18 Mai 2022
“Tout ce que j’apprends” (Tudo o que eu aprendo) é o título de um livro esplêndido, que chega a comover profundamente. Conheço Claude Dagens há muito tempo e sempre me impressionei com a sua cultura, com a sua paixão pela mística do comum.
O comentário é de Francesco Strazzari, teólogo italiano, publicado em Settimana News, 17-05-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A partir das “confissões” de Dagens, um dos 40 imortais da França, entende-se que ele é um homem tímido e reservado, combativo e passional, taciturno e contemplativo, aberto ao grande mistério de Deus, lúcido nas análises que dizem respeito tanto a Igreja quanto a sociedade, é um “adepto do Caminho”, como ele gosta de se definir, seguindo os passos dos primeiros cristãos.
colocar aqui a legenda (Foto: nome do fotógrafo)
É bispo emérito de Angoulême, pequena cidade da França, capital do departamento de Charente, sede episcopal desde o século III, com a esplêndida catedral românica do século XII.
Nasceu em Bordeaux em 20 de maio de 1940, assim como François Mauriac, acadêmico francês em 1933 e prêmio Nobel em 1953, escritor do bem e do mal, analista afiado da alma humana, atento ao “mistério de Deus” em cada pessoa.
Dagens ficou fascinado desde jovem estudante tanto por François Mauriac quanto por Georges Bernanos. Encontrou em Mauriac uma espécie de revelação do mistério cristão: o primado da interioridade e a luta espiritual. De Bernanos, admirava a ênfase na esperança, que passa pela cruz de Cristo e se enraíza na misericórdia de Deus.
Nomeado acadêmico da França, continua se definindo como o “capelão” da histórica instituição. Ele gosta do termo, porque o faz se sentir presente como homem de Deus para manifestar a misericórdia de Cristo. “Em meio aos acadêmicos, sinto-me um companheiro, um coirmão”.
Estudante no Liceu Montaigne de Bordeaux, da Scuola Normale Superiore, da Escola Francesa de Roma, da Faculdade Teológica de Paris, com doutorados em Letras e Teologia, atividade pastoral nas paróquias de Paris e Bordeaux, professor no Seminário de Bordeaux e na Faculdade Teológica de Toulouse (História das Origens Cristãs), foi nomeado bispo auxiliar de Poitiers (1987-1993) e depois bispo de Angoulême.
A sociedade europeia não o impede de ver nela o terreno da experiência cristã de Deus, o terreno da interioridade. Ele está convencido de que as questões práticas relativas à organização da Igreja não têm a precedência.
“É preciso ir ao coração do essencial e este é o ‘coração de Deus’”: é a sua convicção profunda e exigente.
Ele me confessou muitas vezes: “Entendi de maneira profunda e chocante que a fonte do nosso agir é a oração, a palavra de Deus, o silêncio. E a eucaristia, que eu presido todas as manhãs, e o canto. Aí se respira o mistério de Deus. Ir ao coração do mistério de Deus é a exigência primordial da missão da Igreja. É o primado da experiência de Deus”.
Ele me recordava que “Cultura e experiência cristãs” é o título da sua tese doutoral sobre o Papa São Gregório Magno. “Na palavra de Deus e na experiência cristã está a fonte de uma nova cultura cristã.”
Ele constantemente se refere a Madeleine Delbrêl, que trabalhava na periferia de Paris, em Ivry, em um ambiente comunista e ateu. Frágil e forte ao mesmo tempo, forte e frágil. A mística dizia: “O tempo de hoje é o tempo da nossa fé. A fé é uma transeunte; nenhum tempo lhe é refratário, ela não é refratária a nenhum tempo; ela é feita para o tempo, está destinada a todos os tempos, e, quando um tempo lhe parece refratário, é a nós que é refratário, sem dúvida, porque absorvemos conosco o resíduo de outro tempo que se mostra contraditório ao próprio tempo que devemos viver. Nós nos tornamos refratários a esse tempo”.
Lembro-me de um dos nossos encontros e colóquios, também no mosteiro beneditino de Belloc, nos Pirineus atlânticos, onde ele gostava de passar tempos de oração, reflexão, estudo. “O nosso tempo é um tempo favorável à nossa conversão. As circunstâncias atuais nos obrigam a sair de nós mesmos, das nossas conchas, como soldados trancados nos quartéis, para testemunhar no mundo a abertura de Deus à nossa humanidade real e atual. É a tarefa da Igreja, é uma exigência permanente, que nos obriga à conversão permanente. Estar abertos a Deus, radicalmente, para que, por meio de nós, o mundo se abra a Deus. É preciso redescobrir o sentido do tempo na tradição cristã e da história: a teologia da história e do tempo. Cada época está aberta a Deus. O sentido do tempo nos abre à eternidade de Deus”.
Dagens encontra o sentido das “confissões cruzadas” nas palavras da consagração: “‘Este é o meu corpo que será entregue por vós. Este é o meu sangue que será derramado por vós.’ Essas palavras de Jesus, às vésperas da sua morte, cercado pelos 12 apóstolos, nunca se tornaram um hábito para mim. São palavras que envolvem todo o meu ser. Elas criam a Igreja a partir do próprio Jesus. Põem em comunhão aqueles e aquelas que estão aqui e agora ao redor do altar. Ao mesmo tempo, reúnem a multidão dos nossos irmãos e irmãs porque, segundo o mandato do Ressuscitado, são pronunciadas ‘pela vida do mundo’”.
Como sempre, no fim dos nossos encontros (o último, no dia 4 de abril em Paris), Dagens se recolhe em silêncio e convida à oração.
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As “confissões” do bispo Dagens - Instituto Humanitas Unisinos - IHU