21 Abril 2023
Minha maior fonte de consolo é que, graças ao Papa Francisco, a Igreja Católica está do lado certo dessa história. Em sua encíclica Laudato si’, Francisco nos alertou sobre o aquecimento global e o nosso impacto no ambiente. Ser um bom cristão exige cuidar da terra, criação de Deus.
O comentário é do jesuíta estadunidense Thomas J. Reese, ex-editor-chefe da revista America, dos jesuítas dos Estados Unidos, de 1998 a 2005, e autor de “O Vaticano por dentro” (Ed. Edusc, 1998), em artigo publicado por National Catholic Reporter, 19-04-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Uma das poucas vantagens de ser velho é saber que não estarei por aí quando o impacto do aquecimento global se tornar catastrófico. Minha geração conviveu com a possibilidade de extinção humana durante todas as nossas vidas. Depois que a “maior geração” venceu a Segunda Guerra Mundial, a minha geração teve que sobreviver à Guerra Fria sabendo que poderíamos nos explodir em pedacinhos com as armas nucleares que os nossos antepassados criaram. Como fica claro pelo barulho do sabre nuclear de Vladimir Putin depois que ele não conseguiu o que queria na Ucrânia, essa ainda é uma possibilidade.
Mas a nossa preocupação mais imediata hoje é o inevitável aquecimento do planeta. Durante décadas, os relatórios científicos alertaram que o apocalipse está chegando. Os cientistas debatem quando atingiremos o ponto de inflexão: será quando o manto de gelo da Groenlândia derreter para o mar? Quando as florestas tropicais amazônica e africana morrerem? Quando o degelo da tundra ártica liberar megatoneladas de metano?
A menos que paremos de aquecer o planeta com os gases de efeito estufa, o gelo nas geleiras e nos polos Norte e Sul desaparecerá. Áreas costeiras e suas cidades serão inundadas, provocando enormes deslocamentos populacionais e milhões de refugiados climáticos. Os rios alimentados pelas geleiras secarão, os padrões climáticos se alternarão entre secas e inundações, e a produção agrícola será interrompida, causando escassez de alimentos e fome. Os mares ficarão ácidos, matando os recifes de corais, berçários dos oceanos.
Mas, embora esteja feliz por não ter que passar por essa catástrofe, temo que, quando a minha geração estiver diante de Deus no juízo final, não teremos uma resposta para as perguntas dele. “Vocês sabiam o que estava por vir. Por que não fizeram nada?” Em vez disso, nossa atitude foi “bebamos e sejamos felizes, porque amanhã morreremos”.
Mas nem todos ignoraram a calamidade que se aproximava. Alguns serão parabenizados e acolhidos no reino dos céus. Essas pessoas me dão alguma esperança enquanto celebramos o Dia da Terra 2023 [no sábado, 22 de abril].
Minha maior fonte de consolo é que, graças ao Papa Francisco, a Igreja Católica está do lado certo dessa história. Em sua encíclica Laudato si’, Francisco nos alertou sobre o aquecimento global e o nosso impacto no ambiente. Ser um bom cristão exige cuidar da terra, criação de Deus. Outros líderes religiosos também se manifestaram. Isso é importante, porque historicamente a religião teve o poder motivador de levar as pessoas a sacrificar seu interesse próprio por um bem maior.
Também encontro esperança no fato de que cada vez mais pessoas estão aceitando a realidade do aquecimento global. Até mesmo as empresas de combustíveis fósseis, tendo desistido de negar o aquecimento global, estão na defensiva. Elas e seus defensores do Partido Republicano defendem agora um longo período de transição para uma economia verde. Infelizmente, não temos tempo para uma transição longa.
A mudança na opinião pública se reflete nas escolhas de consumo que as pessoas estão fazendo. As pessoas agora entendem que as lâmpadas LED, embora mais caras na loja, economizam dinheiro em longo prazo e são melhores para o ambiente do que as incandescentes. A demanda por carros elétricos tem superado as expectativas, e, à medida que o governo Biden pressiona as montadoras para aumentarem a produção, eles devem ficar mais baratos. As bombas de calor [ou também trocadores de calor] estão ficando mais populares, e os painéis solares sobre os telhados estão se tornando uma imagem comum.
A indústria estadunidense reconhece agora que há dinheiro a ser ganho em uma economia verde. A energia solar e eólica é mais barata agora do que os combustíveis fósseis. A corrida continua no sentido de desenvolver melhores baterias e outros produtos para aproveitar a nova realidade energética.
Essa mudança na opinião pública tornou mais fácil para os funcionários do governo resistirem a interesses especiais e apoiarem políticas ambientais. A chamada Lei de Redução da Inflação, aprovada no ano passado, é o compromisso sobre recursos mais significativo de todos os tempos para combater as mudanças climáticas.
Até os agricultores estão despertando para o impacto do aquecimento global em seus meios de subsistência que dependem do clima e estão mudando suas práticas. Mais agricultores estão plantando culturas de cobertura para o inverno. Toda a ideia em torno da aragem dos campos está sendo questionada. O uso de resíduos agrícolas como biocombustível está sendo pesquisado.
Os cientistas os acompanham nessa transição, desenvolvendo novas variedades perenes de arroz que não precisarão ser replantadas todos os anos. Avanços semelhantes para o milho, o trigo e outros grãos revolucionariam a agricultura e libertariam os agricultores da dependência em relação aos produtores de sementes, reduzindo as emissões de carbono.
O cultivo de algas marinhas é outro tipo promissor de agricultura que fornece uma fonte de alimento enquanto reduz as quantidades de dióxido de carbono no oceano. Melhor ainda, alguns tipos de algas marinhas podem ser usados como ração para o gado, o que reduz suas emissões de metano, um gás de efeito estufa mais poderoso do que o dióxido de carbono.
Os cientistas são os verdadeiros heróis na luta contra as mudanças climáticas. Eles nos alertaram sobre os perigos vindouros e também têm trabalhado incansavelmente para encontrar soluções práticas.
Eles estão envolvidos em salvar o planeta de maneiras óbvias – desenvolvendo a energia do hidrogênio, que em longo prazo pode ser uma fonte de energia limpa e abundante – e de maneiras que não podemos sequer conceber. A esperança oferecida pelas fazendas de algas marinhas, por exemplo, está ameaçada por uma doença que está acabando com as estrelas-do-mar, predadoras naturais dos ouriços-do-mar, que proliferaram e devastaram os leitos de algas marinhas na costa oeste dos Estados Unidos. Biólogos ecológicos estão correndo para encontrar uma cura.
Mas os cientistas estão ficando sem tempo. Todos nós devemos fazer o que pudermos para impedir as mudanças climáticas e devemos agir agora.
Ainda não estamos levando suficientemente a sério a guerra contra o aquecimento global. Comprometemos mais fundos para deter os russos na Ucrânia do que para deter o aquecimento global. A Europa tem mostrado que as pessoas podem enfrentar disrupções dramáticas em suas vidas quando o gás russo é cortado repentinamente. Não estamos nos mostrando dispostos a fazer sacrifícios semelhantes para lidar com o aquecimento global.
Para mim, o Dia da Terra será um dia de medo e esperança. Esperança porque a humanidade está caminhando na direção certa; e medo de não chegarmos a tempo.
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Dia da Terra, um dia de medo e de esperança. Artigo de Thomas Reese - Instituto Humanitas Unisinos - IHU