21 Dezembro 2017
“É necessário abandonar o paradigma do crescimento permanente e ilimitado, que agora pretende se relegitimar afirmando sua compatibilidade com uma redução do consumo de energia e do impacto ambiental, graças ao aumento da eficiência e da inovação tecnológica. Aqueles que nos chamam a uma quarta revolução industrial fazem uma profissão de fé na ciência e na tecnologia, como se estas pudessem superar indefinidamente os limites biofísicos. Sob a parafernália tecnocrática, esta postura se baseia unicamente na fé (nos avanços futuros), ignorando as evidências dos estudos disponíveis”, escrevem o sociólogo Walter Actis e a psicóloga Patricia Luque, em artigo publicado por El Diario, 18-12-2017. A tradução é do Cepat.
Caminhar sobre o abismo dos limites. Assim se intitula um relatório recente elaborado por Ecologistas en Acción e La Transicionera. O texto parte da constatação de que as evidências oferecidas por diferentes organismos internacionais e por boa parte da comunidade científica destacam que estamos em um momento inédito na história da humanidade: estamos às portas de uma grande mudança civilizatória.
Começa a ficar evidente o início do esgotamento dos recursos energéticos e materiais, assim como os efeitos iniciais da mudança climática e da perda de biodiversidade. Paralelamente, o capitalismo global enfrenta uma crise que manifesta importantes limites estruturais. Neste contexto, manter a espiral de produção e consumo crescentes só pode acelerar a crise sistêmica.
As manifestações desta crise global são palpáveis no cenário político mundial. As políticas de marcado corte xenófobo dos dois lados do Atlântico estão respondendo à perda de empregos industriais e à queda nas rendas das classes médias, produzidas pelas políticas neoliberais, mas também pelo esgotamento de recursos físicos. As grandes migrações e deslocamentos de refugiados são consequências dos efeitos de guerras em busca de recursos energéticos e de vantagens geoestratégicas, mas também dos efeitos da mudança climática.
Possivelmente, alcançamos o pico de extração de todos os líquidos combustíveis (a partir daqui, o que resta é de pior qualidade e/ou de mais difícil extração) e as reservas de gás e carvão decairão em breve. Este panorama torna inevitável uma redução dos índices de consumo energético atuais (maior para aqueles que mais consomem) e requer a transição para um modelo baseado em fontes renováveis. Contudo, uma sociedade 100% renovável será muito diferente da atual, pois as prestações em potência e a versatilidade destas fontes são inferiores em relação a dos combustíveis fósseis.
Por outro lado, caso não consigamos estabilizar a concentração de CO2 atmosférico e frear as piores consequências da mudança climática, serão apresentados cenários muito duros de escassez alimentar e de água, de perda de biodiversidade, fenômenos meteorológicos extremos, desenvolvimentos de pragas e enfermidades, deslocamentos humanos em massa, etc. Por isso, a luta contra os fatores que impulsionam a mudança climática é o grande desafio de nosso tempo.
A exploração de materiais não energéticos e de recursos essenciais como a terra e a água também está chegando a seus limites de disponibilidade e acesso (agravado pelo declive energético já mencionado). Isto nos leva a um cenário de escassez material insistentemente ignorado por aqueles que se empenham cegamente no “crescimento” econômico. O grande desafio e a melhor das apostas para as maiorias sociais é conseguir uma redução dos níveis de consumo material, acompanhada por uma redistribuição justa e equitativa dos recursos.
Além disso, estamos presenciando a sexta grande extinção de biodiversidade na história do planeta. Este processo coloca em risco não só a existência de milhões de espécies e habitats, como também ameaça gravemente o equilíbrio de inter e ecodependência que sustenta a vida humana.
