30 Setembro 2022
"Mas não venceu o fascismo. Venceu o sistema que criamos com tanto entusiasmo e persistência e falso messianismo. O sistema que se funda e se conserva construindo o inimigo", escreve Raniero La Valle, jornalista e ex-senador italiano, em artigo publicado em Chiesa di tutti Chiesa dei poveri, 28-09-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
O desastre finalmente chegou. A direita-direita venceu; muitos a chamam de fascismo. Até a sátira apareceu no dia seguinte de camisa preta, como se dissesse: “está feito”. A primeira mulher chega, apenas uma, no comando, para substituir o último homem, que havia agradado a todos, tinha olhos de dragão (dragões e tigres tão amados por Letta). E agora todo mundo chora, até "La Stampa", que está arrependida, e "Otto e mezzo", temem um governo como não temos desde 25 de julho de 1943, felizmente há a Constituição no meio, não o Estatuto Albertino.
Mas não venceu o fascismo. Venceu o sistema que criamos com tanto entusiasmo e persistência e falso messianismo. O sistema que se funda e se conserva construindo o inimigo: no plano internacional e no plano interno, porque não pode existir em um plano se não houver também no outro.
Internamente, restauramos o sistema quando, com o fim do comunismo, temíamos perdê-lo. Em primeiro lugar exorcizamos as ideias (chamadas ideologias) e dissolvemos os partidos: sob o pretexto de que não tinham as mãos limpas, garantimos que não tivessem mais mãos (houve também um livro de poesias intitulado assim).
Em seguida, descartamos o pluralismo e o proporcional e colocamos nos altares um sistema de "vocação majoritária", como dizia o versátil Veltroni, quem ganha, ganha tudo, quem perde, perde tudo, e seu instituto fundador foi batizado com um nome inglês (como é obrigatório), e é o “spoil system” (a divisão dos espólios), sem pensar que a maioria poderia ficar com os outros; o Partido Democrático e o Ulivo, que juntaram, sem outras explicações, as duas antropologias que mais haviam se combatido e aventurado em um diálogo precursor de "coisas novas" e de um "homem inédito", combinaram-se para fazer uma das duas partes, sem uma cultura, a parte que Berlusconi, erguendo os braços para o céu, no final da campanha eleitoral, execra como "a esquerda!".
E assim, de Porcellum em Porcellum (leis eleitorais) chegamos a esta bela lei eleitoral que nos é oferecida e jamais repudiada pelo Partido Democrático, que faz os não representados fugirem das cadeiras e dá a maioria absoluta (quase dois terços!) a quem é minoria no país e cria um Parlamento, reduzido em muitas cadeiras para que não seja um grande obstáculo ao governo. Mas os dois lados são tão diferentes? Ambos querem as mesmas coisas, uma economia que mata, como a chama o Papa, e desempregados sem renda de cidadania, e o Inimigo externo.
Este último é o grande unificador de governo e oposição, é combatido por uma aliança que se autodenomina atlantista e se pretende, mas não é, europeísta, pelo menos por uma determinada “ideia de Europa”. Agora o inimigo é Putin, porque ele invadiu traiçoeiramente a Ucrânia, cuja independência é tão amada por Blinken e pelos Estados Unidos, que certa vez até queriam tomar Granada, uma ilhazinha bem mais próxima. Mas Putin não se tornou o Inimigo agora, como seria plausível, ele vem sendo há tempo, desde que os Estados Unidos, a OTAN e o Ocidente erroneamente pensaram que não poderiam existir sem um Inimigo tão persuasivo como a União Soviética, incluindo suas armas nucleares, e depois de um breve idílio vivido com Yeltsin (dado seus méritos como sucateador da URSS), adotaram a Rússia como um Novo Inimigo (mas também antigo, com Dostoiévski e seus livros retirados das bibliotecas).
Putin contou isso, quando não era tão mau que um estadunidense nem pudesse falar com ele, e o revelou ao diretor estadunidense Oliver Stone. Clinton estava em visita ao Kremlin e Putin lhe disse "entre o sério e o jocoso", que a Rússia poderia aderir à OTAN, Clinton não o excluiu, mas a delegação estadunidense ficou "aterrorizada", porque sem inimigo era impossível ficar, ou seja, fora de um sistema feito sob medida da OTAN em que, como Putin explicou, existem apenas duas opiniões, "aquela dos EUA e aquela errada", e existem apenas duas Partes, aquela certa e aquela errada, e uma das duas está destinada a sucumbir.
É este sistema que ganhou na Itália e a alternativa é muito evidente. Por um lado, estão os "Fratelli d’Itália", aqueles que são irmãos entre si, e irmãos daqueles que, embora estrangeiros, são semelhantes a eles. Mas são irmãos no modo de Caim, ou no modo do hino de Mameli, com o capacete de Cipião na cabeça e o mito da vitória sobre os outros entendidos como "escravos", ou como párias, como diz Biden que devem ser os russos em sua sociedade internacional concebida como uma sociedade dividida em castas, na qual os párias, os fora de casta, são excluídos, porque são menos que homens.
Do outro lado, a alternativa é muito clara, e pode ser dita em apenas duas palavras: Fratres omnes, irmãos, irmãos são todos, também russos, estadunidenses e chineses e também cristãos, muçulmanos e crentes de toda fé, como se viu no Cazaquistão, com o Papa entre os outros, não primeiro e não só (quem sou eu?) e também com Giorgia Meloni, com toda a sua classe dirigente que não existe.
Não demora muito para entender, basta ser "internacionalistas", a acusação mais infame que os assassinos de Mons. Romero em Salvador imputaram a Marianella Garcia Villas, antes de matá-la também. Isso significa ser internacionalista e dar a mão a uma Constituição da Terra. Mas para chegar lá é preciso sê-lo primeiro, agora, não depois, senão ficará apenas uma pálida utopia. Bem-vinda irmã Giorgia ao pequeno clube de mulheres poderosas, com os votos de que não seja como outras, Thatcher, Golda Meir, Ursula, muito "erradas".
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Itália. Venceu o sistema. Artigo de Raniero La Valle - Instituto Humanitas Unisinos - IHU