28 Outubro 2022
"É preciso uma conversão, é preciso mudar as mentes e os corações, não pensar na terra como uma túnica a ser partilhada entre os soldados, nas fronteiras como portões e muros a serem erguidos, aos Estados como zoológicos a serem cercados, aos estrangeiros como inimigos a combater ou a serem expulsos, à política como antevisão da guerra. É preciso ir às raízes distantes, à ideia ancestral da guerra como natureza e da paz como artifício, da razão que tudo pode e do amor que nada pode fazer. E nos converter", escreve Raniero La Valle, jornalista e ex-senador italiano, em artigo publicado por Chiesa di tutti Chiesa dei poveri, 26-10-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
O advento de Giorgia Meloni no governo trouxe de volta ao poder uma direita antiga que pensávamos já ter acabado. No entanto, não se trata do fascismo na forma daquele regime que nos devastou por vinte anos, mas do fascismo na cultura que o inspirou, que lhe deu origem e que lhe forneceu a imagem.
Como um rio subterrâneo, ele havia penetrado em profundidade, fluindo oculto, e eis que agora reaparece, não sabemos ainda o quão prejudicial.
Nesse sentido, a história italiana é um símbolo da história muito mais trágica da cultura da modernidade, que em sua manifestação como cultura de domínio e guerra, depois de ter produzido guerras e nazismos, foi derrotada pelas resistências e pelas democracias, sobreviveu latente na guerra fria, agressiva na longa guerra mundial "em pedaços", da Palestina à Vietnã, ao Golfo, à Iugoslávia, ao Afeganistão, mostrou-se inclemente na globalização, na cultura do descarte, na economia que mata, e agora explodiu na ameaça de um conflito global no desafio mútuo entre OTAN, Rússia, Ucrânia e Europa.
Essa é o motivo pelo qual a guerra na Ucrânia, que à luz da razão pareceria tão fácil de dar-lhe um fim, com uma negociação que restitua a segurança à Rússia, imunidade à Ucrânia, direitos e autodeterminação para os povos do Donbass, credibilidade para os EUA, paz para a Europa e dignidade para a Itália, continua sem que se veja nenhuma solução. Pelo contrário, está se expandindo e se tornando mais intensa no Báltico com sabotagens aos gasodutos, no Mar Negro com ataques a navios e atentados a pontes, em Kiev e com bombas, mísseis e drones sobre as centrais elétricas e as outras cidades.
E agora como soberana da guerra aparece a Europa. Ela, primeiro com os gritos do seu Parlamento, depois, com o edito do último Conselho da Europa, declara formalmente, talvez até sem se aperceber, a guerra à Rússia, decretando que a Ucrânia deva retomar os territórios perdidos, incluindo a Crimeia, e deva fazê-lo com o dinheiro e as armas fornecidos pela própria Europa. A história não ensinou nada, não só não nos lembramos que a Ucrânia é aquela “enorme extensão de terra plana que a França napoleônica, a Alemanha Imperial e a Alemanha nazista atravessaram para atingir a Rússia" (como escreveu "Foreign Affairs”), mas nem mesmo que a tenhamos percorrido nós também com o presidencialismo que o fascismo queria com o envio da Força Expedicionária Italiana à Rússia.
É realmente o caso de dizer: “Deus, perdoa-lhes porque não sabem o que estão fazendo”. De fato, é bom e justo que o Senhor também liberte os "malfeitores" da angústia, como sugere a liturgia, mas devemos saber que é a tragédia estamos enfrentando com nosso viático, e que de resto já está em ato para povos inteiros.
Deveríamos então nos perguntar o que fazer para sair da atual situação. É claro que os recursos do poder e do direito, como existem hoje, são incapazes de fazê-lo. Mesmo as Constituições consagram uma realidade que já existe, não criam o que na realidade ainda não existe e que elas prometem. Isso pode ser visto claramente com o art. 3 da Constituição italiana ou com seu não implementado repúdio à guerra.
É necessário, portanto, ir mais a montante, onde a velha cultura penetra profundamente na terra, contamina suas fibras e envenena seus frutos. Ou seja, é preciso uma conversão, é preciso mudar as mentes e os corações, não pensar na terra como uma túnica a ser partilhada entre os soldados, nas fronteiras como portões e muros a serem erguidos, aos Estados como zoológicos a serem cercados, aos estrangeiros como inimigos a combater ou a serem expulsos, à política como antevisão da guerra. É preciso ir às raízes distantes, à ideia ancestral da guerra como natureza e da paz como artifício, da razão que tudo pode e do amor que nada pode fazer. E nos converter.
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O que fazer para sair da atual situação. Artigo de Raniero La Valle - Instituto Humanitas Unisinos - IHU