Para quem quer ver, é claro que a espiral do crescimento e o desenvolvimento infinito chegaram ao teto. O descrescimento material das sociedades já não é uma mera hipótese ou a reivindicação de certas minorias: é uma realidade que começa a se desenvolver sob nossos pés e se imporá, queiramos ou não. O verdadeiro dilema se coloca, agora, entre um descrescimento justo e outro injusto. Se não tomarmos as rédeas com decisão, o fator tempo joga contra nós. Quanto mais atrasarmos a transição energética para um modelo baseado em fontes renováveis e a diminuição dos níveis de consumo, quanto mais demorarmos para enfrentar decididamente a mudança climática e a degradação ambiental, mais ficará distante a possibilidade de um futuro digno para as maiores sociais e as gerações vindouras. Devemos e podemos iniciar, agora, a transição a um novo paradigma que reverta os valores dominantes e traceje caminhos de esperança que ofereçam a possibilidade de uma vida digna para a maioria das pessoas, preservando ao mesmo tempo a natureza.
Para isso, é necessário abandonar o paradigma do crescimento permanente e ilimitado, que agora pretende se relegitimar afirmando sua compatibilidade com uma redução do consumo de energia e do impacto ambiental, graças ao aumento da eficiência e da inovação tecnológica. Aqueles que nos chamam a uma quarta revolução industrial fazem uma profissão de fé na ciência e na tecnologia, como se estas pudessem superar indefinidamente os limites biofísicos. Sob a parafernália tecnocrática, esta postura se baseia unicamente na fé (nos avanços futuros), ignorando as evidências dos estudos disponíveis.
Os desafios são de enorme magnitude. Mas, o destino não está escrito. Existem opções que podem abrandar as consequências mais duras do colapso do sistema, protegendo as maiorias sociais. Opções que requerem profundas mudanças econômicas, políticas e culturais. Com o objetivo de promover o debate social a respeito desta perspectiva estratégica, destacamos algumas das possíveis medidas a serem adotadas:
- Colocar em marcha um plano multissetorial, orientado a uma drástica diminuição no consumo material e energético, garantindo os consumos básicos para que toda a população desfrute de uma vida digna. Em 2030, a geração com energias renováveis deverá alcançar ao menos 45% e a redução do consumo energético deveria ser de 40% em relação a 1990.
- Diante da mudança climática, elaborar estratégias multissetoriais que gerem uma drástica diminuição nas emissões de gases do efeito estufa, a um ritmo no mínimo de 5% anual, até 2030, e de 10%, entre 2030-2040, para alcançar a descarbonização antes de 2050.
- Aprovação de um plano de emergência para deter a perda de diversidade biológica, assegurando a conservação dos processos ecossistêmicos dos quais dependemos todos nós, seres vivos, e adotando os compromissos da Estratégia Europeia de Biodiversidade e as Metas de Aichi, do Convênio de Diversidade Biológica.
- Promoção de uma economia social, feminista e ecológica, centrada no bem comum e não na acumulação de mais-valia monetária, que coloque no centro os processos de sustentabilidade da vida e garanta a equidade social.
- Reconduzir as políticas de infraestruturas de transporte e urbanismo segundo critérios de eficácia e poupança de recursos e impactos, e de equidade social. Fomento da acessibilidade frente à mobilidade.
- Abandonar o modelo agroalimentar petrodependente em favor da produção ecológica, local e em pequena escala, primando pela soberania alimentar dos territórios. Para 2020, alcançar que 30% da superfície cultivada seja de produção ecológica, que 30% do consumo interno seja de produtos ecológicos locais. Reduzir em 30% o uso de fitossanitários de síntese.
- Promover uma educação para a sustentabilidade, que propicie mudanças no modelo de desenvolvimento, nos hábitos de consumo, a equidade de gênero e a participação.
O desafio é sério. Se continuamos dando as costas à crise que denunciamos, a catástrofe nos alcançará mais cedo que pensamos. Ao contrário, caso estejamos dispostos a defender uma vida digna e sustentável, sem exclusão e autoritarismos, é necessário se colocar em marcha. Não faltam propostas, mas, sim, consciência e organização. O que estamos esperando? O amanhã se constrói aqui e agora.
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Caminhar sobre o abismo dos limites - Instituto Humanitas Unisinos - IHU