14 Abril 2023
As grandes instituições financeiras seguem apoiando o capital fóssil com investimentos que vão além de 2050. Santander, BBVA e Caixabank destinaram 75 bilhões de dólares a esta indústria desde a aprovação do Acordo de Paris.
A reportagem é de Pablo Rivas, publicada por El Salto, 09-04-2023. A tradução é do Cepat.
A manchete é chamativa: “Deutsche Bank anuncia o fim de seus investimentos em empresas de combustíveis fósseis”. A notícia continua com declarações de um porta-voz do grande banco alemão em que afirma que a entidade está empenhada em ser uma instituição financeira responsável e sustentável.
“Acreditamos que esta é a coisa certa a se fazer pelo planeta e pelo nosso futuro”, acrescenta o suposto representante. No último parágrafo, porém, uma ducha de água fria. A 350.org, organização ambientalista focada no combate à crise climática, responsável pela suposta notícia enviada à imprensa em forma de comunicado de imprensa, comunica que, “infelizmente”, a notícia é falsa. “Gostaríamos que fosse verdade, mas o banco alemão continua investindo em combustíveis fósseis”.
A nota faz parte da campanha #BreakUpWithDeutscheBank (#RompeconDeutscheBank), por meio da qual a 350.org pretende pressionar o grande banco alemão para que retire os bilhões que investiu nas indústrias com maiores emissões de gases de efeito estufa (GEE) que geram, persuadindo seus clientes a mudarem para entidades com maior grau de sustentabilidade. A entidade não é um player menor neste setor. Entre 2016 e 2021, financiou a expansão do capital fóssil com 85,9 bilhões de dólares, segundo dados da última edição do informe Banking on Climate Chaos, publicado pela Rainforest Action Network, BankTrack, Indigenous Environmental Network, Oil Change International, Reclaim Finance e Sierra Club, uma pesquisa anual que também conta com o apoio de trezentas organizações. São investimentos bilionários que vão para a prospecção de petróleo, expansão de campos de gás e ampliações de todo tipo de infraestrutura fóssil sob a promessa de retorno de interesses de uma indústria que continua obtendo lucros recordes às custas da saúde do planeta.
O relatório reúne e contabiliza os investimentos desde 2016 por ter sido o ano em que foi adotado o Acordo de Paris, texto pensado para ser o plano definitivo para limitar o aumento médio da temperatura global a 1,5ºC, mas oito anos depois tem muitos pontos para fechar enquanto suas conclusões estão defasadas pela aceleração da crise climática. Desde então, os 60 maiores bancos do mundo financiaram a indústria dos combustíveis fósseis com uma cifra nada desprezível de 4,6 trilhões de dólares, 742 bilhões apenas em 2021.
Quatro bancos ostentam a duvidosa honra de fazer parte do pódio do financiamento fóssil: os estadunidenses JPMorgan Chase, Citi, WellsFargo e Bank of America. Juntos, somam um quarto de todo o valor que fizeram chegar à indústria do petróleo e do gás.
Financiamento global à indústria fóssil por parte dos 60 maiores bancos do mundo, em bilhões de dólares. Fonte: Banking on Climate Chaos
Longe de ser uma tendência de queda, as entidades responsáveis pelo relatório sublinharam que, apesar da estagnação dos investimentos em 2021 – em consequência da “recuperação prolongada da pandemia de Covid-19” –, os níveis de investimento fóssil ainda são superiores aos de 2016. Por isso, destacaram “a necessidade de os bancos implementarem imediatamente políticas que acabem com o financiamento da expansão dos combustíveis fósseis e comecem a reduzir a zero seus apoios”.
Com todo o tipo de mensagens ao público anunciando a sustentabilidade da banca global, a realidade é que as 450 entidades que capitalizam 40% dos ativos globais comprometeram-se a que seus investimentos caiam a zero emissões, mas em 2050, data para a qual ainda falta um quarto de século e em que, no ritmo atual, a crise climática teria ultrapassado 1,5ºC de aquecimento global médio, pondo fim ao objetivo do Acordo de Paris. Isso foi acertado na COP26, com um acordo que, aliás, nem é vinculante.
