05 Abril 2023
"Finanças, tecnologia e cooperação internacional são os facilitadores decisivos para acelerar a ação climática. Se quisermos atingir esses objetivos, precisamos incrementar significativamente o financiamento para a adaptação e a mitigação. O capital global é suficiente para os investimentos necessários, mas devem ser superados os consideráveis obstáculos que impedem o direcionamento de recursos para ações climáticas. Iremos conseguir?", questiona o físico italiano Luigi Togliani, em artigo publicado por Settimana News, 04-04-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, apresentou no último dia 20 de março o relatório recém-produzido pelo IPCC - Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas -, o órgão da ONU que estuda as mudanças climáticas e que representa a mais alta autoridade científica no assunto.
Guterres começou dizendo que a humanidade está numa fina lâmina de gelo que está prestes a derreter. Para evitar a bomba climática é preciso intervir de forma intensiva, imediata e conjunta, mesmo tendo em conta os diferentes níveis de desenvolvimento econômico dos vários países do mundo. O prazo de 2050 não pode ser prorrogado para atingir a meta de zero emissão de gases de efeito estufa na atmosfera; os maiores emissores deveriam buscar atingir a meta até 2040, deixando mais folga para os países com poucos recursos.
Mas o que exatamente afirma o recente relatório do IPCC? O relatório está dividido em três partes: A. Situação atual e tendências; B. Alterações climáticas futuras, riscos e respostas a longo prazo; C. Respostas de curto prazo.
Como nos relatórios anteriores, os cientistas do IPCC destacam que as atividades humanas são responsáveis pelo aquecimento global através das emissões de gases de efeito estufa no uso não sustentável da energia, consumo do solo e das florestas, nos danos aos oceanos, nos estilos de vida de tipo consumista. O aumento médio de temperatura na superfície da Terra é de 1,1°C em relação a 1850.
Guterres retoma o conceito sublinhando que a percentagem de aumento térmico é a mais elevada dos últimos 2000 anos, a concentração de dióxido de carbono (CO2) é a maior dos últimos 2 milhões de anos.
Registramos mudanças rápidas na atmosfera, oceanos, criosfera e biosfera. Isso comporta mudanças profundas, com eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes, sérios danos e perdas na natureza e nas comunidades humanas. As comunidades mais vulneráveis, que contribuíram de maneira mínima pela atual mudança climática, são as mais atingidas por suas consequências.
Planos de adaptação à nova situação ambiental estão sendo desenvolvidos e os primeiros benefícios já podem ser percebidos. Mas há diferenças notáveis na realização entre uma região e outra do planeta. O apoio financeiro para esses planos é extremamente insuficiente, especialmente nos países em desenvolvimento.
As políticas e leis voltadas para a mitigação se ampliaram. Os estudos publicados em outubro de 2021 nos dizem que o aquecimento global provavelmente ultrapassará 1,5°C neste século e que será difícil mantê-lo abaixo de 2,0°C. As políticas nacionais ainda não visam evitar esse preocupante aquecimento.
As emissões contínuas e persistentes de gases de efeito estufa nos levarão a atingir 1,5°C em tempos reduzidos. Todo aumento da temperatura média envolve múltiplos riscos e danos, concomitantes e interativos entre si, tanto mais relevantes quanto maior a variação térmica registrada. Esses riscos e danos são muito complexos e difíceis de prever. Em vez disso, reduções profundas e rápidas das emissões levariam a uma apreciável desaceleração do aquecimento global em duas décadas, bem como a mudanças mensuráveis na composição atmosférica.
Algumas mudanças futuras já são agora inevitáveis ou irreversíveis, mas podem ser limitadas com uma redução rápida e sustentável das emissões. A probabilidade de mudanças irreversíveis e eventos catastróficos excepcionais aumenta à medida que aumenta o aquecimento global.
As opções de adaptação hoje viáveis tornam-se menos eficazes à medida que aumenta a variação térmica média. E com o aumento do aquecimento, as perdas e danos tornam-se mais pesados, com o risco de os sistemas naturais e humanos atingirem rapidamente os limites para sua sobrevivência. Uma adaptação bem-sucedida requer planos flexíveis, multissetoriais, inclusivos e de longo prazo, bem como ações eficazes para implementar a adaptação aos muitos setores e sistemas.
Para não ultrapassar o limite de 1,5°C ou 2,0°C (hipótese mais realista), é necessário proceder a uma redução drástica e rápida das emissões líquidas de CO2, até que sejam zeradas em 2050.
A mudança climática é uma ameaça ao bem-estar humano e à saúde do ecossistema planetário. A janela de oportunidade para garantir um futuro habitável e sustentável para todos está se fechando rapidamente. As intervenções para o desenvolvimento sustentável, que incluem também adaptação e mitigação, podem ser ativadas por uma crescente cooperação internacional que comporta um melhor acesso aos recursos financeiros e políticas inclusivas e coordenadas, em particular a favor das regiões e populações mais vulneráveis. As escolhas e ações implementadas nesta década terão impactos que continuarão por centenas de anos.
Decisões rápidas e radicais, em termos de mitigação e adaptação, tomadas nesta década, podem reduzir as perdas e os danos para a humanidade e para os ecossistemas e produzir muitos benefícios, especialmente para a qualidade do ar e a saúde. Adiar as decisões sobre a mitigação e a adaptação conservaria as infraestruturas de altas emissões, aumentaria o risco de uma escalada dos custos e aumentaria as perdas e os danos. Ações profundas e de curto prazo exigem o uso de grandes investimentos e fortes mudanças que podem ser implementadas por escolhas políticas adequadas.
Por outro lado, transições rápidas e de amplo alcance em todas as atividades humanas são necessárias para reduzir fortemente as emissões e garantir um futuro para o nosso mundo. Para adaptar e mitigar podem ser adotadas soluções viáveis mesmo a custo relativamente baixo, com as devidas diferenças de acordo com os sistemas e as regiões tomadas em análise. Uma ação acelerada e equitativa de mitigação e adaptação aos impactos decorrentes da mudança climática é decisiva para um desenvolvimento sustentável e apresenta muitas sinergias com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU.
A justiça climática e social, a inclusão e os processos de transição ecológica podem favorecer ações de adaptação e mitigação e um desenvolvimento resiliente ao clima. Os resultados nessa direção são fortalecidos pelo apoio às regiões e às populações mais vulneráveis aos riscos climáticos: integrar a adaptação climática com os programas de proteção social produz resiliência. Muitas medidas podem ser adotadas para reduzir os consumos intensivos que produzem as emissões, por meio de mudanças de comportamentos e estilos de vida, com efeitos positivos para o bem-estar social.
Objetivos claros, um sério compromisso político nos âmbitos institucionais, uma governança bem coordenada em todos os níveis para enfrentar as várias demandas, leis e estratégias ad hoc e um maior acesso a financiamentos e tecnologia pode ativar uma ação climática eficaz. Os instrumentos regulatórios e econômicos, se aplicados em larga escala e com intensidade, podem favorecer uma significativa redução de emissões e fortalecer um desenvolvimento climático-resiliente.
Finanças, tecnologia e cooperação internacional são os facilitadores decisivos para acelerar a ação climática. Se quisermos atingir esses objetivos, precisamos incrementar significativamente o financiamento para a adaptação e a mitigação. O capital global é suficiente para os investimentos necessários, mas devem ser superados os consideráveis obstáculos que impedem o direcionamento de recursos para ações climáticas.
Iremos conseguir?
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ONU: mudanças climáticas. Artigo de Luigi Togliani - Instituto Humanitas Unisinos - IHU