18 Dezembro 2019
“Desaprender a arte da guerra e aprender a arte do cuidado da terra e fazer a história continuar, portanto, são uma revolução copernicana hoje possível. É passar da dialética dos opostos à harmonia das diferenças, como o Papa Francisco invocou junto com muçulmanos e judeus em nome da fraternidade na fé.”
A opinião é de Raniero La Valle, jornalista e ex-senador italiano, em artigo publicado por Chiesa di Tutti, Chiesa dei Poveri, 16-12-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Tendo comparecido também à cúpula mundial sobre o clima em Madri (que, aliás, fracassou), Greta Thunberg disse que, após um ano de campanhas “pelo futuro”, os resultados foram grandes em termos de mobilização popular, mas quase nulos os resultados em termos de decisões dos governos. Um robusto programa de reconversão ecológica está agora nas intenções da nova Comissão Europeia. Veremos.
Porém, os ritmos da crise global se tornam cada vez mais prementes, não há tempo para as longas gestações, e nem mesmo um bom suprimento de medidas individuais, tomadas aqui e acolá pelos governos, pode ser suficiente para dar uma resposta abrangente e eficaz ao perigo já anunciado em muitas partes de que, ainda a partir de 2050, o sistema físico da Terra entrará em colapso, e de que a história humana que nela habita poderá chegar ao fim.
A crise ecológica é acompanhada pela crise progressiva da vida coletiva das mulheres e dos homens sobre a Terra, a extinção da política, a perda da democracia, a regressão do direito, o bem a ser feito que se torna crime, o mal infligido que se torna direito, as armas que novamente cobrem toda a terra e a cercam desde o céu, imensas para pouquíssimas riquezas e infindáveis para muitíssimas pobrezas. E o fogo que devora as grandes florestas e queima o ar de que precisamos para respirar também não é involuntário, é fogo amigo ateado por conselhos administrativos e não extinguido por governos soberanos.
Por isso, é necessária uma resposta global, que tenha a mesma dimensão e eficácia da crise global. São necessários homens e mulheres, onde quer que habitem a Terra, mas todos juntos, como um novo sujeito político operante no mundo, que tomem partido pela Terra e se organizem e atuem para que a Terra seja salva e a história continue.
Na segunda-feira passada, em Messina, Itália, nasceu uma escola para ativar um pensamento que não apenas elabore e propague essa urgência, algo que já ocorre de muitos modos, mas também aponte e promova o instrumento para lhe dar uma resposta. Que novo recurso é preciso ser posto em campo para frear e reverter a corrida que pode levar ao fim?
Esse instrumento, esse recurso, diz essa escola, é uma Constituição da Terra. As Constituições deram alma e vida aos Estados e, por último, quando tudo parecia perdido devido à violência crescente, à corrupção e à preguiça do poder, salvaram a democracia e a convivência.
Uma Constituição da Terra pode salvar a Terra hoje. Um constitucionalismo universal embrionário já existe graças à ONU e às grandes Cartas e Convenções do pós-guerra, mas, argumenta Luigi Ferrajoli, sem institutos de garantia, suportes públicos e leis de implementação, ele permaneceu inoperante, tanto que nem o cuidado da saúde é universal, nem a vida, a vida nua, é desfrutável por todos, e a guerra sempre pode subverter tudo. Uma Constituição – não um governo, nem um Leviatã mundial – pode ser o programa inédito, mas decisivo, desse gesto de tomar partido pela Terra, diz a escola que veio à luz na segunda-feira em Messina.
Messina está no centro do Mediterrâneo, o berço do qual tudo começou, também a democracia, as Constituições, antes de Nínive, antes da Babilônia, antes de Abraão. Milhares de anos atrás, o código de Ur dos caldeus prescrevia que o poder fosse o sustento do pobre, da viúva, do estrangeiro, compensando com a sua força a fraqueza dos fracos. O código de Hamurabi instituía a “justiça aos oprimidos”. E, no Egito, o vizir se orgulhava de ser pai do órfão, irmão da divorciada, proteção de quem não tem mãe.
O objetivo da escola da Terra que agora é proposta é fecundar e difundir essa cultura da Terra e do direito, uma escola onde todos sejam docentes e discentes, uma escola difusa, telemática e frontal, de modo que toda casa seja uma escola, cujo programa vá também além da meta indicada por Miqueias e Isaías, que queriam que as lanças se transformassem em foices, e as espadas, em arados.
Além disso, Isaías profetizava que as nações não aprenderiam mais a arte da guerra, sinal de que a guerra não está na natureza, mas deve ser preparada e armada antes. De fato, nós a aprendemos e a aperfeiçoamos cada vez mais. E eis, portanto, uma escola não para aprender, mas para desaprender a arte da guerra e, em vez disso, aprender a arte de fazer a paz e salvar a Terra.
Antes, isso não era possível, não havia um povo da Terra que pudesse fazer uma Constituição da Terra, estabelecer um direito sem fronteiras, porque tudo estava despedaçado, as identidades se contrapunham como absolutas, e Deus mesmo era jogado como princípio e causa de divisão entre os povos, entre soberanias que se atribuíam, cada uma, a eleição divina.
Agora, não mais. Graças ao novo anúncio de Deus que também ressoou no documento de Abu Dhabi, não há mais um Deus ciumento, um Deus em cujo nome uns são eleitos, e os outros, rejeitados. Desaprender a arte da guerra e aprender a arte do cuidado da terra e fazer a história continuar, portanto, são uma revolução copernicana hoje possível. É passar da dialética dos opostos à harmonia das diferenças, como o Papa Francisco invocou junto com muçulmanos e judeus em nome da fraternidade na fé.
A iniciativa da escola e da Constituição da Terra será tornada pública nos próximos anos pelo Comitê que a promoveu, com um apelo dirigido a reunir inscrições, adesões e consensos em torno dela. Nós daremos notícia a esse respeito.
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Por uma escola e uma constituição da Terra. Artigo de Raniero La Valle - Instituto Humanitas Unisinos - IHU