O capital espanhol está muito envolvido nesse jogo de fumaça e benefícios. Se o Deutsche Bank ocupa o 22º lugar em termos de montante de investimento fóssil 2016-2021, o Santander ocupa o 32º lugar, com 42,9 bilhões; BBVA o 42º, com 26,3 bilhões; e Caixabank o número 56, com 5,5 bilhões.
Sobre a entidade financeira espanhola que mais capital aporta para a crise climática, a confederação Ecologistas en Acción e a ONG Mighty Earth acabam de publicar um relatório que analisa detalhadamente os seus investimentos nas indústrias que produzem a crise climática, que inclui investimentos em gás natural liquefeito, empréstimos a grandes multinacionais criadoras de gado e ativos em empresas culpadas de desmatamento em grande escala.
Investimentos em setores fósseis do Banco Santander, por subsetores. Fonte: Mighty Earth e Ecologistas en Acción
“O Santander é um banco que financia pesadamente diversas multinacionais sediadas na América e que têm uma enorme atividade relacionada ao desmatamento em países como o Brasil”, assinala Carlos Bravo, porta-voz da Mighty Earth e um dos responsáveis pelo relatório. Ele se refere a empresas como JBS, Marfrig e Minerva, principais exportadoras brasileiras de carne bovina e envolvidas diretamente na destruição de florestas em áreas como a Amazônia ou o Cerrado. As três representam mais de 45% do gado criado e abatido na Amazônia.
Os dados apurados pelas duas organizações indicam que a entidade presidida por Ana Patricia Botín-Sanz [do Santander] é a segunda instituição financeira da União Europeia – atrás apenas do HSBC – que mais empréstimos concede a estas empresas. Entre 2013 e 2019, o Santander as financiou com pelo menos 1,3 bilhão de dólares. “São grandes empresas da indústria, principalmente do ramo de carnes, que possuem enormes emissões de gases de efeito estufa, tanto diretas quanto indiretas, que, no caso da JBS, ultrapassam as emissões de um país como a Itália”, denuncia o representante.
Longe de parar em 2019, desde então o Santander participou de oito das nove emissões de títulos que a JBS realizou, aportando 7,1 bilhões de dólares. Isso coloca a entidade entre os 20 bancos que estão financiando não apenas o desmatamento em florestas tropicais, mas também as maiores emissões de metano – gás com potencial de aquecimento global 84 vezes maior que o CO2 nos primeiros 20 anos – relacionadas ao setor pecuário em nível mundial.
Principais financiadores globais da indústria fóssil, em bilhões de dólares. Fonte: Banking on Climate Chaos
Da mesma forma, entre 2010 e 2022, o Santander ofereceu empréstimos no valor de 11,1 bilhões aos setores mais envolvidos no desmatamento, segundo a pesquisa, que inclui empresas dedicadas a madeira, papel, óleo de palma, carne bovina, soja e borracha.
Na mesma linha, e desta vez focada em investimentos em nível estatal, outra pesquisa – desta vez assinada por Amigos de la Tierra e publicada em 23 de março – estimou em mais de 2 bilhões os empréstimos feitos por bancos espanhóis a empresas do setor de carne e leite, “responsáveis pela poluição ambiental, aumento das emissões de C02, práticas anticoncorrência e exploração do trabalho, entre outros custos sociais”, denunciam os autores do relatório.
No que diz respeito ao financiamento da energia fóssil, o relatório destaca um aumento do interesse do setor financeiro pelo gás natural liquefeito (GNL), inclusive com investimentos com prazo de 30 anos, o que significa que as entidades estão garantindo o financiamento dos combustíveis fósseis para além da meta do zero líquido global de 2050.
É o caso dos investimentos realizados pelos bancos espanhóis na empresa americana Venture Global LNG, multinacional dedicada à produção de gás natural. O Santander – como entidade principal –, BBVA e Caixabank estão entre os credores do projeto Plaquemines LNG, uma planta de liquefação de GNL que a empresa está construindo no Golfo do México, para a qual obteve um investimento de 21 bilhões de dólares e contou com forte oposição cidadã nos Estados Unidos.
O Santander participou, entre abril de 2021 e setembro de 2022, na colocação de bônus para a Venture Global no valor de 3 bilhões de dólares, conforme indicam os dados fornecidos pela organização independente Profundo a que Ecologistas en Acción teve acesso. “Trata-se de um investimento altamente controverso”, denunciaram Mighty Earth e Ecologistas en Acción, “pois as organizações locais alertam para a poluição do ar na área e os problemas de saúde que está causando na população local”.
Mas o projeto estadunidense não é de forma alguma o único futuro projeto fóssil do qual participam o Santander ou o BBVA. Conforme aponta o relatório “Quem financia a expansão dos combustíveis fósseis na África?”, publicado na Conferência sobre o Clima de Sharm el Sheikh (COP27) e assinado por cerca de trinta organizações ambientais, as duas entidades figuram entre as 20 que mais contribuem com financiamento para a expansão de combustíveis fósseis na África. Concretamente, o Santander aparece em 16º lugar, com quase 2 bilhões de dólares e o BBVA em 20º, com 1,3 bilhão.
“O Santander assinou muitos compromissos de responsabilidade social corporativa e ambiental, mas no final o que vemos é que todos esses bancos, e este em particular, estão investindo enormes quantias de dinheiro para financiar o desmatamento ou os combustíveis fósseis”, lamenta Bravo, que denuncia: “Estão favorecendo a continuação dos combustíveis fósseis até depois de 2050. Que compromisso é esse?”
As duas organizações lançam uma série de recomendações ao Banco Santander sobre o desmatamento e a relação com as indústrias fósseis e de armas, setor – este último – no qual a entidade financiou grandes empresas de armamento e militarização de fronteiras com mais de 4 bilhões entre 2020 e 2022, apesar das políticas do banco supostamente proibirem o financiamento de armas militares.
Em relação ao desmatamento, exigem que os bancos suspendam qualquer serviço, financiamento ou contrato com aquelas empresas que não demonstrarem de forma transparente que cumprem integralmente seus acordos de não desmatamento. Também exigem que as empresas de energia, carne e laticínios financiadas por bancos espanhóis publiquem informações quantificadas, verificadas de forma independente e completas sobre as emissões de metano, diretas e indiretas, por linha de produto.
Em relação à indústria fóssil, pedem aos bancos que cumpram os acordos globais assinados, especialmente o Net Zero Banking Zero Alliance, acordo promovido pela Iniciativa Financeira do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e assinado pelo Santander, que tem entre seus objetivos acabar paulatinamente com as emissões atribuíveis às carteiras de empréstimos e alinhar-se para com o zero emissões líquidas até meados do século ou antes. O acordo inclui “estabelecer metas intermediárias para 2030, ou antes, para os setores prioritários intensivos em gases de efeito estufa e de emissão de gases de efeito estufa”.
Assim, diante do anúncio de compromissos climáticos e ambientais como o mencionado, que depois caem em saco furado, Ecologistas en Acción e Mighty Earth alertam que a sociedade “deve estar vigilante para evitar o greenwashing e exigir uma responsabilidade corporativa do Banco Santander que realmente sancione esse tipo de investimento e que permita um redirecionamento dos fluxos financeiros para atividades que não impactam a vida das pessoas e a saúde do planeta”.
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Do Santander ao Deutsche Bank: os grandes bancos alimentam a fogueira da crise climática - Instituto Humanitas Unisinos - IHU