12 Julho 2019
Neste espaço se entrelaçam poesia e mística. Por meio de orações de mestres espirituais de diferentes religiões, mergulhamos no Mistério que é a absoluta transcendência e a absoluta proximidade. Este serviço é uma iniciativa feita em parceria com o Prof. Dr. Faustino Teixeira, teólogo, professor e pesquisador do PPG em Ciências da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora - MG.
Amor (George Herbert – XVII)
“O amor acolheu-me;
mas a minha alma recuou
culpada de pó e de pecado.
Porém, o Amor clarividente,
vendo-me hesitar
desde o primeiro instante,
aproximou-se de mim,
perguntando docemente
se qualquer coisa me faltava.
Um convidado, respondi,
digno de estar aqui.
O Amor disse: sê-lo-ás-tu.
Eu, o malvado, o ingrato?
Ah! Amado meu,
que não posso olhar-te.
O Amor tomou a minha mão
e respondeu sorrindo:
Quem fez estes olhos senão eu?
- É verdade, Senhor, mas sujei-os;
minha vergonha deve alcançar o que merece.
- E não sabes, disse o Amor,
quem sobre si tomou a culpa?
Meu amado, então para algo servirei.
- Senta-te, disse o Amor,
E prova das minhas iguarias.
Assim me sentei e comi.”
Fonte: Apud Simone Weil. Espera de Deus. 2 ed. Lisboa: Assírio & Alvim, 2009, p. 61.
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Trecho de texto escrito por Faustino Teixeira "que relata a importância dessa oração na experiência mística" de Simone:
A terceira experiência mística cristã marcante acontece numa visita de dez dias à abadia beneditina de Solesmes, na França. Foi um momento forte e datado, durante a semana santa e as festas pascais. A beleza do canto gregoriano e das palavras do ofício amenizavam as intensas dores de cabeça que a atormentavam na ocasião. A experiência, segundo o seu relato, permitiu-lhe “compreender melhor a possibilidade de saborear o amor divino através da desventura”. Foi durante aqueles ofícios que o “pensamento da Paixão de Cristo” entrou de vez na sua vida. Recebeu em Solesmes, de um jovem católico inglês, um poema do século XVII que se intitulava “Amor”, que aprendeu de memória e o recitava nos momentos mais violentos de suas dores de cabeça. Foi durante uma dessa recitações que ela sentiu-se apoderada por Cristo: “o Cristo mesmo desceu e tomou-me”[1].
Nota:
[1] “Le Christ lui-même est descendu et m´a prise”: Simone WEIL. Attente de Dieu, pp. 44-45.
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Simone Weil, em 1922 | Foto: Wikimedia Commons
Simone Weil (1909 – 1943): Filósofa, escritora e mística francesa que tornou-se operária para escrever sobre o cotidiano fabril, elemento que posteriormente marcou todos seus escritos. Lutou na Guerra Civil Espanhola, ao lado dos republicanos, e na Resistência Francesa, em Londres. Sua filosofia é "de penetração por causa da riqueza de detalhes com a qual ela enlaça os temas entre si. De fato, o seu pensamento está enredado em sua vida, o que não pode, contudo, fazer-nos esquecer de traçar os conceitos que direcionam sua reflexão filosófica. Sua permanente discussão com grandes nomes da filosofia como Platão, Descartes e Kant, para citar alguns exemplos, fazem dela uma autêntica pensadora do espírito de liberdade e da força da razão argumentativa".
Entre algumas de suas publicações que são, em sua maioria, póstumas, destacamos: A gravidade e a graça. São Paulo: ECE, 1986; Espera de Deus. São Paulo: ECE, 1987; e Pensamentos desordenados acerca do amor de Deus. São Paulo: ECE, 1991.
Leia aqui a biografia de Simone Weil escrita por Miguel Ângelo Guimarães Juliano para a IHU On-Line, Nº. 313.
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Amor. Simone Weil na oração inter-religiosa desta semana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU