20 Outubro 2023
O Papa Francisco está fazendo uma grande aposta ao tentar manter os procedimentos sinodais fora dos holofotes da imprensa.
O comentário é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor da Villanova University, nos Estados Unidos. O artigo foi publicado por La Croix International, 19-10-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Quando estive em Roma, durante a segunda semana do Sínodo sobre a Sinodalidade, tive a oportunidade de conversar com alguns dos participantes. Cada um deles ofereceu palavras encorajadoras de esperança.
Mas, se alguém quiser saber o que está acontecendo nesta assembleia sinodal, essas palavras de esperança são praticamente tudo o que temos por enquanto, já que o Papa Francisco escolheu uma política que limita o acesso dos meios de comunicação ao que está acontecendo por trás das reuniões a portas fechadas.
Paulo VI instituiu o Sínodo dos Bispos em 1965 e, no ano seguinte, emitiu seu primeiro Ordo, o conjunto de regulamentos e procedimentos. O documento deixava claro seu desejo de que as assembleias sinodais fossem um hortus conclusus, um momento protegido e blindado da imprensa e do escrutínio público. Só mais tarde é que as assembleias sinodais se tornaram gradualmente mais abertas à imprensa e ao público.
A política atual de Francisco, portanto, marca um estranho retorno ao passado – mas não aos tempos de João Paulo II e de Bento XVI. Ironicamente, em comparação com o “Sínodo de 2023”, as várias assembleias realizadas durante aqueles dois pontificados, na verdade, apresentavam mais abertura na revelação dos conteúdos das discussões que ocorriam na sala do Sínodo.
A nova falta de abertura é problemática, porque pode impedir que a assembleia sinodal se torne a faísca que acende a sinodalidade na Igreja global. O jornalismo tem sido chamado de “o primeiro rascunho da história”, e, com menos abertura e mais sigilo, será difícil, nos próximos anos, escrever uma história desta assembleia sinodal. Os relatos historiográficos dos eventos eclesiais são diferentes – mas não separados – da contínua construção da tradição e, uma comunidade, incluindo a Igreja.
O Papa Francisco não tem sido preciso (para dizer o mínimo) ao delinear suas expectativas sobre o papel que os jornalistas deveriam desempenhar na Igreja. Por exemplo, existem algumas diferenças entre a relação da Igreja com os jornalistas, em si mesmos, e sua relação com os jornalistas católicos. O Sínodo não é um conclave; poderia ter havido outros métodos para preservar a liberdade dos membros sinodais (como alguma versão da “Regra da Chatham House”).
Não é apenas o medo de Francisco do que os jornalistas, dos quais ele sempre tentou fazer um uso muito atento e estratégico, poderiam dizer que poderia perturbar essa assembleia sinodal em forma de retiro. Na verdade, as assembleias realizadas durante os pontificados anteriores não eram apenas de um tipo diferente. Eles também eram cuidadosamente controlados pela Cúria Romana e, em certo sentido, já roteirizados a fim de alcançar um resultado específico. E este Sínodo tem sido estruturado mais como um retiro de uma pequena comunidade eclesial do que como uma reunião de delegados da Igreja global.
Esta é também uma época diferente na história dos meios de comunicação de massa e do uso e mau uso das mídias na Igreja e pelos católicos. As narrativas da “guerra cultural” mudaram o papel dos meios de comunicação com efeitos polarizadores no debate eclesial. Mas há também uma mudança na tecnologia que esta assembleia sinodal está evidenciando. Nas mais de duas semanas em que suas sessões estão sendo realizadas, recebemos mais fotos para ver do que textos escritos para ler! Há uma verdadeira tentação de chamá-lo de “Sínodo das selfies”.
É verdade que as fotos também fornecem uma narrativa. Mas também podem ser muito enganadoras. A nossa cultura hoje é uma cultura da imagem de uma forma muito diferente da cultura de 20 anos atrás. Isso antes dos celulares e das redes sociais digitais mudarem a nossa relação cotidiana com a realidade, incluindo a realidade eclesial.
Agora existe uma iconografia totalmente nova – não pinturas de santos mortos, mas ícones instantâneos autoproduzidos de lideranças eclesiais vivas na nossa ubíqua cultura da celebridade. Há toda uma psicologia e uma espiritualidade das selfies (especialmente as selfies tiradas por e com celebridades católicas – o papa, cardeais, bispos etc.) que as políticas do Sínodo e a autodisciplina dos membros do Sínodo poderiam e deveriam levar em conta.
Por outro lado, essa política e o relativo silêncio da imprensa mundial sobre o Sínodo são estranhamente adequados neste momento em que tantas lâmpadas se apagam no nosso mundo. Faz sentido que as notícias sobre o Sínodo estejam sendo ofuscadas por outros acontecimentos mundiais, como os de Israel e de Gaza, sem esquecer a Ucrânia e a situação no Cáucaso.
Além disso, as políticas referentes às mídias e ao Sínodo também são uma falha em entender ou em avaliar que, para que a sinodalidade funcione, a Igreja deve se envolver na busca midiática por narrativas que produzam notícias de formas diferentes das do passado recente – especialmente desde a época do Concílio Vaticano II (1962-1965).
A sinodalidade envolve a redefinição dos papéis dos personagens sobre o palco do drama religioso e espiritual que deveria estar no centro da história cristã. Em sua cobertura da Igreja Católica, os meios de comunicação sempre darão muita atenção ao jogo eclesiástico, ou seja, à política da Igreja. Mas isso não significa que a Igreja deva fornecer à imprensa o roteiro habitual.
Ao mesmo tempo, também é importante notar que, nas assembleias sinodais que precederam Francisco, havia uma maior separação entre aqueles que eram membros da assembleia e aqueles que elaboravam uma narrativa midiática sobre o Sínodo.
Entre as pessoas nomeadas pelo papa jesuíta como membros da atual assembleia, há indivíduos bem conhecidos pela sua capacidade de influenciar as narrativas sobre a Igreja, tanto na imprensa católica quanto na tradicional. Elas têm sido bastante visíveis nestes dias.
Há também teólogos idosos e eminentes nesta assembleia – alguns dos quais octogenários que têm sido verdadeiros pais da teologia da sinodalidade desde os anos 1970. Mas, como eles não tiram selfies como aqueles que estão na sala sinodal e são mais experientes com as redes sociais digitais, não vemos muitas fotos deles participando do Sínodo (se é que as há). É quase como se nem estivessem lá.
A nova política de Francisco em relação ao Sínodo e aos meios de comunicação também deve ser vista à luz da relação entre as notícias e a verdade. Estamos agora em uma nova fase da era da “pós-verdade”. Não é que estejamos desinteressados pela verdade; é que muitos agora acreditam que é impossível e fútil conhecer a verdade, ou confiar na imprensa – e em outras instituições, incluindo a Igreja – nas suas apresentações da verdade.
Por meio de sua nova política sinodal-midiática, o papa fez uma grande aposta sobre o tipo de recepção que a sinodalidade deve ter entre os católicos do mundo durante o longo período entre a atual sessão da assembleia do Sínodo e sua segunda sessão em outubro de 2024. É também uma grande aposta para o papado, que tem confiado cada vez mais na grande imprensa para contar a sua história – não a da Igreja, mas o Evangelho de Jesus Cristo.
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O Sínodo das “selfies” e a imprensa. Artigo de Massimo Faggioli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU