Uma ministerialidade no feminino. Exortação e nota pastoral de Dom Antonio Staglianò, bispo de Noto

(Foto: Reprodução | Italian Sons and Daughters of America)

20 Julho 2022

 

“Na nossa Cúria diocesana, algumas figuras femininas de elevado perfil intelectual, pastoral e cristão também estão pouco a pouco assumindo alguns papéis importantes no governo pastoral da Diocese, e isso me leva a desejar que também nas paróquias possa logo germinar e difundir-se uma ministerialidade no feminino.”

 

Publicamos aqui a breve Exortação ao Povo de Deus que acompanha a Nota Pastoral “Um povo todo sacerdotal”, ambas de autoria de Dom Antonio Staglianò, bispo de Noto, na Itália. Ele foi docente na Pontifícia Universidade Gregoriana (1994-2002).

 

Os dois documentos foram publicados em Settimana News, 17-07-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Eis os textos.

 

Caríssimos irmãos e irmãs,

 

O papa – ao modificar o cânone 230 § 1 do Código de Direito Canônico – durante o ano passado desvinculou o acesso à ministerialidade instituída também para as mulheres. Por isso, na breve Nota Pastoral “Um povo todo sacerdotal” – que acompanho com esta simples carta, pedi à nossa Igreja, de acordo com as indicações do Papa Francisco, que iniciasse um processo de discernimento para a instituição de novas batizados e batizadas para o ministério de Leitor e Acólito.

 

A tradição eclesial nunca questionou o acesso dos homens aos ministérios instituídos, que antigamente se chamavam “ordens menores”. Infelizmente, não fez o mesmo com as mulheres. Assim, as irmãs de fato sempre exerceram um serviço incomparável nas nossas paróquias – por exemplo, como sacristãs, ministras extraordinárias da comunhão, cantoras, leitoras, catequistas e, às vezes, também como “ministrantes” – mas nunca foram autorizadas a exercer essas tarefas pela comunidade em nome da Igreja.

 

Explico-me melhor: concretamente, as mulheres sempre serviram à Igreja (a esse respeito, diversos testemunhos nos chegam dos próprios Evangelhos); ao longo dos séculos, porém, foi entrando em crise pouco a pouco o conceito de que elas podiam servir em nome da Igreja. Com o passar do tempo, descartou-se a ideia de que uma mulher pudesse desempenhar um papel representativo dentro da ministerialidade eclesial.

 

Pelo contrário, a evolução sociológica das últimas décadas e a afirmação de cada vez mais figuras femininas nos campos da cultura, da ciência, da política, da economia e do trabalho (com numerosos e eminentes resultados) tornaram os tempos maduros para que, dentro da Igreja, agora, fosse possível levantar uma questão feminina.

 

Os resultados alcançados, ao término das muitas reflexões sobre esse assunto, não podem deixar de ser encorajadores: o gênio feminino também pode encontrar uma dimensão representativa e gerencial própria. A Igreja, por meio dessa “revolução” amadurecida durante o pontificado de Francisco, não quer tanto garantir “cotas rosas” dentro do seu governo. Pelo contrário (é preciso enfatizar), ela deseja se deixar fecundar pela inteligência e pela fé femininas, que – embora iguais em dignidade às masculinas – possuem uma diversidade geradora de novidade e de fecundidade.

 

Também na nossa Cúria diocesana, algumas figuras femininas de elevado perfil intelectual, pastoral e cristão estão pouco a pouco assumindo alguns papéis importantes no governo pastoral da Diocese, e isso me leva a desejar que também nas paróquias possa logo germinar e difundir-se uma ministerialidade no feminino.

 

Se, por um lado, não será complicado instituir novas catequistas e leitoras (ministérios que já estão pacificamente preenchidos por batizados de ambos os sexos), por outro lado se levanta às nossas comunidades a delicada questão de um acolitado feminino.

