Simone Weil.
A filósofa e ativista política francesa esteve do lado republicano, durante a Guerra Civil Espanhola. No entanto, isso não a impedia de ser crítica e repudiar algumas ações que não lhe pareciam desejáveis para estabelecer bases em torno da moralidade.
Weil se considerava um pacifista, mas também era simpatizante do anarquismo. Em agosto de 1936, chegou a Barcelona e se juntou ao Grupo Internacional da Coluna anarquista de Buenaventura Durruti.
Em meados de agosto, chegou com a coluna a Pina de Ebro, a poucos quilômetros de Saragoça, onde escreveu pequenas anotações em seu diário de guerra. Em fins de setembro de 1936, e após alguns acidentes que afetaram sua saúde, retornou à França.
Em 1938, no auge da Guerra Civil Espanhola, enviou uma carta ao escritor George Bernanos, também originário da França, católico, conservador e simpatizante dos militares rebeldes. Nessa carta, a filósofa expressa um vínculo complexo e profundo com o cristianismo.
Vínculo do qual se manteve afastada, mas que, no entanto, não era inexistente. Embora pertencesse a uma família judia não praticante, teve várias experiências místicas, mas, durante toda a sua vida, Weil se manteve à margem da Igreja Católica e de outras instituições religiosas.
Talvez por isso são de especial interesse as palavras que a filósofa expõe a Bernanos, dizendo-lhe que não se incomodaria em pertencer a uma igreja que limitasse a renda econômica de seus membros. Também é possível que, em parte, essa essência cristã esteja no pano de fundo de uma carta focada, se não no amor ao ser humano, sim, na consciência da geração de uma dor aberrante e desnecessária.
“Talvez os números não sejam o essencial em semelhante matéria. O essencial é a atitude em relação ao fato de matar alguém. Nem entre os espanhóis, nem mesmo entre os franceses que chegaram, seja para combater, seja para fazer um passeio (...), jamais vi expressar, nem mesmo no íntimo, a repulsa, o desagrado, nem só a desaprovação pelo sangue derramado inutilmente”. Neste fragmento, Weil se mostra contrária à morte pela morte, não vê sentido algum nisto, não considera que seja um ato humanamente justificável.
Em outro ponto dessa famosa carta, a filósofa diz com clareza: “Você está mais próximo de mim, sem comparação, do que meus camaradas das milícias de Aragão, esses camaradas que, no entanto, eu amava”.
Por que se sente tão próxima de alguém tão ideologicamente distante? Provavelmente, a resposta esteja em que Bernanos também se desencantou com os crimes do lado nacional ou, mais precisamente, com o uso de uma ideologia específica para justificar uma infinidade de crimes. Sua posição conservadora e a defesa do cristianismo não colocaram uma venda em seus olhos. A morte e a violência estavam diante dele e não era indiferente ao fato.
A carta de Weil parece revelar que algo semelhante acontecia com ela. O que não compartilhava, o que desprezava, era o uso da violência de forma desproporcional, de uma forma quase banal. Não entendia o motivo pelo qual o sofrimento não era atendido. Mais ainda, não compactuava com a celebração dos combatentes.
“Quando se sabe que é possível matar sem correr o risco de uma punição ou reprovação, mata-se; ou ao menos cerca-se os que matam com sorrisos encorajadores. Se por acaso primeiro se experimenta certo desagrado, é silenciado e logo sufocado por medo de parecer que falta virilidade”. Essa conexão entre guerra, violência e masculinidade também não ficava ausente da reflexão de Weil.
É que não há maior demonstração do exercício de poder do que provocar a morte de outro ser humano de forma deliberada. Neste caso, ela presenciava este comportamento entre seus companheiros e se sentia desconcertada.
Como defender a busca por justiça social, quando se mata deliberadamente? Por acaso, o fim revolucionário poderia contemplar a morte como algo desejável? Estes e outros questionamentos são os que aproximaram Weil e Bernanos, que decidiram chegar a um lugar de encontro para contrapor os muitos lugares de morte que os cercavam.
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Simone Weil: Uma carta de coração - Instituto Humanitas Unisinos - IHU