 

Eis, portanto, o problema pastoral: o fato de que uma mulher possa se ocupar da preparação da Missa, distribuir a Eucaristia, formar liturgicamente os ministros da paróquia e até expor e guardar o Santíssimo Sacramento durante as Adorações comunitárias (naturalmente, sem dar a bênção) não desperta nenhuma curiosidade; a possibilidade, por sua vez, de que ela colabore “de perto” com o Altar, talvez vestindo um hábito litúrgico, provavelmente é uma imagem a que as nossas comunidades ainda não estão acostumadas.

 

No entanto, o hábito branco (chamado alba) que caracteriza os ministros durante a Liturgia não tem um significado principalmente sacerdotal (uso este termo em referência ao sacramento da Ordem), mas batismal! A alba remete àquela veste branca com que são revestidos todos (todos!) aqueles que, redimidos pelo sangue do Cordeiro, celebram a liturgia de louvor no santuário de Deus (cf. Ap 7,9.14-15), aquela veste que todos (todos!) os fiéis receberam no dia do seu batismo.

 

Em suma, aquele hábito branco pertence – poderíamos dizer por direito – a todos (todos!) os batizados, porque são eles (todos os batizados, todo o povo sacerdotal de Deus) que vivem a Eucaristia. Portanto, apenas amadurecendo essa consciência eclesial é que poderemos superar o constrangimentotalvez ainda um pouco clerical – de um acolitado conjugado no feminino.

 

Caríssimas irmãs, com alegria dirijo-me a vocês.

 

A vocês, que nas nossas comunidades já cuidam do anúncio da Palavra e da celebração da Liturgia, peço com coragem que amadureçam o desejo de servir em nome da Igreja, não nos privem do seu precioso testemunho!

 

Peço-lhes que mostrem um novo estilo ministerial, um estilo mais atento, mais criativo, mais sincero, mais cuidadoso, mais maduro, mais frutífero. Em suma, um estilo ministerial totalmente no feminino!

 

Peço-lhes, em comunhão com os seus párocos, que discirnam na sua vida esse chamado vocacional à representatividade não só na liturgia, mas também na evangelização, na pastoral ordinária e na missão!

 

A todas vocês, por fim, confio dois exemplos altíssimos de ministerialidade feminina: a Virgem Maria, acólita do Senhor, e Maria Madalena, apóstola dos apóstolos. Em ambas, realiza-se de maneira especial a íntima proximidade ao Mistério do Verbo encarnado, crucificado e ressuscitado, e o intrépido anúncio do mesmo Mistério; que a sua imitação e a sua proteção possam infundir em vocês, caras irmãs, o desejo de responder com coragem ao chamado ao ministério estabelecido para o bem de toda a Igreja.

 

Abençoo a todos e a todas no Senhor, nossa única esperança de paz,

 

Noto, 16 de julho de 2022,


Nossa Senhora do Monte Carmelo.

 

+Antonio, bispo.

* * *

Nota pastoral

 

“Um povo todo sacerdotal”

 

Sobre a receptio da modificação do cânone 230 § 1 do Código de Direito Canônico, a propósito da criação de novos itinerários de discernimento e formação para Leitores e Acólitos.

 

O magistério do Papa Francisco, desde os seus primórdios, nunca deixa de interrogar a Igreja universal. Expressões icônicas, de fato, como “Igreja em saída” e “Igreja hospital de campanha”, marcaram profundamente – e continuarão marcando no futuro – a trajetória pastoral das Dioceses de todo o mundo.

 

Enquanto a comunidade dos fiéis se prepara para sair de si mesma para levar a “alegria do Evangelho” (e assim reencontrar a si mesma fora do recinto, nas periferias existenciais), o papa solicita à ministerialidade não apenas os ministros ordenados e os consagrados, mas os todo o povo dos batizados [1]: lembrando-nos de que todos os serviços (ou ministérios) eclesiais “têm por fundamento a comum condição de batizado e o sacerdócio régio recebido no Sacramento do Batismo [...] e podem ser confiados a todos os fiéis que sejam idôneos, de sexo masculino ou feminino” [2].

 

Portanto, também a nossa Igreja deseja “despertar o entusiasmo pessoal de cada batizado e reavivar [nele] a consciência de ser chamado a desempenhar a própria missão na comunidade” [3], não tanto por “concessão” extraordinária, mas em virtude da própria graça que o constituiu – através dos sacramentos da Iniciação cristã – em plena conformidade com Cristo Filho, Sacerdote, Rei e Profeta.

 

Em 1972, na Carta Apostólica Ministeria quaedam, o Papa São Paulo VI apresentava as tarefas dos ministérios restaurados do Leitorado [4] e do Acolitado [5], unindo à função cultual também uma dimensão profundamente “vocacional” e “missionária”.

 

Nas palavras do Santo Papa, o Leitor não se limita a emprestar a sua voz aos textos sagrados durante a Liturgia, mas se compromete “a adquirir cada dia mais plenamente o suave e vivo amor e o conhecimento da Sagrada Escritura”, de modo a se tornar um discípulo cada vez mais perfeito do Senhor.

 

Da mesma forma, ao Acólito não compete apenas cuidar do Altar e do que o cerca, mas se pede que ele “ofereça-se, todos os dias, completamente a Deus e seja, no templo, exemplo para todos pelo seu comportamento sério e respeitoso, e tenha também um sincero amor pelo corpo místico de Cristo, especialmente pelos fracos e os doentes”.

 

É evidente, portanto, que os “ministérios laicais” – embora estando intimamente ligados ao culto – não devem ser pensados em uma acepção exclusivamente litúrgica, como se se pedisse que o batizado ou a batizada “finjam” que são ordenados. Pelo contrário, os leigos chamados ao ministério, além de serem “verdadeiros animadores de assembleias presididas pelo pastor das almas, [deverão ser também] promotores da corresponsabilidade na Igreja e da acolhida de quem busca realizar um itinerário de fé, evangelizadores nas várias situações e emergências da vida, intérpretes da condição humana nos seus múltiplos aspectos. Eles tornarão presentes à comunidade as expectativas e as aspirações dos homens do nosso tempo e, ao mesmo tempo, serão um sinal autêntico da presença da Igreja nas famílias, nos locais de estudo e de trabalho e nas estradas do mundo” [6].

 

Certo de que, nas nossas comunidades, muitíssimos batizados já dão testemunho de tanta dedicação, empenho e colaboração pastoral, com esta Nota PEÇO aos párocos – e a quem lhes são equiparados pelas normas do Direito – que iniciem um processo de discernimento sério e acurado, a fim de identificar alguns homens e mulheres que possam não só apoiar, mas também incrementar a ação pastoral das paróquias, mediante o exercício de uma ministerialidade oficialmente instituída.

 

Tais candidatos, por razões de oportunidade, deverão estar de posse – analogamente ao previsto no cânone 1.029 – dos seguintes requisitos: fé íntegra, reta intenção, devido conhecimento, boa estima, costumes íntegros, virtudes comprovadas e, enfim, deverão estar de posse das qualidades físicas e psíquicas congruentes ao exercício do ministério [7].

 

Além disso, no próximo ano pastoral – à escuta dos conselhos e das sugestões que me chegarão sobre a metodologia e os conteúdos mais oportunos a serem adotados –, terei a preocupação de instituir um adequado percurso diocesano de formação, cuja frequência permitirá que os candidatos e as candidatas alcancem aquele nível de conhecimento teológico, bíblico e litúrgico necessário ao seu compromisso (e cuja frequência será propedêutica para a instituição).

 

Invocando desde agora uma renovada efusão do Espírito do Senhor sobre a nossa Igreja, conforme o mandato do Senhor, convido todos a rezarem, por intercessão de Nossa Senhora da Escada e de São Conrado Confalonieri, ao Senhor da messe para que mande novos operários e operárias à sua messe (cf. Mt 9,37-38).

 

Noto, 16 de julho de 2022,


Nossa Senhora do Monte Carmelo.

 

Notas:

 

+Antonio, bispo

 

1. Cf. Francisco, exortação apostólica Evangeli gaudium, n. 120.

2. Francisco, carta apostólica Spiritus Domini.

3. Francisco, carta apostólica Antiquum ministerium, n. 5.

4. “O Leitor é instituído para o ofício, que lhe é próprio, de ler a palavra de Deus na assembleia litúrgica. Portanto, na Missa e nas outras ações sagradas, cabe a ele proclamar as leituras da Sagrada Escritura (mas não do Evangelho); na ausência do salmista, recitar o salmo responsorial; quando não estiverem disponíveis nem o Diácono nem o cantor, enunciar as intenções da oração universal dos fiéis; dirigir o canto e orientar a participação do povo fiel; instruir os fiéis a receberem dignamente os Sacramentos. Ele também poderá – se necessário – cuidar da preparação dos outros fiéis, que, por encargo temporário, devem ler a Sagrada Escritura nas ações litúrgicas. Para que, depois, possa cumprir com maior dignidade e perfeição esses ofícios, procure meditar assiduamente a Sagrada Escritura. O Leitor, sentindo a responsabilidade do ofício recebido, se esforce de todos os modos e se valha dos meios oportunos para adquirir cada dia mais plenamente o suave e vivo amor e o conhecimento da Sagrada Escritura, a fim de se tornar um discípulo mais perfeito do Senhor”.

5. “O Acólito é instituído para ajudar o Diácono e para ser ministro do Sacerdote. É, portanto, sua tarefa cuidar do serviço do altar, ajudar o Diácono e o Sacerdote nas ações litúrgicas, especialmente na celebração da Santa Missa; além disso, distribuir, como ministro extraordinário, a Santa Comunhão tantas vezes que os ministros, mencionados no cânone 845 do Código de Direito Canônico, não estejam ou não possam fazê-lo por doença, por idade avançada ou por estarem impedidos por outro ministério pastoral, ou todas as vezes que o número dos fiéis, que se aproximam da Sagrada Mesa, seja tão elevado que a celebração da Santa Missa se prolongaria demais. Nas mesmas circunstâncias extraordinárias, ele poderá ser encarregado de expor publicamente à adoração dos fiéis o Sacramento da Santíssima Eucaristia e depois guardá-lo; mas não abençoar o povo. Poderá também – quando seja necessário – cuidar da instrução dos outros fiéis, que, por encargo temporário, ajudam o Diácono e o sacerdote nas ações litúrgicas, levando o missal, a cruz, os círios etc., ou realizando outros ofícios semelhantes. Ele exercerá essas tarefas ainda mais dignamente se participar da Santíssima Eucaristia com uma piedade cada vez mais ardente, se se alimentar dela e dela adquirir um conhecimento cada vez mais profundo. O Acólito, destinado de modo especial ao serviço do altar, aprenda todas aquelas noções que dizem respeito ao culto público divino e se esforce para compreender o seu íntimo e espiritual significado: desse modo, poderá se oferecer, todos os dias, completamente a Deus e ser, no templo, um exemplo a todos pelo seu comportamento sério e respeitoso, e também ter um sincero amor pelo corpo místico de Cristo, ou povo de Deus, e especialmente pelos fracos e os doentes”.

6. CEI, Istituzione dei ministeri, consacrazione delle vergini e benedizione abbaziale (Premisse, n. 5).

7. A esses requisitos, devem-se acrescentar os 25 anos de idade completos e a inexistência de impedimentos canônicos, de modo similar ao que se lê no cânone 1.040.

 

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